Nuno Jacinto: “Avaliação do risco mudou o paradigma da osteoporose”

05/23/2022
Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

A avaliação do nível de risco individual “torna a abordagem da osteoporose menos dependente de um exame complementar de diagnóstico e facilita o trabalho dos médicos de família”, afirma Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.  

HealthNews (HN) – Pela sua prevalência no nosso país (cerca de 10% da população) considera que a osteoporose merecia outra abordagem e/ou deveria fazer parte dos indicadores de desempenho das unidades de saúde familiar?

Nuno Jacinto (NJ) –  Provavelmente a osteoporose, tal como aconteceu com outras doenças, sofreu um pouco com a questão da contratualização das USF e das UCSP e dos indicadores, muito focados em determinadas patologias. 

A introdução de indicadores da osteoporose ou de qualquer outra doença poderá ser benéfica desde que sejam balanceados com indicadores focados nos ganhos e nos resultados em saúde. Se tivermos apenas indicadores de processo, o seu cumprimento terá um impacto reduzido na vida real das  pessoas.

Calcular um determinado score para um determinado parâmetro no Sclínico poderá ser importante mas os indicadores terão de ser bem pensados. Não podem representar uma carga de trabalho adicional; terão de enquadrar-se na nossa atividade e voltar a trazer esta doença mais para o nosso dia-a-dia do que tem acontecido nos últimos anos, sem cair no exagero. 

HN – A partir de que idade faz sentido ter um olhar mais atento à osteoporose? 

NJ – As orientações dizem-nos que devemos pensar em todas as mulheres pós-menopáusicas e todos os homens com mais de 50 anos.

A questão é pensar na osteoporose e perceber qual é o nível de risco de cada pessoa. Isso representa uma grande mudança relativamente ao paradigma que existia há alguns anos atrás. Neste momento temos a possibilidade, até mesmo sem fazermos densiometria óssea, de calcular o risco de determinado indivíduo com base em parâmetros como o sexo, a idade, outros fatores de risco como a fratura prévia, o tabagismo ou o uso de corticoides. Esse nível de risco vai-nos permitir, com mais certezas, perceber se a situação deve ser reavaliada periodicamente, se devemos iniciar tratamento de imediato ou pedir uma densitometria óssea para esclarecer alguma dúvida que possa existir. 

Esta mudança de paradigma torna a abordagem da osteoporose menos dependente de um exame complementar de diagnóstico e facilita o trabalho dos médicos de família, que nem sempre têm um acesso facilitado à densiometria óssea.

HN – Em termos de abordagem, o que preconiza ao nível da prevenção, diagnóstico e tratamento?

NJ – As recomendações são, em geral, aquelas que preconizamos em termos de prevenção da doença e promoção da saúde: manter hábitos de vida saudáveis, praticar exercício físico adaptado a cada um, evitar o tabagismo, ter uma dieta rica e variada. Neste caso em particular, importa ter um aporte variado dos vários alimentos, incluindo lacticínios (pela importância do cálcio), e estar atento à exposição solar e à vitamina D, na medida em que existem provas de que esta vitamina desempenha um papel importante na prevenção, na evolução e no próprio tratamento da osteoporose. 

Em termos de diagnóstico, perante cada doente, deveremos calcular o nível de risco para perceber qual é o melhor caminho e a melhor atuação. 

Ao nível do tratamento dispomos de várias armas terapêuticas, sendo de salientar os bifosfonatos, que são os fármacos mais utilizados ao nível dos Cuidados de Saúde Primários com o objetivo de permitir aquilo que todos desejamos: a prevenção da fratura ou a redução das complicações pós-fratura. 

HN – Como analisa a interação dos Cuidados de Saúde Primários com os Cuidados de Saúde Secundários no acompanhamento e monitorização destes doentes após a ocorrência de uma fratura?

NJ – Em primeiro lugar, é importante que os utentes tenham médico de família atribuído para que possa haver esse seguimento no período pós-fratura. Quanto à articulação de cuidados, neste caso entre a Ortopedia e a Medicina Geral e Familiar, é bom que exista uma partilha bidirecional da informação, o que muitas vezes não acontece. Isto não é culpa nem de um lado nem de outro, apenas espelha o sistema que temos e as dificuldades de comunicação que existem entre nós. 

O ideal é estabelecermos, em conjunto, um plano de seguimento, que inclui o tratamento e o acompanhamento regular do doente. Este acompanhamento é essencial tanto num diabético como numa pessoa que sofre um enfarte ou faz uma fratura osteoporótica e que, quando sai do internamento, precisa de um acompanhamento ainda mais regular da sua evolução.  

HN – Depois de dois anos de pandemia, qual é a evolução previsível em termos de recuperação da atividade e acompanhamento regular dos doentes nos Cuidados de Saúde Primários?

NJ – Durante a pandemia, a Medicina Geral e Familiar teve a sua atividade desviada para muitas outras tarefas e muitas das coisas que não foram feitas, ou foram feitas de um modo menos regular, acabam por não ser recuperáveis.  No caso da osteoporose, por exemplo, não é depois de um doente ter feito a fratura que vamos instituir terapêutica de prevenção!… 

O importante agora é que as unidades de saúde familiar (USF) e as unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP) sejam capazes de retomar a atividade normal e tenham capacidade para dar assistência à doença aguda e crónica, aos grupos de risco e vulneráveis.

É verdade que estamos já numa fase de resolução ou de aparente acalmia da pandemia, mas as lacunas anteriores continuam a existir. Continuamos com falta de recursos humanos e materiais e é por isso que insistimos na necessidade de serem dadas condições aos médicos de família para continuarmos a apostar nos vários níveis de prevenção e também na parte curativa. 

 

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