A bolha mediática está concentrada na nova telenovela de sucesso. As comissões de inquérito parlamentar à TAP começaram como uma investigação a uma indemnização de 500 mil euros, mas já se tornou uma verdadeira prova de sobrevivência para um governo de recente maioria absoluta. Enquanto esta telenovela se desenrola, os cidadãos envergonham-se e o essencial vai sendo adiado. No caso dos serviços públicos, a degradação está à vista. Da educação, em que ainda existem zonas com fraca oferta da escola pública e onde faltam professores, aos muito deficitários transportes públicos com planos de expansão sempre adiados, à fraca rede de apoio social e, claro, à saúde.
Soube-se esta semana que os blocos de partos na região de Lisboa estarão condicionados. É certo que parte do motivo é justificado – obras de reabilitação e melhoria -, mas a oferta de cuidados de saúde materna há muito que se encontrava condicionada. Mesmo sem esta intervenção na infraestrutura, seria sempre um verão difícil nas urgências obstétricas (como já foi o verão passado). Infelizmente, a opção foi agora externalizar para privados, em vez de reforçar o serviço público.
Há muito que o problema está identificado. Por falta de estratégia de retenção de recursos humanos, deixou de haver profissionais de saúde suficientes; a distribuição de tarefas dentro das profissões é deficiente, não aproveitando o melhor que cada uma pode oferecer à comunidade. Enfermeiros e médicos ganham hoje menos do que ganhavam antes da vinda da troika há doze anos. Se juntarmos o desinteresse da tutela pela conciliação da vida familiar e profissional, ou ainda a falta de perspetivas de evolução na carreira, não admira que grande parte dos especialistas com idade para fazer urgências tenha feito outras opções de carreira.
A segunda dimensão do problema – o aproveitamento do potencial de todos os profissionais – seria, aparentemente, mais fácil de resolver. Afinal de contas, há um consenso na academia sobre a necessidade de redefinir os papéis sociais da saúde, aproveitando melhor as competências e potencialidades, não só dos enfermeiros, mas também dos farmacêuticos ou dos técnicos. Existem igualmente décadas de experiências bem-sucedidas em vários países da OCDE. Independentemente do tipo de sistema de saúde, o aumento da autonomia e responsabilidade dos enfermeiros melhorou o acesso aos cuidados de saúde sem beliscar a qualidade dos cuidados prestados. Portugal parte para este caminho com trinta anos de atraso. Não temos mais tempo a perder, o caminho que temos de percorrer é longo.
É também por estas razões que, no sábado, 3 de junho, um grupo de cidadãos, com origens e percursos muito diferentes entre si, juntar-se-á por “Mais SNS” numa manifestação cidadã em Lisboa (15 horas, Largo Camões; instagram.com/maissns).
A defesa dos serviços públicos não é um encargo dos seus profissionais, mas sim uma luta que é do interesse de todos. O acesso equitativo a cuidados de saúde de qualidade garante coesão social, desenvolvimento económico e viabilidade de projetos de vida. O país está pronto para mudanças que contem na vida das pessoas. Longas novelas políticas e mediáticas não nos trarão essas mudanças. Iniciativas cidadãs como a de sábado são essenciais.
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