Susana Castro Marques: “A terapia genética pode revolucionar a vida de muitos doentes”

03/10/2023
Atualmente existem sete mil doenças raras a nível global, das quais 80% tem origem genética. Se para muitos doentes o diagnóstico é uma “dor de cabeça”, para outros o tratamento pode significar um “milagre”. Segundo a diretora médica da Pfizer Portugal, apenas 5% das doenças raras tem tratamento eficaz. Questionada sobre a importância de abordar a terapia genética no âmbito do Dia Mundial das Doenças Raras, Susana Castro Marques sublinhou o “potencial transformador” desta abordagem terapêutica na vida dos doentes e cuidadores.

Atualmente existem sete mil doenças raras a nível global, das quais 80% tem origem genética. Se para muitos doentes o diagnóstico é uma “dor de cabeça”, para outros o tratamento pode significar um “milagre”. Segundo a diretora médica da Pfizer Portugal, apenas 5% das doenças raras tem tratamento eficaz. Questionada sobre a importância de abordar a terapia genética no âmbito do Dia Mundial das Doenças Raras, Susana Castro Marques sublinhou o “potencial transformador” desta abordagem terapêutica na vida dos doentes e cuidadores.

HealthNews (HN)- Quais os principais desafios que estes doentes raros enfrentam a nível de tratamento?

Susana Castro Marques (SCM)- Apenas cinco por cento das doenças raras tem tratamento eficaz. Isto significa que as doenças são raras em si, mas para cada doente que é afetado existem poucas soluções de cura ou alternativas terapêuticas que permitam garantir uma boa qualidade de vida. O facto de existirem poucas terapêuticas faz com que muitas doenças se tornem crónicas ou, inclusivamente, fatais. Um dos principais desafios está relacionado com a falta de sensibilização para a existência destas doenças. Muitos doentes e cuidadores sentem-se abandonados. É preciso que exista mais educação e formas de apoio para que estas pessoas não se sintam estigmatizadas e pouco compreendidas. 

HN- A terapia genética tem vindo a despertar, ao longo dos últimos anos, um profundo interesse por parte da comunidade médica e científica. Mas, afinal, do que se trata esta abordagem terapêutica?

SCM- A terapia genética tem um potencial verdadeiramente transformador. E porquê? Porque pela primeira vez poderemos endereçar o problema genético que está na base de muitas destas patologias. Esta abordagem consiste na introdução de um gene, que passa a ser terapêutico, no órgão-alvo do organismo, o qual passa a produzir uma proteína que está em falta ou não funciona, resolvendo assim a causa de determinada doença. 

HN- Trata-se, portanto, de um tratamento mais dirigido… Mas como é que esse gene é introduzido no organismo?

SCM- Há duas formas. Numa delas, as células são retiradas do organismo da pessoa, trabalhadas laboratorialmente e reintroduzidas. Mas também existe outra forma, que é a mais comum e a mais estudada, que é através de vetores. Os mais utilizados são os vetores virais (são vírus trabalhados laboratorialmente para não causarem doenças, mas que servem como mecanismo de transporte do tal gene). Há ainda outros dois grandes grupos de vetores, que podem ser plasmídeos ou nanoestruturas (essencialmente polímeros). 

HN- Qual o trabalho que a Pfizer tem vindo a desenvolver nesta área? 

SCM- Temos feito um esforço enorme e alocado muitos recursos científicos para estudar a eficácia e segurança da terapia genética. Trabalhamos muito com uma plataforma de vetores virais, que são os adenovírus, e temos focado esta investigação em três grandes áreas: a Hemofilia A, a Hemofilia B e a Distrofia Muscular de Duchenne. 

HN- Quais são os desafios que identifica na implementação destas terapias avançadas?

