Pedro Marques (SPMS): É preciso dotar o Sistema Nacional de Saúde, de um registo clínico único

08/02/2023
O fundo de investimento inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é essencial para alavancar a evolução digital num curto espaço de tempo e, simultaneamente, proporcionar oportunidades únicas, seja na prestação de cuidados, seja para aumentar a eficiência dos processos.

No âmbito do PRR, os SPMS vão investir 300 M€ na transição digital da Saúde e que vão mudar a Saúde em Portugal. São mais de 120 projetos, com ações assentes em quatro pilares: Infraestruturas; Sistemas de Informação para o Cidadão; Sistemas de Informação para os Profissionais; e Dados em Saúde. Quem o diz é Pedro Marques, Coordenador da Unidade Advanced Analytics & Intelligence, dos SPMS, em entrevista exclusiva ao Healthnews. Um dos projetos previstos no PRR é a criação de um repositório de dados de saúde (imagens, texto, vídeo, entre outros) construído de forma transversal entre os sectores, público e privado, que nos permita, dinamizar, entre outras áreas, a da inteligência artificial. E garante: “A inteligência artificial (IA) e todas as suas mais- valias são uma das grandes ferramentas que podem ser usadas na prevenção de doenças

 

 

Healthnews (HN) – A digitalização no setor da saúde, iniciada na década de oitenta do século passado é ainda algo por concretizar em pleno no setor da saúde. Quais os principais avanços nesta área e o que é ainda prioritário alcançar?

Pedro Marques (PM) – Nos últimos anos, temos avançado muito. E a pandemia veio acelerar a digitalização na saúde. Aprendemos bastante e aproveitamos agora as lições que recebemos, sendo uma delas a de assegurar que a transformação digital serve as pessoas e melhora o acesso aos cuidados de saúde, traduzindo-se numa solução sustentável na relação entre o Serviço Nacional de Saúde e o cidadão. Muito do que aprendemos e desenvolvemos é utilizado nesta era pós-pandemia.

HN – Como é que a Pandemia impactou a transição digital na Saúde?

PM – O SNS 24 é um dos melhores exemplos do que foi feito durante a pandemia, através da sua reformulação tecnológica e de processos, para responder à procura sem precedentes. Reduziu milhares de idas desnecessárias às urgências. Deu respostas que não existiam, como a emissão de declarações de isolamento profilático, a prescrição de testes, o atendimento automático total (através de BOT) para contactos próximos e assintomáticos.

Através do desenvolvimento de sistemas de informação, como o BI-SINAVE ou o Trace COVID-19, ferramenta que permitiu o registo e a gestão das vigilâncias dos casos suspeitos de doença, pelos médicos, assegurando a deteção precoce de situações de agravamento.

O Certificado Digital COVID da UE foi outro projeto inovador e desafiante, no qual a SPMS contou com a colaboração da Direção-Geral da Saúde e da Imprensa Nacional Casa da Moeda.

A maximização da telessaúde, nomeadamente com a generalização da teleconsulta, através da plataforma de telessaúde do SNS, desenvolvida pela SPMS, que demonstrou as suas utilidades e potencialidades.

No que toca à vacinação, a plataforma VACINAS, o Portal do Autoagendamento online e a convocatória por SMS foram fundamentais na aceleração do processo. São medidas que podem ser replicadas noutros contextos e, atualmente, são utilizadas na atividade diária.

HN – Qual o potencial da app SNS 24?

PM – Com cerca de 9 milhões de downloads, esta aplicação permite aceder a um vasto conjunto de informações e serviços digitais de saúde, nomeadamente consultar o boletim de vacinas, receitas, agenda de saúde, resultados de exames, várias declarações, realizar teleconsulta, pedir autodeclaração de doença e, mais recentemente, aceder ao cartão de dador de sangue, entre outros serviços. Tem sido das aplicações mais descarregadas no país, na categoria saúde, sendo um exemplo na acessibilidade a serviços digitais em formato mobile, com um forte reconhecimento pelo seu carácter inovador. Foi distinguida com alguns prémios.

