Mário André Macedo Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil

Não aos passaportes de imunidade!

06/22/2020

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Não aos passaportes de imunidade!

22/06/2020 | Opinião | 0 comments

O debate sobre passaportes de imunidade ganhou escala global. Países como Alemanha, EUA, Reino Unido, Chile ou Itália debatem a sua aplicabilidade. Em Portugal, também surgem vozes a defender a sua aplicação, como forma de sair do confinamento e reiniciar a atividade económica. Após efetuar testes serológicos, quem tivesse marcadores específicos para o Sars-Cov-2, teria um estatuto que lhe permitiria retomar a vida com a normalidade pré-pandémica.

No entanto, esta ideia possui algumas lacunas científicas, assim como levanta questões éticas e operacionais que devem ser alvo de uma análise rigorosa. Na dimensão científica, a OMS alertou no passado dia 24 de abril, para a inexistência de evidência sobre a eficácia dos anticorpos produzidos por um individuo recuperado de Covid-19.

Ao dia de hoje, a dúvida mantém-se. De facto, não sabemos se os anticorpos produzidos são totalmente eficazes e por quanto tempo o serão. Também desconhecemos outro fator essencial: não sabemos interpretar os valores dos testes serológicos, ou seja, assumindo que a imunidade existe e é duradoura, que valor de anticorpos um indivíduo tem de ter para ser considerado imune? São demasiadas dúvidas para esta proposta ser tornada realidade.

Acreditando que teremos estas respostas em breve, e que serão naturalmente positivas, teremos ainda de lidar com a dimensão ética e operacional da questão.

Para aplicar de forma segura e justa em Portugal, teríamos de testar toda a população. Isto significa, num curto espaço de tempo testar mais de dez milhões de indivíduos. Mas não seria suficiente, um cidadão testado hoje como não tendo imunidade pode adquiri-la mais tarde.

Seriam necessários vários testes por indivíduo/ano para executar um programa de certificados de imunidade. O mais trágico é que este esforço seria inglório. Portugal tem pouco mais de 40 mil infetados, mesmo que o número real de infetados seja cinco vezes superior, o número de indivíduos imunes seria tão diminuto que não traria nenhum benefício à economia real.
Um passaporte deste tipo seria uma restrição artificial à circulação. Para funcionar teria de ser associado a toda uma estrutura burocrática de monitorização. A transformação dos nossos telemóveis em aparelhos de vigilância levanta sérios problemas de privacidade. Uma vez aberto o precedente, seria bastante difícil impedir a manutenção do uso de aplicações para outro tipo de fins. Seria igualmente um enorme e complicado desafio, garantir que a vigilância exercida fosse proporcional e equitativa a todos os estratos sociais da sociedade.

Esta medida seria responsável por criar, inadvertidamente, incentivos totalmente errados. O empregador passaria a valorizar este certificado na mesma medida que formações prévias ou experiência adquirida, privilegiando a contratação de indivíduos com imunidade certificada.

Os trabalhadores, especialmente os mais precários e com menos capacidade de organização, seriam colocados perante a escolha entre manter-se saudáveis ou colocar-se deliberadamente em risco de forma a contrair a doença. Sabemos que este risco nunca é totalmente individual, basta uma pessoa infetada para dar início a longas e perigosas cadeias de transmissão, que facilmente podem atingir população mais idosa e vulnerável.

Desta forma, a ideia de certificados de imunidade não deve ser considerada. Pelo contrário, é necessário um maior investimento em tecnologias e sistemas de informação que contribuam para manter os novos casos controlados, proteger os mais vulneráveis e agir rapidamente nos surtos locais que inevitavelmente irão surgir.

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