“Temos que nos preparar muito seriamente para aquilo que é um novo ciclo de deterioração das condições de vida dos portugueses”, advertiu João Goulão na Assembleia da República, onde apresentou os relatórios anuais sobre a Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependência e em Matéria de Álcool em 2021 e foi ouvido a requerimento do PCP sobre “a criação de uma estrutura única no âmbito dos comportamentos aditivos e das dependências”.
Para João Goulão, “é fundamental” ter “massa profissional e massa crítica para enfrentar de forma eficaz” os novos problemas que aí vêm e que, antecipou, “vão acontecer muito depressa”.
“Temos que robustecer os dispositivos que enfrentam os problemas das dependências em Portugal para conseguirmos dar resposta, sob pena de virmos a enfrentar uma situação como aquela que deixamos evoluir livremente nas décadas de 80 e 90 [no século passado] e que nos levou efetivamente a números catastróficos relacionados com o uso de heroína”, alertou o diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).
Dirigindo-se aos deputados da Comissão de Saúde, João Goulão elucidou que o SICAD é uma direção-geral constituída por “meia dúzia de profissionais” estando os restantes nas Administrações Regionais de Saúde.
“Nós fazemos os possíveis por nos dirigirmos a estes problemas de acordo com a evidência que vamos produzindo e que vamos coletando também de outras fontes e penso que é inegável que tem havido alguma quebra na capacidade de lidar com alguns desses problemas”, declarou.
O médico apontou como uma das razões para esta situação “a incapacidade de renovar” os quadros nos últimos anos, contratando profissionais dedicados à área da terapêutica das toxicodependências.
“E há aqui um elefante na sala que é o passado que foi caracterizado pela existência do IDT, um instituto público vertical, com a capacidade de pensar as políticas, fazer estudos, compilá-los, de alguma forma digerir a evidência e fazê-lo traduzir em intervenções ao nível do terreno”, que foi extinto em 2012 e criado um novo modelo estrutural para as respostas dirigidas às dependências em geral, o SICAD.
João Goulão contou que “imediatamente a seguir” a esta decisão começou “a ser constatado e sentido pelos profissionais no terreno” que “o novo modelo dificilmente corresponderia e permitiria manter os níveis de eficácia que iam sendo experimentados até então”.
Por outro lado, disse, há algumas circunstâncias externas que “não foram seguramente alheias à evolução negativa de alguns indicadores” a nível dos consumos de droga e de álcool”, dando com exemplo “a crise da dívida soberana”, em que houve uma deterioração “muito violenta das condições de vida de franjas importantes” da população e se assistiu a um recrudescimento do uso da heroína que parecia estar a desaparecer do mercado português.
“O uso de substâncias psicoativas tem uma interligação muito estreita com os níveis de saúde mental da população e tem também uma relação muito estreita com as circunstâncias de vida da população”, salientou.
Ao contrário do que aconteceu no período da crise, a pandemia de covid-19 só agravou os padrões de consumo de quem já tinha consumos problemáticos prévios, disse.
LUSA/HN
0 Comments