Ana Gonçalves Andrade ginecologista da Unidade de Patologia do Colo da Maternidade Alfredo da Costa

Consciencializar para o HPV

03/06/2023

O Cancro do Colo do Útero (CCU) é responsável por uma morte a cada dois minutos no mundo. É o 4.º cancro com maior incidência e mortalidade na população feminina, sendo que, entre os 25-45 anos, é o segundo.

Em 1985 Harald zur Hausen relacionou a infeção pelo Vírus do Papiloma Humano (HPV) a alguns cancros genitais. A infeção por HPV é a infeção de transmissão sexual mais frequente e ocorre em »80% dos indivíduos sexualmente ativos. O pico de prevalência na população feminina surge aos 30 anos.

O HPV é um vírus DNA cujo genoma se organiza em três regiões funcionais: precoce (Early – codifica proteínas necessárias à replicação viral e implicadas na patogénese do vírus), tardia (Late – codifica proteínas da cápside viral importantes na formação de novas partículas) e de controlo (Long Control Region – LCR; controla a replicação e transcrição do DNA viral). Diferenças na proteína L1 permitem distinguir mais de 200 serotipos de HPV. Destes, cerca de 40 têm tropismo para o epitélio anogenital e classificam-se em HPV de alto risco e HPV de baixo risco consoante o seu potencial de transformação maligna. Entre os HPV de alto risco, os HPV 16 e 18 são responsáveis por cerca de 70% dos CCU. Os HPV de baixo risco causam doença benigna, os condilomas.

O HPV é um dos carcinogéneos mais potentes e está na origem de múltiplas neoplasias: CCU (>90%); canal anal (88%); vagina (70%); pénis (50%); vulva (43%); orofaringe (26%).

O HPV infeta as células basais dos epitélios através de micro abrasões decorrentes das relações sexuais. Por ser uma zona de metaplasia ativa, a zona de transformação do colo é particularmente suscetível. No interior da célula o vírus completa o seu ciclo de replicação, destrói a célula infetada e liberta novas partículas virais que perpetuam a infeção (infeção produtiva; lesão intra-epitelial escamosa de baixo grau – LSIL). Se a infeção persistir o vírus integra o seu DNA no genoma da célula hospedeira conferindo-lhe a capacidade de transformação neoplásica (infeção transformante; lesão intra-epitelial escamosa de alto grau – HSIL, precursora do CCU).

A estratégia para a eliminação do CCU assenta em três pilares: prevenir (a infeção HPV), diagnosticar (lesões precursoras) e tratar (lesões com elevado risco de progressão).

A vacinação contra o HPV é a base da prevenção primária. Tratam-se de vacinas profiláticas recombinantes que não são infeciosas ou oncogénicas e que são capazes de induzir uma resposta imunitária 60-100 vezes superior à que ocorre na infeção natural. Dados a 10 anos mostram uma eficácia de 94-96% na prevenção de infeção por HPV 16 e 18 e de 98% na prevenção de HSIL. Demonstraram também eficácia na prevenção de reinfeção. A vacina nonavalente cobre os serotipos responsáveis por 90% dos CCU e está incluída no PNV.

A implementação do rastreio do CCU permite identificar as mulheres em risco de desenvolver CCU e, ao vigiá-las, reduzir a incidência e mortalidade por CCU.

Perante um rastreio positivo a abordagem depende do risco imediato e a longo prazo de HSIL. O objetivo é prevenir a evolução para o CCU e ao mesmo tempo evitar o sobretratamento. O seguimento poderá implicar uma vigilância clínica regular,  recomendada para a maioria das situações de LSIL e de infeções HPV sem lesão, ou uma abordagem cirúrgica. Apesar de sabermos que 60-70% das LSIL vão regredir espontaneamente em 2 anos e que 80-90% das infeções HPV são transitórias a abordagem wait and see pode ser difícil de aceitar pela doente.

Uma vez que a infeção persistente por HPV promove o desenvolvimento do CCU e que depende, em parte, do status imunitário do aparelho genital, estratégias que permitam melhorar a imunidade vaginal, equilibrando o seu microbioma, podem ser importantes na prevenção da infeção persistente e assim da progressão de lesões. O carboximetil beta-glucano é um polímero hidrofílico mucoadesivo que, através do seu efeito pré-biótico, contribui para reequilibrar o microbioma vaginal. Em vários trabalhos demonstrou melhorar a epitelização cervical e normalizar o pH vaginal. Quando comparado com o grupo controlo mulheres sob tratamento tiveram uma taxa de regressão de LSIL aos 6 meses significativamente superior (23,7% Vs. 6.8%) e uma clearance do HPV duas vezes maior.

 

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