Novo Estatuto prevê “soluções estratégicas” para um SNS sob pressão

6 de Julho 2022

O Conselho de Ministros deverá aprovar na quinta-feira o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), um documento com “soluções estratégicas” para um setor sob pressão devido à pandemia de Covid-19 e à organização da resposta aos utentes.

Cerca de 30 anos depois do atual ter sido publicado, em 1993, a proposta de estatuto do SNS foi aprovada em Conselho de Ministros em outubro, seguindo depois para consulta pública e audição de várias entidades, com o Governo a prever inicialmente que entrasse em vigor com o Orçamento do Estado para 2022, que entretanto foi “chumbado” no parlamento no final de 2021.

 Na quarta-feira, a ministra da saúde, Marta Temido, anunciou no parlamento que o novo estatuto vai ser aprovado esta semana em Conselho de Ministros.

O Programa do Governo salienta que o estatuto, a par dos investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência, vai contribuir com os “instrumentos necessários para a mudança efetiva do SNS”.

O documento, que vai permitir regulamentar aspetos específicos da Lei de Bases da Saúde aprovada em 2019, surge numa altura em que o SNS ainda está a recuperar a atividade assistencial aos utentes prejudicada pela pandemia de covid-19.

Nas últimas semanas, alguns hospitais públicos confrontaram-se também com dificuldades em assegurar as escalas completas de médicos especialistas em obstetrícia e ginecologia para as urgências e bloco de partos, resultando em constrangimentos e no encerramento temporário desses serviços, com o reencaminhamento das utentes para outras unidades.

Essa situação tem levado os representantes dos médicos a denunciar a saída de especialistas do SNS para o setor privado, por falta de atratividade dos hospitais públicos, com o Governo a garantir que, desde 2015, entraram no SNS mais 32.000 profissionais – 15.000 nos últimos dois anos, 4.000 dos quais especialistas.

A este contexto a ministra Marta Temido tem respondido com as “soluções estratégicas” previstas no novo Estatuto do SNS, alegando que vai concretizar uma visão em termos de recursos humanos com a autonomia das contratações, com incentivos aos profissionais de saúde e com pactos de permanência nos serviços públicos.

Na área da gestão, uma das principais inovações do documento é a criação de uma nova Direção Executiva ao nível central, a quem vai competir coordenar a resposta assistencial das unidades de saúde e assegurar o funcionamento em rede do SNS.

O Governo alega que esta nova entidade vai assumir uma função de coordenação operacional do SNS que se revelou necessária na resposta à pandemia e que deve ser agora reforçada, mas a Ordem dos Médicos considera que é um “disparate” por já existirem estruturas que podem desempenhar as mesmas tarefas.

Em matéria de recursos humanos, o novo Estatuto prevê a dedicação plena de aplicação progressiva aos médicos do SNS, numa base voluntária, contemplando um acréscimo remuneratório a negociar, um novo regime incompatível com funções de direção técnica, coordenação e chefia em instituições privadas de saúde.

A proposta que foi aprovada em Conselho de Ministros indicava que o regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a exercer funções de direção de departamentos ou serviços do SNS, implicando ainda uma limitação ao número de horas de trabalho que podem ser exercidas noutras instituições de saúde, também a negociar com as estruturas sindicais.

Ainda na área do trabalho, está previsto um regime excecional de contratação – os órgãos máximos de gestão dos estabelecimentos e serviços do SNS recuperam a autonomia para a contratação de trabalhadores -, assim como um regime excecional de realização de trabalho suplementar.

Ao nível da organização, o estatuto contempla os Sistemas Locais de Saúde (SLS), previstos desde 1999 na lei mas nunca implementados, que serão estruturas de participação e colaboração das instituições que, numa determinada área geográfica, realizam atividades que contribuem para a melhoria da saúde das populações.

De acordo com o documento, os SLS integram os estabelecimentos e serviços do SNS e outros organismos públicos com intervenção direta ou indireta na saúde em áreas como a segurança social, a educação, a proteção civil e as autarquias locais, podendo ainda integrar instituições privadas e do setor social do setor.

No relacionamento direto com os utentes, o Estatuto do SNS refere que serão chamados a intervir nos processos de tomada de decisão que afetem a prestação de cuidados de saúde à população, nos termos da Carta para a Participação Pública em Saúde.

Além disso, os estabelecimentos e serviços do SNS vão implementar sistemas de avaliação sistemática e periódica, que incluem a realização de inquéritos de satisfação aos respetivos ou utentes e profissionais de saúde.