SCM- O principal desafio passa pelo acesso ao mercado. Vai ser preciso pensar que soluções irão ser encontradas, entre as companhias farmacêuticas e os sistemas de saúde, para ver estas novas soluções terapêuticas disponíveis serem efectivamente utilizadas por quem delas necessita. Estamos a falar de terapêuticas que são muito sofisticadas do ponto de vista tecnológico, com um desenvolvimento clínico complexo e que representam uma inovação transformadora para os doentes, para os sistemas de saúde e para a sociedade. Temos também consciência que temos de considerar a sustentabilidade dos sistemas de saúde, portanto é essencial que exista uma colaboração de ambas as partes para garantir o acesso aos doentes elegíveis para a terapia genética. 

Por outro lado, vai ser preciso analisar a implementação e capacitação dos centros que vão administrar esta terapia. Devem ser centros de excelência e com redes de referenciação bem estabelecidas, para que os doentes sejam avaliados e tratados em locais adequadamente equipados e com uma equipa multidisciplinar de profissionais de saúde bem treinados e preparados. 

HN- Já sabemos tudo sobre a terapia genética ou é preciso investigar mais?

SCM- O benefício destas terapêuticas a médio e longo prazo é algo que precisa ainda de ser mais bem estudado. Portanto vão ser necessários mais estudos e avaliações contínuas, nomeadamente através da criação de registos a nível nacional. Ao serem identificados, estes doentes precisam de ser acompanhados e monitorizados de forma próxima. Há pessoas elegíveis para a terapia genética que, ao longo da vida, já foram infetados com os vírus utilizados neste tipo de abordagem de administração do gene através de um vector viral. Quando isto acontece, o doente desenvolve anticorpos contra esse vírus. Portanto, os doentes, antes de começarem a perfusão, têm de ser testados de forma a perceber se beneficiarão ou não da terapia genética. 

Por outro lado, quando um doente inicia esta terapêutica é preciso ter em consideração que muito provavelmente não poderá fazer uma segunda dose. Ou seja, mesmo que a pessoa nunca tenha sido infetada com o adenovírus utilizado como vector, ao receber o gene, através daquele vetor, vai desenvolver anticorpos. 

No fundo, há uma série de questões que ainda precisam de ser analisadas, mas estamos a estudá-las a fundo para termos cada vez mais respostas e menos perguntas.

HN- Com isto quer dizer que nem todos os doentes poderão beneficiar desta abordagem terapêutica, mas a nível das doenças raras, quais as que poderão beneficiar mais desta inovação?

SCM- Há três grandes grupos de patologias que poderão, atualmente e num futuro mais próximo, beneficiar da terapia genética, nomeadamente as doenças raras e hereditárias, as doenças neurodegenerativas e as doenças oncológicas. 

 

HN- Disse que era preciso criar centros especializados para administração da terapia genética. Como é que se devem preparar os profissionais de saúde para a utilização desta abordagem?

SCM- Em primeiro lugar temos de sensibilizar a sociedade para estas doenças e para os contributos da terapia genética, uma vez que esta pode mudar completamente a vida dos doentes e dos cuidadores. Em segundo lugar, tem de ser criada uma parceria entre as associações de doentes e as sociedades médicas para que os profissionais de saúde estejam mais sensibilizados no que diz respeito ao diagnóstico das doenças raras e para que a perspectiva dos doentes seja cada vez mais considerada e a sua decisão seja completamente informada. Em terceiro lugar, é preciso que sejam formadas as tais redes de referenciação de que falei há pouco. 

A partir do momento em que há uma opção terapêutica tão válida como a terapia genética não há desculpa para que os doentes não sejam diagnosticados e adequadamente tratados. 

HN- Qual a importância de falarmos sobre esta abordagem no âmbito Dia Mundial das Doenças Raras?

SCM- A terapia genética tem o potencial para transformar a vida de muitos doentes, cuidadores e profissionais de saúde. Não nos podemos esquecer que, das sete mil doenças raras que são conhecidas, perto de oitenta por cento tem origem genética. Portanto, existindo uma proporção tão elevada de doenças com origem genética, e sabendo que actualmente poucas têm tratamento eficaz, a terapia genética pode revolucionar, no futuro, a vida de muitos doentes. 

Entrevista de Vaishaly Camões

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