António de Sousa Uva, médico e professor

A violência contra os profissionais de saúde no local de trabalho é um risco profissional que deve ser gerido como todos os outros!

04/29/2023

Os fatores de risco profissionais de natureza psicossocial têm vindo a adquirir uma importância crescente e a ter uma maior visibilidade como agentes de riscos profissionais, designadamente em profissionais de saúde, e associados a aspetos relacionados com as condições de trabalho ou com a atividade. Por exemplo, nos profissionais de saúde, em 2022, foi registado na plataforma da Direção-Geral da Saúde (DGS) quase o dobro dos episódios de violência (relativos quer a 2020, quer a 2021), que médico(a)s, enfermeiro(a)s e outros profissionais de saúde foram vítimas.

Estarão, de facto, a aumentar esses casos ou esses episódios continuam a aumentar devido ao aumento da sua notificação?

Esses fatores de risco profissionais estão, essencialmente, relacionados com a atividade de trabalho inerente à prática profissional e menos com as condições (ou condicionantes) de trabalho. Um nosso recente estudo num grande hospital em Lisboa, observacional e transversal, revelou uma insuficiência de respostas organizacionais adequadas num contexto de livre acesso a zonas de trabalho e ainda uma insuficiente proteção por agentes de segurança. Tais condicionantes, diga-se em abono da verdade, têm melhorado nos últimos anos, assim como a formação e a informação dos profissionais de saúde sobre atitudes e comportamentos a adotar.

Aparentemente, a pouca familiaridade com os procedimentos internos de notificação então identificada (dados anteriores a 2020) foi caracterizada como área carenciada de melhoria, bem como a pouca expressividade das estratégias intervencionistas destinadas a incrementar essas melhorias. Daí para cá tais aspetos têm, de facto, vindo a ser melhorados.

O Observatório Nacional da Violência Contra os Profissionais de Saúde no Local de Trabalho, desenvolvido pela DGS há poucos anos, com o objetivo de disponibilizar um sistema de notificação online dos episódios de violência tem sido, por certo, muito útil. Também a divulgação de documentação e instrumentos de referência e a partilha de boas práticas tem sido importante. Adicionalmente, têm contribuído, por certo, para a sua maior visibilidade e para a discussão pública de acontecimentos que, qualquer que seja a perspectiva, são totalmente reprováveis e dificilmente encontrarão qualquer explicação que possa tornar tolerável o que, de facto, é totalmente  inaceitável.

Apesar disso, estaremos a fazer o suficiente nesse domínio?

Será suficiente o pouco que se tem feito na população em geral para melhorar a gestão desse risco?

Serão suficientes os elementos potenciadores de sinais de alerta nessas circunstâncias e o aumento da componente intimidatória da intervenção repressiva potencial?

Será suficiente a componente observacional desses episódios?

Esses riscos profissionais terão a gestão que o aumento referido deveria determinar?

Não se deveriam potenciar as medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual?

É que fatores de risco, como por exemplo a acessibilidade ou o tempo para atendimento, aumentam, sem quaisquer dúvidas, esse risco, e alguma intervenção também a esse nível poderia, provavelmente, aumentar a eficácia das medidas de proteção individual baseadas na formação e informação desses profissionais.

É bom recordar que as medidas de proteção coletiva devem ser, sistematicamente, preferidas relativamente às medidas de proteção individual.

Bibliografia:

  • Antão H, Sacadura-Leite E, Manzano M, Pinote S, Relvas R, Serranheira F, Sousa-Uva A. Workplace Violence in Healthcare: A Single-Center Study on Causes, Consequences and Prevention Strategies. Acta Médica Portuguesa. 2020;33(1):31-37.
  • Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Prevenção da Violência no Ciclo de Vida. Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde. Disponível em: https://www.dgs.pt/documentos-em-discussao-publica/plano-de-acao-para-a-prevencao-da-violencia-no-setor-da-saude-pdf.aspx (consultado em 16/03/23).

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Ronaldo Sousa: “a metáfora da invasão biológica é uma arma contra os migrantes”

Em entrevista exclusiva ao Health News, o Professor Ronaldo Sousa, especialista em invasões biológicas da Universidade do Minho, alerta para os riscos de comparar migrações humanas com invasões biológicas. Ele destaca como essa retórica pode reforçar narrativas xenófobas e distorcer a perceção pública sobre migrantes, enfatizando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para políticas migratórias mais éticas

OMS alcança acordo de princípio sobre tratado pandémico

Os delegados dos Estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) chegaram este sábado, em Genebra, a um acordo de princípio sobre um texto destinado a reforçar a preparação e a resposta global a futuras pandemias.

Prémio Inovação em Saúde: IA na Sustentabilidade

Já estão abertas as candidaturas à 2.ª edição do Prémio “Inovação em Saúde: Todos pela Sustentabilidade”. Com foco na Inteligência Artificial aplicada à saúde, o concurso decorre até 30 de junho e inclui uma novidade: a participação de estudantes do ensino superior.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights