Joaquim Cerejeira: “Let ́s Talk About Children”

08/06/2023
Em entrevista exclusiva ao nosso jornal, Joaquim Cerejeira · Professor Auxiliar de Psiquiatria da Universidade de Coimbra, fala do projeto “Let ́s Talk About Children” (LTC), dirigido a profissionais de saúde – psiquiatras, pedopsiquiatras, médicos de medicina geral e familiar, enfermeiros, psicólogos -, da área da educação, psicólogos e professores, e intervenção social, assistentes sociais, que contactem com crianças e famílias. De acordo com o também Coordenador do Projeto em Portugal, a nova metodologia de intervenção em saúde mental vai disseminar em vários países europeus, incluindo Portugal, uma metodologia originária na Finlândia que demonstrou eficácia robusta na prevenção de problemas de saúde mental e na redução dos custos associados à doença mental em crianças, adultos e famílias

Healthnews (HN) – Qual a relevância da implementação do projeto “Let ́s Talk About Children” em Portugal?

Joaquim Cerejeira (JC) – O nome deste Projeto “Lets Talk About Children” pretende sublinhar um aspeto essencial: proteger e promover a saúde mental das crianças tem um impacto decisivo na saúde de toda a população a longo prazo. Assim, o objetivo primordial deste projeto é promover hoje a saúde mental das crianças e jovens uma vez que isso irá beneficiar os futuros adultos e as gerações seguintes. O Projeto vai disseminar em vários países europeus, incluindo Portugal, uma metodologia originária na Finlândia que demonstrou eficácia robusta na prevenção de problemas de saúde mental e na redução dos custos associados à doença mental em crianças, adultos e famílias. No dia 13 de outubro de 2023 decorrerá o lançamento oficial do projeto em Portugal com o seminário “Vamos falar sobre crianças”, a realizar no Auditório do Hospital Pediátrico do Centro hospitalar e Universitário de Coimbra com a participação de diversos especialistas. O Simpósio é de participação gratuita, mas de inscrição obrigatória Aqui.

HN – É possível fazer uma radiografia dos principais problemas de saúde mental que afetam as crianças?

JC- Os problemas de saúde mental nas crianças e adolescentes têm sido uma preocupação crescente nos últimos anos. Cerca de 25% da população sofre de algum tipo de perturbação mental durante a vida e, em cerca de metade dos casos, o início dos sintomas começa da infância ou adolescência. Na Europa, o suicídio é a segunda causa de morte de crianças/adolescentes e as perturbações depressivas e de ansiedade são estão entre as 5 principais doenças que afetam as crianças e jovens. Os problemas de saúde mental são geradores de fenómenos de exclusão social, o que se reflete na dificuldade sentida pelas crianças/jovens em ter acesso a recursos sociais, económicos e culturais necessários a uma vida saudável. Assim, os problemas de saúde mental nesta faixa etária podem agravar o sentimento de solidão, de isolamento e de falta de integração na sociedade, agravando a própria doença mental.

Adicionalmente, estima-se que, nos países europeus, 1 em cada 3 crianças/jovens com menos de 18 anos tenha um dos progenitores com problemas de saúde mental, o que em Portugal representa pelo menos 600 mil crianças e adolescentes. A recente pandemia Covid-19 e os sucessivos períodos de confinamento vieram agravar a dimensão deste problema, o que é apontado como uma das razões do recente aumento significativo de pedidos de consulta de psiquiatria e pedopsiquiatria em Portugal.

HN – O que diferencia esta metodologia e quais as competências que pretende transmitir aos profissionais envolvidos?

JC- Os treinos de capacitação para a metodologia LTC são dirigidos a profissionais de saúde – psiquiatras, pedopsiquiatras, médicos de medicina geral e familiar, enfermeiros, psicólogos -, da área da educação, psicólogos e professores, e intervenção social, assistentes sociais, que contactem com crianças e famílias. Estes treinos vão potenciar a aquisição de metodologias para que os profissionais possam reconhecer precocemente famílias em situação de vulnerabilidade e, através de intervenções multidisciplinares, promover as competências parentais, o desenvolvimento psicossocial das crianças e a saúde mental de toda a família.

Os treinos de capacitação irão decorrer em duas edições (2023 e 2025) envolvendo um total de 120 profissionais. O programa de capacitação consiste em sessões presenciais, sessões online de acompanhamento e discussão, equivalendo a oito dias de trabalho distribuídos por um período de seis meses. Nas sessões serão abordados conteúdos teóricos sobre a metodologia LTC, que deverão ser implementados pelos profissionais, sendo os casos discutidos nas sessões de acompanhamento online. Os profissionais interessados podem inscrever-se nos treinos de capacitação Aqui.

HN – Quais os objetivos que se pretendem atingir com a implementação do projeto?

JC- Através da metodologia LTC, os diferentes profissionais que contactam com crianças, famílias e adultos em situações de vulnerabilidade irão trabalhar de forma mais integrada, flexível e eficiente. O objetivo é atuar, de forma global, em vários determinantes de saúde e de doença mental identificados nas famílias.

Para além de ser importante dar respostas eficazes e especializadas em saúde aos vários elementos da família (por exemplo, consultas de Pedopsiquiatria, Psicologia e Psiquiatria) é também fundamental atuar noutros fatores que influenciam a saúde mental (por exemplo: condições de habitabilidade precárias, carência económica e dificuldades de integração social). Espera-se que esta abordagem multifatorial conduza a uma modificação gradual e sistémica no modo de atuação dos profissionais e das próprias instituições para que, em articulação próxima, consigam dar respostas cada vez mais eficazes aos desafios presentes e futuros.

HN – A saúde mental das crianças é uma temática pouco valorizada no nosso país?

JC- Dar prioridade à promoção da saúde mental nas crianças e nos jovens é uma responsabilidade de todos nós. As crianças que têm boa saúde mental terão maior probabilidade de, ao longo da vida, construir a sua identidade, para tomar as suas decisões e para interagir com as outras pessoas de forma saudável e feliz. A pandemia Covid-19, que criou uma situação generalizada de sofrimento emocional, especialmente devido às restrições de contacto com outras pessoas, veio mostrar a todos que ninguém está a salvo de sofrer problemas de saúde mental.

Já antes da pandemia os problemas de saúde mental nas crianças e nos jovens eram bem conhecidos. Apesar dos esforços feitos nos últimos anos para melhorar o acesso aos serviços de saúde mental em Portugal, as respostas continuam a ser limitadas e insuficientes, tal como acontece na generalidade dos países europeus. E, apesar dos investimentos planeados para a área da saúde mental nos próximos anos, não é provável que os serviços de saúde consigam, por si só, dar resposta ao crescente número de referenciações se não houver uma estratégia consistente e eficaz que previna o desenvolvimento de problemas de saúde mental. Da mesma forma que a doença mental tem um impacto negativo nas gerações futuras, as experiências positivas durante os primeiros anos de vida também podem ter um impacto multigeracional. As crianças apresentam comportamentos mais positivos e melhor regulação emocional quando os seus pais relatam um passado de bem-estar emocional quando eram crianças ou adolescentes. Existe portanto uma janela de oportunidade para alterar o curso natural dos problemas de saúde mental nas famílias e isso terá um enorme impacto na sociedade.

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