Vitor Neves: “O Ministério e a Direção Executiva têm de reorganizar e planear o rastreio do cancro do intestino”

10/16/2023
Em Portugal, o cancro do intestino mata 12 pessoas por dia e todos os anos são diagnosticados mais de onze mil casos. Atendendo a esta realidade, o Presidente Executivo da Associação de Apoio a Doentes com Cancro Digestivo (Europacolon Portugal) lamentou a falta de rastreio. Em entrevista ao HealthNews, Vitor Neves defendeu uma maior atenção por parte das autoridades de saúde. Mas enquanto tal não acontece, a Europacolon arregaçou as mangas para dar início ao projeto “+INTESTINO”.

HealthNews (HN)- A Europacolon Portugal foi escolhida para implementar um projeto piloto que visa aumentar o conhecimento sobre o cancro do intestino. Qual a importância do projeto + intestino?

Vitor Neves (VN)- O cancro do intestino na Europa e no mundo é bastante prevalente, sobretudo, nas pessoas com mais de cinquenta anos. Existe um rastreio e que tem tido muitas vantagens, pois tem permitido um diagnóstico atempado e precoce. O cancro do intestino demora cerca de seis ou oito anos a progredir e quando não há sinais e sintomas, através da pesquisa de sangue oculto nas fezes ou da colonoscopia, podemos obter o diagnóstico da doença. Se este rastreio fosse feito em Portugal iríamos impedir que mais de quatro mil pessoas morressem todos os anos. Portanto, esta realidade torna o nosso projeto tão importante.

HN- Esta iniciativa assenta sobretudo na população negra, porquê?
VN- Estudos feitos em países com a Inglaterra e os Estados Unidos da América apontam que a população de descendência africana tem maior probabilidade de desenvolver a doença e com sequelas mais graves (de acordo com a American Cancer Society os afro-americanos têm cerca de 20% mais probabilidade de desenvolver cancro colorretal e, cerca de 40%, mais probabilidade de morrer). O grau de literacia deste grupo de pessoas é, normalmente, mais baixo. Ou seja, o tipo de conhecimento sobre este tipo de doenças é menor, assim como a aproximação aos cuidados de saúde.

Fizemos um estudo nalgumas zonas da região de Lisboa e percebemos que há um profundo desconhecimento sobre os sintomas e exames de diagnóstico que são realizados para detetar o cancro do intestino. Por outro lado, verificamos que a prática de exercício físico por parte deste grupo era bastante reduzida, assim como o consumo de alimentos saudáveis.

HN- Portanto, qual a metodologia e os principais objetivos que diferenciam este projeto?
VN- O projeto “+INTESTINO” vai ser realizado em várias zonas de Lisboa, uma vez que é a área onde está concentrado o maior número de pessoas negras. Através de uma Unidade Móvel irão ser feitos convites direcionados a estas pessoas para que façam o rastreio. Portanto, irá ser entregue um kit para que recolham as fezes em casa e posteriormente sejam encaminhadas para os laboratórios. Trata-se de uma iniciativa totalmente gratuita.
No fundo, o que este projeto visa confirmar é se para este grupo  de pessoas é preciso adotar atitudes e medidas diferentes de comunicação.

HN- Apesar de ser uma patologia muito comum e com elevada taxa de mortalidade ainda há um profundo desconhecimento sobre os principais sintomas e os fatores de risco. Como podemos prevenir a doença e saber identificar os primeiros sinais?
VN- É muito simples. As pessoas com idades entre os 50 e os 74 anos devem realizar o rastreio do cancro do intestino. Mesmo que a pessoa não tenha qualquer sintoma sugestivo da doença.
Antes dos cinquenta anos, se a pessoa tiver alguns sintomas (como aparecimento do sangue nas fezes, emagrecimento, cansaço) também deve pedir ao seu médico de família a prescrição do rastreio. O mesmo se aplica para pessoas com histórico da doença na família. Cerca de cinco a dez por cento dos casos são de origem genética.
Por outro lado, é muito importante que as pessoas saibam que os hábitos tabágicos, o consumo de álcool, a ausência de uma alimentação saudável e da prática de exercício físico são fatores que podem despoletar o desenvolvimento deste tipo de doenças. O cancro digestivo é uma das doenças mais graves e que origina mais mortes em Portugal. Portanto, é muito importante que as pessoas conheçam estes fatores de risco.