HN – A desmaterialização das receitas médicas e requisições eletrónicas de MCDT são um bom exemplo do trabalho realizado. Contudo, algo tão essencial – na opinião da maioria – como a correlação de dados dos doentes (abrangendo público e privado) ainda continua por concretizar. Como se explica este quase vazio em termos de concretização?

PM – A partilha autorizada de dados em Saúde é, de facto, crucial. Temos avançado muito e estamos a trabalhar para atingir metas muito ambiciosas. As receitas sem papel, as requisições eletrónicas e a disponibilização de resultados de exames de saúde digitalizados são excelentes exemplos dos avanços da desmaterialização da saúde, com ganhos elevados, quer para utentes, quer para profissionais de saúde, com partilha de dados entre os setores público e privado.

A saúde pública pode ser dramaticamente transformada através dos dados. Todos os países necessitam de usar os dados de saúde da sua população para aprender como melhorar o serviço e como oferecer os melhores cuidados aos cidadãos, contribuindo para alcançar um serviço de saúde mais eficiente e mais sustentável financeiramente.

A ideia passa por dotar o país, o Sistema Nacional de Saúde, de um registo clínico único, partilhável e acessível de forma transversal em todos os sectores de saúde nomeadamente público e privado. Só desta forma daremos corpo a um dos grandes anseios dos profissionais de saúde, naquilo que é a prestação direta de cuidados, que passa por conseguirem ter acesso a todo o histórico de informação do utente, independentemente do sector em que for prestado. Acreditamos que este pode ser um marco naquilo que é a saúde em Portugal, sendo um dos projetos mais ambiciosos que temos previsto no PRR da Transição Digital da Saúde e estamos a fazer todos os esforços para que o consigamos efetivar.

HN – Quais as oportunidades que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) pode aportar ao processo de Digitalização da saúde? Já há projetos candidatos? Quais as áreas prioritárias?

PM – O fundo de investimento inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é essencial para alavancar a evolução digital num curto espaço de tempo e, simultaneamente, proporcionar oportunidades únicas, seja na prestação de cuidados, seja para aumentar a eficiência dos processos.

O PRR é um programa de âmbito nacional, com execução até 2026, que vai implementar um conjunto de reformas e de investimentos destinados a impulsionar o país. O investimento levado a cabo pela SPMS, no valor de 300 M€, enquadra-se na transição digital da Saúde e vai mudar, de facto, a Saúde em Portugal. São mais de 120 projetos, com ações assentes em quatro pilares: Infraestruturas; Sistemas de Informação para o Cidadão; Sistemas de Informação para os Profissionais; e Dados em Saúde.

A necessidade de sistemas mais eficientes levou à criação de novas plataformas, novos canais de acesso e ferramentas. Por exemplo, o desenvolvimento de sistemas de informação para o cidadão, através do modelo omnicanal de acesso do SNS 24, tem assegurado a prestação de cuidados de qualidade, integrada e com proximidade, através da linha SNS 24, dos canais digitais, com a app e o portal, e do canal presencial, com Balcões SNS 24 em entidades fora do SNS.

HN – A modernização das infraestruturas e dos sistemas de informação usados pelos profissionais de saúde é uma delas?

PM – Sim. A abordagem digital tem passado por reforçar a infraestrutura tecnológica do SNS e elevar a segurança de informação. O Ministério da Saúde tem vindo a investir na centralização, modernização e robustecimento das infraestruturas e postos de trabalho, uma medida na linha da valorização dos cuidados de saúde e da adequação das respostas do SNS às necessidades, quer dos profissionais, quer dos utentes.

HN – Recorrente é a questão da proteção de dados. De que forma a transição digital pode afetar a segurança e privacidade dos dados dos pacientes?

