Autonomia dos hospitais não resolve falta de competitividade dos salários no SNS

18 de Julho 2022

O presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa considerou hoje que a autonomia dos hospitais para contratação não resolve a falta de competitividade dos salários no serviço público, lembrando que a questão não é exclusiva de Portugal.

“A autonomia não vinha resolver a questão salarial (…). Iríamos ficar tolhidos na mesma. Neste momento o nosso problema nem sequer são as autorizações governamentais, que as temos, nomeadamente para os enfermeiros, mas não conseguimos substituir porque o trabalho é pesado e a remuneração não é atrativa”, afirmou João Oliveira.

Questionado pela Lusa, o responsável lembrou que o problema da falta de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde “não é novo, nem é exclusivamente do IPO de Lisboa, mas de todo o Serviço Nacional de Saúde”, sublinhando que tem sido um tema “sobejamente falado nos últimos anos”.

“Nós próprios temos já há vários anos levantado esta questão, salientado as dificuldades que existem no serviço público em manter os profissionais, nomeadamente os mais qualificados, e os graves problemas que isso acarreta”, acrescentou.

A falta de profissionais de saúde no IPO de Lisboa foi hoje recordada pela TSF, que noticiou que a “crónica falta de enfermeiros está a condicionar a atividade” do instituto, acrescentando que a Unidade de Cuidados Intensivos, que tem oito camas, está a funcionar apenas com três por falta de enfermeiros.

Em declarações à Lusa, João Oliveira lembrou que o problema não é só português, exemplificando: “Se estivermos atentos às notícias do estrangeiro, veremos que é um problema que se está a colocar também em França, exatamente com os mesmos contornos que em Portugal, com prestações de serviços externas que são altamente insatisfatórias”.

“Está a colocar-se em Itália, colocando em risco o próprio ministro da Saúde; está a colocar-se na Bélgica e já se colocou na Inglaterra, há muitos anos, e mantém-se a ponto de (…) o Serviço Nacional de Saúde inglês, que tinha todos os melhores atributos, ser atualmente praticamente uma central de compras, que adquire serviços externos para prestar o serviço público, com insatisfação dos cidadãos e uma baixa notável da qualidade das prestações”, explicou.

Portanto, é uma ideia que vem desta coisa de um Estado ter que ser pequeno e se confundir o função pública e o perfil das prestações públicas com as prestações que os privados podem dar.

O presidente do IPO de Lisboa sublinhou que o serviço público não tem que competir com o privado, pois tem um cariz diferente: “A satisfação dos cidadãos é uma coisa, a acumulação de mais valias comerciais com a prestação de cuidados de saúde é outra e, podendo ser complementares nalguns aspetos, a essência dos serviços públicos tem que ter uma dimensão, uma escala, uma qualidade completamente diferente dos privados”.

“Não é apenas uma questão de valorização subjetiva das condições de trabalho. É essencialmente uma questão de remunerações (…).Os nossos profissionais em Portugal estão a sair do serviço público essencialmente por uma questão de remunerações mais baixas e estamos a falar profissionais clínicos e não clínicos. E todos os serviços de suporte nos hospitais padecem do mesmo problema”, afirmou.

João Oliveira destacou o paradoxo de os técnicos diferenciados serem muito bem remunerados no serviço privado, ao contrário do que acontece no serviço público.

Explicou também que um hospital é “uma empresa complexa e com múltiplas atividades que têm que ser conjugadas para que o resultado para os cidadãos seja o melhor possível” e que, por isso, o SNS precisa dos melhores profissionais.

“Se abdicarmos e se acharmos que tudo é suscetível de ser externalizado, pois temos o resultado que infelizmente já se pode ver em Inglaterra”, acrescentou.

O responsável do IPO de Lisboa sublinhou igualmente que Portugal tem particularidades que poderia aproveitar: “Apesar de tudo, temos uma dimensão relativamente pequena. Temos um grande orgulho no Serviço Nacional de Saúde e há uma conjunção de opiniões favoráveis em todo o espetro político”.

“Acho que, apesar de tudo, tínhamos a oportunidade para resistir a este movimento mundial de outra maneira (…) Portugal tem as provas de que o Serviço Nacional de Saúde é bom e poderia valorizá-las”, concluiu.

LUSA/HN

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