Ensaios clínicos não farmacológicos: “Agora o objetivo é candidatarmo-nos a financiamento”

5 de Junho 2023

Portugal uniu-se à Noruega no projeto TRACTION (Trials foR heAlth Care inTerventIONs), que pretende criar uma rede que facilite a realização de ensaios clínicos não farmacológicos.

 

“Agora o objetivo é candidatarmo-nos a financiamento”, disse ao HealthNews o investigador Ricardo Ferreira.

A ESEL (Escola Superior de Enfermagem de Lisboa), através do Centro de Investigação, Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem de Lisboa (CIDNUR), é a entidade promotora do projeto TRACTION, que tem o Center for Treatment of Rheumatic and Musculoskeletal Diseases (REMEDY), de Oslo (Noruega), como parceiro e que foi apresentado no dia 26 de maio, no Polo Artur Ravara, depois de um dia e meio de workshops para investigadores sobre a temática.

“É uma rede em que vamos conhecer quem está interessado em fazer colaborações na área da saúde para testar intervenções” não farmacológicas, explicou-nos o enfermeiro Ricardo Ferreira, responsável pelo projeto juntamente com as enfermeiras Adriana Henriques (coordenadora) e Andreia Costa e o especialista em Bioestatística Paulo Nogueira: a equipa ESEL/CIDNUR.

“Para se poder fazer isto e testar estas intervenções, são precisos normalmente muitos doentes, e é melhor se forem de diferentes centros, porque o tipo de centro, tal como a cidade, se é do interior, se é o do litoral, etc., tem influência nas culturas e nos resultados. Se forem diferentes centros, podem-se identificar esses efeitos e controlar”, prosseguiu o investigador.

Será possível pesquisar dentro desta rede “controlada e certificada” quem é que pode colaborar connosco. Não é uma novidade em Portugal, mas as redes que existem “são mais focadas em encontrar centros que querem testar um medicamento ou que querem ter acesso a medicamentos inovadores”.

“Nós vamos aos cuidados de saúde primários e temos o médico e o enfermeiro; basicamente, para dar medicamentos e ensinar a tomar os medicamentos. Se quisermos ter apoio de um psicólogo, de um nutricionista, de um fisioterapeuta ou de um enfermeiro de reabilitação no centro de saúde, não o temos, porque não temos publicações científicas que o suportem, porque esses ensaios clínicos são mais difíceis de fazer. É isso que nós queremos um pouco alterar, para os cidadãos terem mais acesso a este tipo de intervenções não farmacológicas – atividades educativas e outras –, tal como têm acesso ao medicamento”, esclareceu Ricardo Ferreira. Até porque são medidas que se complementam: “para melhorar as condições de saúde das pessoas, é claro que é preciso ter os medicamentos, ninguém duvida disso; mas os medicamentos não chegam”.

No dia 26 de maio, Ricardo Ferreira e Rikke Helenne Moe, em representação da equipa do REMEDY, também constituída por Nina Østerås e Espen Haavardsholm (coordenador), apresentaram o projeto, numa sessão moderada por Andreia Costa e que contou ainda com um comentário do Presidente da ESEL, João Carlos Santos. Nos dias 25 e 26, foram 14 horas de workshop, em inglês, com especialistas internacionais e 20 participantes (quatro internacionais e todos em doutoramento ou doutorados há menos de cinco anos), no edifício da ESEL – um trabalho que se repetirá ainda este ano, mas em português.

A reumatologista e epidemiologista Loreto Carmona (InMusc, Madrid), o enfermeiro David Richards (Western Norway University of Applied Sciences; University of Exeter, UK) e o especialista em Farmácia e Estatística Médica Cristiano Matos (ESTES, Coimbra) são os experts externos a estas duas instituições.

Delineada a estratégia, chegou o momento de procurar financiamento para construir a plataforma informática. “Não podemos candidatar-nos ao mesmo fundo [Fundo de Relações Bilaterais, EEA Grants] para dar continuidade. (…) Agora o objetivo é candidatarmo-nos a financiamento, pode ser de fundos portugueses, de fundos internacionais ou, eventualmente, apoio da indústria farmacêutica. Seria interessante ver a indústria farmacêutica a dar apoio financeiro para se estabelecer uma rede de ensaios clínicos não farmacêuticos”, disse Ricardo Ferreira.

“Se não conseguirmos esse dinheiro, o que é sempre possível, o que a Rikke nos mostrou foi uma ferramenta que já existe, grátis, e que se pode usar. Claro que não é o mesmo que ter um site desenvolvido especificamente para esta colaboração”, acrescentou.

Para o Presidente da ESEL, “a natureza dos problemas que as pessoas e as comunidades hoje experienciam obriga a que muitas disciplinas e as profissões correspondentes tenham de trabalhar em rede, numa lógica colaborativa, de forma a encontrar soluções que se dirijam a problemas complexos, que uma disciplina, por si só, não tem capacidade, conhecimento e competência para resolver”. “Sempre que possível, devemos procurar outros parceiros que, em rede, nos ajudem a criar conhecimento que se traduza em melhor saúde e mais bem-estar para as pessoas e comunidades – que também não se devem circunscrever a um país, porque o conhecimento não tem fronteiras”, completou.

“Temos um sistema de saúde centrado no tratamento da doença, portanto, muito centrado nas soluções farmacológicas, que são naturalmente muito importantes, mas não são a única solução e, em certas situações, não são, de todo, solução. O excesso de medicalização tem também consequências nefastas para a população, como todos assistimos, por exemplo, com o excesso de consumo de antibióticos, com o consequente aumento das resistências dos microrganismos na comunidade. É preciso parar e redirecionar parte do financiamento que está atribuído ao tratamento da doença para outras estratégias que tenham um impacto igualmente positivo na qualidade de vida das pessoas, na sua saúde e no seu bem-estar”, alertou João Carlos Santos.

Se “está na hora de encontramos evidências de que as intervenções não farmacológicas têm um impacto muito positivo na vida das pessoas e das comunidades”, como defendeu João Carlos Santos, a rede TRACTION é, certamente, um caminho.

Ricardo Ferreira

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