PM – A transição digital é o elemento facilitador de uma saúde baseada em dados e informação, interoperabilidade dos sistemas e serviços que podem ser usados pelos cidadãos, de forma rápida e à medida das suas necessidades. Quando os serviços de saúde têm acesso a dados atualizados do paciente, podem oferecer tratamento mais personalizado, com mais qualidade e segurança.

Por outro lado, os cidadãos com acesso a todo o seu historial de saúde conseguem ter a noção de como a sua saúde está a evoluir ao longo do tempo. Pessoas com maior literacia em saúde conseguirão, deste modo, adaptar o seu estilo de vida mais facilmente, o que terá um impacto positivo na sua qualidade de vida. Além disso, terão melhor interação com os serviços de saúde e os seus profissionais.

A proteção de dados e a segurança da informação são essenciais, por isso, as infraestruturas são um dos pilares do PRR. Estamos a tomar as melhores decisões e a adotar as medidas mais eficazes para proteger os interesses dos cidadãos.

HN – Que tecnologias têm impulsionado a transição digital no setor da saúde?

PM – A realidade da tecnologia que nos trouxe a App SNS 24 é talvez a maior mudança de paradigma que tivemos nos últimos anos e por isso mesmo cada vez mais queremos concentrar nessa App os serviços mais utilizados pelos cidadãos. Porém, nem só da App se faz a transição digital na saúde, basta pensarmos no avanço tecnológico que foi o agendamento da vacinação pela população, através de um portal web ou inclusivamente ser contactada através de um SMS com o agendamento da mesma. Com o decorrer da pandemia e em tempos muito desafiantes, difíceis e, nem sempre com o tempo necessário para planear o desenvolvimento de sistemas de informação, muitos projetos foram concretizados, que seguramente irão perdurar no tempo e dos quais nos podemos orgulhar.

 

HN – Outro assunto abordado num misto de tabu/avanço tecnológico quando se fala de transição digital da saúde é o da Inteligência Artificial. Como é que a inteligência artificial está a ser aplicada na transição digital do setor da saúde?

PM – A SPMS olha para o tema da inteligência artificial (IA) como sendo um complemento daquilo que é a prática clínica do dia-a-dia e do benefício que se pode retirar dos dados de saúde. Um dos projetos que temos previsto no PRR é a criação de um repositório de dados de saúde (imagens, texto, vídeo, entre outros) construído de forma transversal entre os sectores, público e privado, que nos permita, dinamizar, entre outras áreas, a da inteligência artificial. Este repositório também será a chave-mestra para a utilização secundária de dados que está prevista naquilo que é legislação europeia no que diz respeito ao espaço europeu de dados de saúde.

HN – A digitalização na saúde tem estado focada no mesmo que os profissionais de saúde: diagnóstico e tratamento. Para quando o foco na prevenção? E em que áreas?

PM – A inteligência artificial (IA) e todas as suas mais valias são uma das grandes ferramentas que podem ser usadas na prevenção de doenças. Se é certo que a inteligência artificial apenas se fará com dados de qualidade, também não é menos verdade que através da correlação de informação proveniente de diversos sistemas de informação ou inclusive através da leitura de imagens médicas, p.e, rx-tórax, já existem atualmente muitos algoritmos que nos permitem prevenir e detetar precocemente um conjunto de patologias associadas ao pulmão.

HN – Quais são os exemplos de melhores práticas de transição digital no setor da saúde ao redor do mundo?

PM – A SPMS fomenta relações estreitas com organizações dos sectores público e privado de todo o mundo, exatamente com o objetivo de conhecer e partilhar o que de melhor se faz. Todas as semanas recebemos delegações de dentro e fora da Europa, nas nossas instalações, que vêm ver o que Portugal, através da SPMS, faz e como faz. Sim, estamos na linha da frente. E estamos nessa posição, porque há um consenso generalizado e transversal de que a sustentabilidade do SNS e a melhoria da qualidade de vida dos Portugueses dependem, em grande parte, da transição digital na saúde.