HN- Em Portugal, o cancro do intestino mata 12 pessoas por dia e todos os anos são diagnosticados mais de onze mil casos. Quais as barreiras que identifica no acesso aos cuidados de saúde e ao rastreio?
VN- Em pleno 2023 continua a não haver um rastreio nacional ao cancro do intestino. Temos ouvido falar que na região do Norte este rastreio está a ser feito, mas o que importa frisar é que o rastreio só acaba quando o diagnóstico é concretizado e o acompanhamento na especialidade clínica é assegurado, quando os testes positivos têm colonoscopia de confirmação e despiste. Portanto, entendemos que o Ministério da Saúde e a Direção Executiva têm de reorganizar e planear o rastreio do cancro do intestino em Portugal. Este rastreio tem de ser feito da mesma forma de Norte e Sul do país e não é isso que está a acontecer. Atualmente, cada Administração Regional de Saúde faz o rastreio à sua forma e sabemos que, neste momento, há uma dificuldade enorme para dar seguimento às colonoscopias de pessoas com teste positivo.
A falta de médicos de família também terá de ser resolvida. Os cuidados de saúde primários garantem o aumento da qualidade de vida e os índices de saúde.

HN- A propósito do rastreio. Em que momento deve ser feita a colonoscopia?
VN- A colonoscopia deve ser feita por todas as pessoas que apresentem algum daqueles sintomas que mencionei acima (alteração dos hábitos intestinais; perda de sangue através do ânus; sensação de que o intestino não esvazia completamente; dor intensa; desconforto abdominal e/ou cansaço sem explicação aparente). Por outro lado, as pessoas com resultado positivo na pesquisa de sangue oculto nas fezes também devem obrigatoriamente fazer uma colonoscopia nas três semanas seguintes.

HN- Ainda existe por parte da população algum medo em realizar este tipo de exame…
VN- O cancro do intestino não é um assunto interessante para os meios de comunicação. Isso faz com que muitos receios associados a este tipo de exames persistam. O medo da perfuração é algo que não deve aparecer, uma vez que já está contemplado pela anestesia e pela visão que o especialista tem do interior do intestino. É importante que as pessoas saibam que em caso de serem detetados pólipos na colonoscopia, estes podem ser retirados imediatamente, sem que seja necessária nenhuma outra intervenção.
A preparação, que muitas pessoas dizem ser “horrível”, também foi ultrapassada. Hoje em dia, há produtos novos que têm quantidades muito mais reduzidas quando comparados com os que eram usados antigamente. O gosto destes produtos também já não é desagradável. E mesmo para as pessoas que consideram tudo isto um “incómodo”, este exame é um “incómodo” que é muito mais leve do que ter um cancro do intestino – as pessoas são obrigadas a fazer colonoscopia, cirurgias, quimioterapias e radioterapias!

HN- Uma nota final
VN- O projeto “+INTESTINO” visa reforçar a vantagem da prevenção e do diagnóstico precoce deste tipo de doenças oncológicas. Também queremos confirmar se a população negra tem igual acesso aos cuidados de saúde, quando comparado com a população branca.
O projeto será, em princípio, replicado em Itália e na Alemanha. No fundo, a nossa iniciativa é um investimento da Europacolon Portugal para fazer ver a toda a população que a vida importa, seja qual for a nossa cor de pele. Todos temos direito a ter acesso aos melhores cuidados de saúde!

Entrevista de Vaishaly Camões

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