Transferência de competências: autarquias podem fazer mais pela saúde em Portugal

17 de Junho 2022

A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde quis debater esta quarta-feira, num webinar com o apoio do HealthNews, a transferência de competências para os municípios. Foram expostos receios e oportunidades, mas os três oradores concordaram que as autarquias podem fazer mais pela saúde em Portugal.

A lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, “estabelece o quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, concretizando os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local”.

No webinar organizado pela Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS) – moderado pela presidente, Cristina Vaz de Almeida –, a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Câmara Municipal de Matosinhos, Luísa Salgueiro, disse que as autarquias estão à altura do desafio: “Acho que temos mecanismos/ferramentas para avançarmos para estas novas competências”. “Importa que as autarquias tenham o conhecimento mais rigoroso dos equipamentos que agora vão assumir”, ressalvou.

E mais: segundo Luísa Salgueiro, as ambições dos autarcas vão além da proposta de momento em cima da mesa. “Os autarcas querem mais do que isso, querem também ter poder de decisão relativamente à forma como estão organizados os serviços de saúde do seu município e à forma como respondem às necessidades da população.”

“(…) o país está perante uma dificuldade ao nível da gestão do seu SNS, e eu creio, espero, acredito e tudo farei para que esta etapa nova que estamos a viver signifique um robustecimento, uma qualificação, um aumento na qualidade de resposta do SNS e nunca da sua fragilização”, garantiu a autarca.

Rui Nogueira, médico de medicina geral e familiar e presidente da mesa da assembleia-geral da SPLS, lamentou a “descapitalização” e o “desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde” na última década, até 2015 – “uma opção política” de “afronta ao Serviço Nacional de Saúde”. Esta política levou “porventura até ao desinvestimento na cultura organizacional, na cultura do Serviço Nacional de Saúde, que se perdeu”, criticou.

Agora é preciso lidar com uma situação de “subfinanciamento” e “disfinanciamento” [“disfunção do financiamento”]. Ou seja, na opinião de Rui Nogueira, há falta de financiamento e “má utilização dos recursos financeiros”, e, neste cenário, os municípios poderão ter um papel relevante. “Eu acho que é mesmo necessário refundar o Serviço Nacional de Saúde”, acrescentou.

“Nós temos muito que esperar das autarquias”, referiu Rui Nogueira. Contudo, advertiu, “seria desonesto – uma desonestidade política de todo o tamanho – pensar que as autarquias têm dinheiro para substituir aquilo que é o dinheiro que o Estado central não tem”.

A questão do financiamento foi também abordada por Rui Passadouro da Fonseca, médico de saúde pública e presidente da sub-região de Leiria da Ordem dos Médicos, que apontou “o financiamento e as decisões de proximidade” como as mais-valias que as autarquias têm trazido para os agrupamentos de centros de saúde.

“A experiência dos últimos anos” leva Rui Passadouro da Fonseca a afirmar que a relação com as autarquias “tem sido boa”. “As autarquias foram essenciais para o desenvolvimento das unidades de saúde, sobretudo na estrutura física, na construção, na reabilitação de muitos edifícios nos últimos três anos, e isto aconteceu porque as ARS e sobretudo os ACeS não tiveram meios suficientes para fazer esse desenvolvimento”, explicou. Além disso, “as autarquias dispõem, neste momento, de muitos programas de promoção da saúde, de educação para a saúde, e, portanto, tem que se enaltecer esse papel”. Nesse sentido, “é de apoiar esta solução”.

Ainda assim, o médico de saúde pública receia que a transferência de competências gere alguns problemas: “o agrupamento integra a área geodemográfica de vários municípios”, pelo que “a articulação com estes municípios” poderá ser um desafio; “a transferência da competência, se não for acompanhada do financiamento adequado, vai ter aqui uma carga negativa para o município”; falta de equidade, sendo que os cidadãos devem ter “uma resposta semelhante ou adequada às suas necessidades” em todo o país; e “alguma partidarização”.

Luísa Salgueiro rebateu estas declarações, afirmando que “não haver equidade não é um risco novo” no Serviço Nacional de Saúde (“basta estarmos atentos ao que se passa no país e vemos que há país a várias velocidades”) e que “os autarcas não são menos capazes de ter uma visão global integrada e ao serviço do interesse público do que os presidentes das ARS ou os membros do Governo”.

“Os autarcas têm tido um papel muito importante”, esclareceu Rui Passadouro da Fonseca. E prosseguiu: “Eu relembro que neste momento temos (…) quatro modos de prestação dos cuidados às pessoas. Temos USF do modelo A, USF modelo B, os CSP e (…) resposta a utentes que nem têm médico de família”. “É no sentido de acabar ou diminuir muito esta iniquidade que temos aqui uma esperança das autarquias”, concluiu.

O médico de saúde pública relembrou que os serviços de saúde não resolvem todos os problemas, e “se calhar o investimento na área social nos últimos anos trouxe muitos mais ganhos em saúde”, e recordando a “filosofia” de que o cidadão “é o centro dos cuidados”, defendeu que “a intervenção da população” é também essencial.

Rui Nogueira alertou igualmente que “há outras estruturas que estão na comunidade muito perto das autarquias ou muito perto do poder de influência das autarquias e que são importantíssimas para este acesso aos cuidados de saúde, aos cuidados de saúde primários”. “Nós não conseguimos fazer nada em área nenhuma de cuidados de saúde (…) se não tivermos cuidados de saúde primários de elevadíssimo nível. Os primários são os primeiros, os primeiros são os líderes, os líderes são os mais importantes.”

Para o especialista em medicina geral e familiar, as parcerias e o envolvimento dos diferentes stakeholders – “muitas vezes são privados, note-se bem” – têm “uma função importantíssima ao nível dos cuidados de saúde”, e as autarquias “têm know-how incalculável para estas parcerias com as organizações locais, com as forças locais e até com o conhecimento daquilo que é mais adequado em cada momento”.

“Há muito que as autarquias defendem a possibilidade e o interesse de assumirem mais competências em matéria de saúde, e também há muito que, mesmo sem essas competências formais, as autarquias vêm apoiando fortemente o Serviço Nacional de Saúde na sua missão”, vincou a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses.

HN/Rita Antunes

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