“O Inspetor-Geral determinou a abertura de um processo de inspeção à prestação de cuidados de saúde na entidade ‘O Lar do Comércio’”, indicou aquela entidade, em resposta escrita à Lusa, acrescentando que a mesma será articulada com o Instituto de Segurança Social (ISS).
A decisão surge na sequência do pedido de esclarecimento remetido, em maio, pela Lusa, em face de novas e continuadas denúncias de maus-tratos e negligência naquela estrutura residencial liderada por António Bessa desde 2021, e cuja atuação levou o Ministério Público a ordenar a abertura de vários inquéritos.
Em resposta à Lusa, a IGAS esclarece não ter, até aquele momento, conhecimento de outras denúncias para além da que lhe foi remetida em maio de 2018 “pela filha de uma utente” e cuja exposição, denunciando “maus-tratos e negligência médica à sua mãe”, era uma cópia da que tinha sido enviada ao ISS.
Por entender estar perante um pedido de pronúncia à queixa apresentada junto do ISS e não uma denúncia, a então Inspetora-geral determinou o arquivamento, não havendo lugar à intervenção da IGAS.
O mesmo documento voltou a dar entrada na IGAS, através de “um ofício do Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde”, tendo a decisão de arquivamento se mantido, “uma vez que a queixa estava a ser apresentada ao órgão de gestão do ISS, I.P., que detém competências de fiscalização”.
“Desde então, a IGAS não tem conhecimento de outras denúncias”, esclarece.
Em fevereiro, utentes e funcionários denunciaram que utentes do Lar do Comércio, com lugar vitalício, estavam a abandonar, perante ausência de condições, a instituição, apelidada por alguns funcionários de “casa fantasma” e onde, disseram, se está “a morrer aos bocados por falta de cuidados”.
Sócios, utentes e funcionários descreveram, à Lusa, um cenário em tudo idêntico ao que as autoridades de saúde encontraram em 2020, ano em que morreram, segundo números oficiais, 24 utentes de covid-19 e em que até o Exército teve de intervir.
Reiteravam que nada mudou e disseram não entender a razão pela qual as autoridades não intervêm, denunciando que há utentes com lesões, alguns de vários anos que precisavam de outros cuidados, outros que se queixam de ter assaduras causadas por horas com fraldas sujas e alguns a quem se esqueceram de dar o jantar ou a medicação. Relataram ainda que as refeições são de má qualidade e em quantidade insuficiente.
Confrontado então com estas acusações, o Lar do Comércio assegurou serem “falsas e execráveis ultrajes” as acusações de maus-tratos, dizendo tomar todas as medidas para assegurar que “os utentes são bem tratados”.
Estas denúncias chegaram também ao conhecimento da Câmara de Matosinhos, que recebeu 38 queixas desde 2020, e à PSP, que remeteram as mesmas para o Ministério Público que tem vários inquéritos abertos, entre eles, um que tem por base uma denúncia anónima que chegou à Segurança Social e que investiga a atuação da atual direção da estrutura residencial para idosos.
Em março, a Segurança Social garantiu à Lusa que faz acompanhamento técnico de continuidade ao Lar do Comércio, adiantando que, desde 2020, foram realizadas 58 visitas e uma ação inspetiva.
Desde janeiro de 2021 que o Lar do Comércio, é liderado por António Bessa que, à data da sua tomada de posse, afirmou ser sua intenção “restituir dignidade” àquela instituição de Matosinhos, que, juntamente com o antigo presidente da direção e a ex-diretora de serviços, responde por 67 crimes de maus-tratos, 17 agravados pelo resultado morte, por situações ocorridas entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020.
Na terça-feira, à margem do início do julgamento onde sócios tentam travar a venda de património, avaliado em seis milhões de euros, António Bessa admitiu ser real a possibilidade de “entregar” instituição a 31 de agosto devido a dificuldades financeiras, lamentado os “engulhos” que a instituição tem enfrentado, referindo-se aos vários processos judiciais.
LUSA/HN
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