A pergunta para o coordenador da SPMS, Pedro Marques, foi clara: daqui a dois anos, quando acabar o PRR, os doentes, os médicos, os cuidadores, onde quer que estejam, vão ter acesso aos dados, ao percurso de saúde, nas diversas interações? “Esta questão é que é importante definir. (…) A visão da saúde é que determina as funcionalidades que vão ser arranjadas – e, até ao momento, não tem acontecido isso.”
“Faremos tudo para estar melhor do que estamos agora”, garantiu Pedro Marques ao médico de família e diretor executivo do Agrupamento de Centros de Saúde do Baixo Mondego, José Luís Biscaia.
Esta terça-feira, todos concordaram que é essencial que os profissionais tenham acesso ao histórico do utente, mas Portugal só o conseguirá se tiver os dados centralizados, frisou Pedro Marques, licenciado em Gestão de Sistemas de Informação. O primeiro desafio é, portanto, criar um repositório de dados de saúde – um dos projetos ao abrigo do PRR. “O mais essencial para que se consiga fazer a inteligência artificial com qualidade na saúde” são “os dados”, e “precisamos de os dotar de uma maior qualidade”, explicou o especialista.
Miguel Abreu, oncologista do IPO do Porto e presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, sublinhou que “não podemos pensar em nenhuma política de saúde para o país se não conhecermos o que se passa na nossa realidade”. Ter dados de qualidade que espelhem a realidade portuguesa “é necessário”. Lamentavelmente, “ninguém sabe quantos são os sobreviventes de cancro em Portugal, por exemplo”.
O oncologista referiu ainda que Portugal tem dificuldade em focar-se no essencial e que falta organização – importante “porque, efetivamente, não somos um país rico”. Há “uma tentativa de olhar para o futuro que falha continuamente nas nossas políticas de saúde”, há “uma disparidade de sistemas que não são compatíveis entre si”, “vários sistemas dentro de vários sistemas” que “falham constantemente”, “criam demoras na consulta” e “perturbam a relação médico-doente”.
Biscaia reconhece que os avanços foram “imensos”, mas, “do ponto de vista funcional, está mal digitalizado”. “O equívoco que tem havido de confundir este registo de saúde eletrónico, que é uma plataforma integradora, com a obrigatoriedade de todos nós utilizarmos o mesmo ‘carro’, a mesma aplicação, é tenebroso, porque nos tem tornado reféns de uma aplicação que é o SClínico, que é o vigente, que é o público, que tem as limitações naturais da idade – tem mais de 20 anos. É uma estrutura obsoleta”, acrescentou. O colega, Miguel Abreu, considera que, “se calhar, era muito mais simples atualizar o SClínico, que tem anos”, do que ter “cinco ou seis diferentes”.
Ana Escoval, professora da Escola Nacional de Saúde Pública e membro da direção da APDH, e Marina Caldas, da FDC Consulting e moderadora do debate, questionaram os convidados sobre o modelo ULS.
“Eu creio que se poderia aproveitar este período de criação de novas ULS para que se pensasse um sistema integrado, mas admito e sei perfeitamente que isso traz inúmeros desafios tecnológicos e que nós, provavelmente, não estaremos preparados para dar esse salto”, respondeu Pedro Marques.
José Luís Biscaia reagiu com ceticismo: “Esta questão das ULS é um faz de conta”; “não está definido qual é o caminho”.
Para o médico de MGF, é preciso uma visão estratégica que seja um compromisso público e partilhado, uma liderança multiprofissional – com os profissionais de saúde na primeira linha e com rosto –, um plano de gestão da mudança e um plano operacional de transparência e gestão de contas.
A SPMS “podia dar maior visibilidade a tudo o que está a ser feito”, “para ficarmos mais tranquilos”, sugeriu Ana Escoval.
HN/RA
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