HN – Transição digital e Investigação: qual o potencial?

PM – Na investigação científica, os dados em saúde têm enorme relevância, impactando no desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos e tratamentos para aqueles que deles necessitem. Os dados podem, desta forma, ajudar os centros de investigação científica a desenvolver melhores tratamentos e equipamentos, por exemplo, um novo medicamento para tratamento do cancro, em parceria com uma farmacêutica, ou uma bomba de infusão que entrega uma dose controlada de insulina, de forma contínua, a alguém que está na sua rotina diária, em casa ou no local de trabalho. São muitas oportunidades.

A capacidade de processar grandes volumes de dados e, deste modo, ter acesso em tempo real à informação gerada, permite tomar decisões mais informadas e céleres e obter, quase de imediato, o respetivo feedback. Sabemos que o futuro passa por obter mais dados e pela sua reutilização.

HN – A telemedicina e as consultas virtuais estão de facto a transformar o atendimento médico?

PM – A telessaúde está a mudar o paradigma no atendimento, com benefícios claros para as pessoas, reduzindo barreiras e aproximando o sistema de saúde às pessoas. Foi neste âmbito que já este ano foi criada, e integrada na SPMS, a Unidade Central de Prestação de Cuidados de TeleSaúde (UCeT), estrutura que veio melhorar a coordenação de respostas de saúde à distância, nomeadamente a pessoas mais vulneráveis, através dos canais do SNS 24. A plataforma de telessaúde do SNS, desenvolvida pela SPMS, permite realizar teleconsultas com os cuidados de saúde primários e hospitalares, com elevada qualidade e segurança, sem que o utente tenha de se deslocar, o que representa uma enorme mais-valia para todos.

HN – No que consiste exatamente o projeto “Telemonit SNS24”?

PM – Telemonit SNS 24 possibilita a telemonitorização do estado de saúde dos utentes do SNS em condição de hospitalização domiciliária e com patologias como diabetes, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crónica, entre outras.

O utente pode aceder ao seu plano pessoal de monitorização clínica, proposto pelo profissional de saúde que o acompanha, integrado num programa de telecuidados, registando ele próprio sinais vitais ou outras medições biométricas. Este registo pode ser efetuado de forma automática – através de equipamentos ligados sem fios ao telemóvel do utente – ou de forma manual, e a informação fica disponível para acompanhamento pelo profissional de saúde.

Este sistema permite fazer o acompanhamento clínico no domicílio do doente durante a sua recuperação, evitando o internamento hospitalar desnecessário e aumentando o conforto das pessoas, sem abdicar da segurança. Encontra-se atualmente em fase de alargamento a todas as unidades de hospitalização domiciliária.

HN – Quais os impactos da transição digital no acesso à saúde e nas desigualdades de saúde?

PM – A transição digital não é exclusiva da Saúde. É transversal a todas as áreas da Administração Pública, com a finalidade de facilitar, combater desigualdades e melhorar o acesso a um conjunto de serviços essenciais para as pessoas. Por isso, é fundamental avançarmos juntos.

A transição digital é, antes de mais, uma arma poderosa no combate à desigualdade, pois melhora o acesso e reforça a qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos. Deste modo, exerce um impacto significativo em todas as áreas de atividade e contribui para o desenvolvimento do país e para a melhoria do bem-estar global.

 

1 Comment

  1. Meireles-Brandao, MD, PhD, ESH

    Registo clínico único obrigatório quando as condições de acesso a prestação de cuidados de saúde seja universal a todos os setores da atividade Médica. Só e quando garantidas todas as condições de acesso como possibilidade universal de requisição Médica de EADs independentemente de público, privado ou social e, desde que seja implementado um registo criterioso obrigatório do acesso electrónico às informações clínicas do Doente sempre e só com autorização expressa do Doente para proteção dos seus dados e para eventuais responsabilidades no uso e abuso relativamente as informações disponibilizadas.

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