O novo Estatuto do SNS necessita de alterações legislativas e regulamentares, que deverão ser aprovadas no prazo de 180 dias a contar da data da sua entrada em vigor.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Rafaela Rosário: “A literacia em saúde organizacional pode ser muito relevante para promover a saúde em crianças”

No II Encontro de Literacia em Saúde em Viana do Castelo, a investigadora Rafaela Rosário apresentou os resultados de um estudo pioneiro desenvolvido em escolas TEIP – Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, instituições localizadas em contextos socioeconomicamente vulneráveis que recebem apoio específico do governo para combater o insucesso escolar e a exclusão social. A investigação demonstrou como uma abordagem organizacional, envolvendo professores, famílias e a própria comunidade escolar, conseguiu reverter indicadores de obesidade infantil e melhorar hábitos de saúde através de intervenções estruturadas nestes contextos desfavorecidos

Coimbra intensifica campanha de vacinação com mais de 115 mil doses administradas

A Unidade Local de Saúde de Coimbra registou já 71.201 vacinas contra a gripe e 43.840 contra a COVID-19, num apelo renovado à população elegível. A diretora clínica hospitalar, Cláudia Nazareth, reforça a importância da imunização para prevenir casos graves e reduzir hospitalizações, com mais de 17 mil doses administradas apenas na última semana

Coimbra intensifica campanha de vacinação com mais de 115 mil doses administradas

A Unidade Local de Saúde de Coimbra registou já 71.201 vacinas contra a gripe e 43.840 contra a COVID-19, num apelo renovado à população elegível. A diretora clínica hospitalar, Cláudia Nazareth, reforça a importância da imunização para prevenir casos graves e reduzir hospitalizações, com mais de 17 mil doses administradas apenas na última semana.

Vírus respiratórios antecipam época de maior risco para grupos vulneráveis

Especialistas alertam para o aumento precoce de casos de rinovírus, adenovírus e VSR, que afetam sobretudo idosos e doentes crónicos. A antecipação da vacinação contra a gripe e a adoção de medidas preventivas simples surgem como estratégias determinantes para reduzir complicações e evitar a sobrecarga dos serviços de urgência durante o pico epidémico.

Sword Health assume liderança do consórcio de inteligência artificial do PRR

A Sword Health é a nova entidade coordenadora do Center for Responsible AI, um consórcio financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência, substituindo a Unbabel. A startup afirma ser atualmente a que mais investe no projeto, com uma taxa de execução de 76% a oito meses do prazo final. O cofundador, André Eiras, adianta que a transição, já aprovada pelo IAPMEI, confere à tecnológica portuguesa maior responsabilidade na liderança de projetos das Agendas Mobilizadoras

Consórcio de IA atinge 80% de execução com 19 produtos em desenvolvimento

O consórcio Center for Responsible AI, liderado pela Sword Health, revela que 80% do projeto financiado pelo PRR está executado, restando oito meses para concluir os 19 produtos em saúde, turismo e retalho. Investimento realizado supera os 60 milhões de euros, com expectativa de gerar mais de 50 milhões em receitas até 2027.

Montenegro confiante na ministra da Saúde apesar de partos em ambulâncias

O primeiro-ministro manifestou-se incomodado com a ocorrência de partos em ambulâncias, um problema que exige uma análise sistematizada. Luís Montenegro garantiu, no entanto, confiança total na ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e afastou qualquer ligação destes casos a ineficiências do SNS. O executivo promete empenho no reforço dos serviços de urgência e da acompanhamento obstétrico

INSA reclama atualização de estatutos para travar “disfuncionalidade organizacional”

O presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Fernando de Almeida, apelou hoje, na presença da ministra da Saúde, para uma revisão urgente dos estatutos e do modelo de financiamento da instituição. Considera que o quadro legal, inalterado desde 2012, está desatualizado e compromete a capacidade de resposta em saúde pública, uma situação apenas colmatada pelo “esforço coletivo” dos profissionais, como demonstrado durante a pandemia

Médicos do Amadora-Sintra descrevem colapso nas urgências

Trinta médicos do serviço de urgência geral do Hospital Amadora-Sintra enviaram uma carta ao bastonário da Ordem a relatar uma situação que classificam de insustentável. Denunciam o incumprimento crónico dos rácios de segurança nas escalas, com equipas reduzidas e pouco diferenciadas, um cenário que resulta em tempos de espera superiores a 24 horas e que compromete a dignidade da prática clínica e a segurança dos utentes

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights