Rui Dinis Oncologista e diretor do serviço de oncologia médica do Hospital do Espírito Santo de Évora

Inspire-se no diagnóstico precoce

08/02/2022

O cancro do pulmão é um caldo, com sabor amargo, de diferentes subtipos histológicos e moleculares, que continua a ser a primeira e destacada causa de morte por cancro em Portugal – ultrapassando a soma de mortes causadas por cancro da mama, próstata, colorretal e cerebral. São mais de 5400 novos casos e 4800 mortes por ano.

O fumo do tabaco, contendo dezenas de químicos carcinogénicos como nitrosaminas e benzopirenos, está envolvido em pelo menos 70% do cancro pulmonar (mesmo se a exposição é passiva), mas deve-se considerar outros fatores como história pessoal e familiar de cancro e exposição a outros carcinogéneos, nos quais se destacam os asbestos, o arsénio, o berílio, o cádmio, o crómio, os fumos de diesel e o gás radioativo radão.

Torna-se assim clarividente que a primeira medida preventiva recomendada é a abstenção tabágica (benéfica mesmo entre os já doentes, por reduzir o risco de segundos cancros). Programas de cessação tabágica, combinando terapia comportamental e medicamentosa, têm-se revelado úteis.

Por outro lado, é necessário estar atento a sintomas e sinais de alarme como tosse, hemoptises (sangue na expetoração), dispneia (falta de ar), perda de peso ou dor torácica, que surgem geralmente em fases avançadas da doença, assim como não se pode descurar um nódulo de novo encontrado casualmente numa radiografia torácica.

No entanto, considerando que apenas pouco mais de 20% dos doentes com o diagnóstico estão vivos aos 5 anos, independentemente da histologia, e existe a possibilidade de cura em estádios precoces, o cancro do pulmão é um candidato a programa de rastreio de base populacional. O ensaio National Lung Screening demonstrou uma redução em 20% na mortalidade por cancro do pulmão em 53000 indivíduos fumadores ou ex-fumadores, entre 55 e 74 anos, rastreados por TAC de baixa dose de radiação.

Com efeito, em estádio precoce, a cirurgia permite vislumbrar a cura, mesmo que tenha de ser complementada por quimioterapia e/ou radioterapia.

No caso de doença irressecável mas ainda potencialmente curável, está padronizada a quimio-radioterapia, consolidada por imunoterapia, que reduz o risco de morte.

Por seu lado, em doença avançada ou metastizada, testes genéticos no próprio tumor (ou em biopsia líquida) permitem identificar, em cerca de 30% dos casos, oncogenes que guiam a escolha dos tratamentos de precisão, muito mais eficazes e menos tóxicos do que a quimioterapia.

Nos tumores avançados sem mutações condutoras de terapia alvo, a imunoterapia, isolada ou associada a quimioterapia, é a primeira escolha pelo benefício clínico na sobrevivência.

Em conclusão, apesar da enorme evolução terapêutica, a mortalidade por cancro pulmonar continua elevada, significando que avassalador investimento deve ser feito na prevenção, no diagnóstico precoce – através de programas de rastreio personalizado ou de base populacional -, e na integração de cuidados, permitindo maior taxa de cura, maior sobrevivência e menores custos para o doente, a família, o sistema de saúde e a sociedade.

 

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