Estudo: Custo despendido pelo Estado por doente com diálise desceu 21% em 10 anos

24 de Outubro 2023

O custo despendido pelo Estado por cada doente em diálise decresceu, em termos reais, 21% entre 2010 e 2021 (27.218 euros anuais contra 21.420 euros anuais), um cenário que contrasta com o aumento de 40% do número de pessoas em diálise e com o crescimento de 22% da despesa total per capita em saúde.

Esta é uma das principais conclusões do estudo ‘Hemodialysis financing models: is there a sustainable financing model in Portugal?’, desenvolvido pelo NOVA Center for Global Health Lab, centro de investigação da NOVA Information Management School (NOVA IMS), e que tem como objetivo analisar o atual modelo de financiamento da hemodiálise em Portugal, com o intuito de propor caminhos para um futuro modelo que seja sustentável financeiramente e que privilegie a inovação terapêutica para as pessoas com doença renal crónica.

De acordo com este trabalho de investigação, apoiado pela CSL Vifor, o modelo de financiamento da hemodiálise vigente em Portugal, também conhecido por preço compreensivo, registou igualmente uma redução, em termos reais, de 27% no preço semanal gasto pelo Estado em hemodiálise, situando-se no último ano nos 377,54 euros semanais. Contudo, o estudo demonstra que esta quebra no financiamento do tratamento da doença renal crónica não acompanha nem o crescimento do número de doentes em hemodiálise, nem o aumento nos custos devido à inflação.

A doença renal crónica é uma insuficiência de órgão associada ao processo de envelhecimento e a doenças não transmissíveis como a diabetes e a hipertensão. Quando esta patologia progride para o estágio final, pode ser necessário recorrer à diálise ou a um transplante de rim. Em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde cobre integralmente o tratamento da doença renal crónica terminal através de diálise ou de transplante de rim, com custos estimados superiores aos das terapêuticas para o cancro e a diabetes, ou seja, 140 milhões de euros por ano.

De acordo com o que a equipa de investigadores da NOVA IMS aferiu, existem vários fatores que têm contribuído para a subida da prevalência da Doença Renal Crónica, entre os quais se destaca o aumento da longevidade da população em geral, resultado das melhorias socioeconómicas e de saúde. A maior esperança de vida associa-se à maior sobrevida de doentes com patologias cardiovasculares e neoplásicas e simultaneamente ao incremento da prevalência de fatores de risco como a diabetes ou a hipertensão.

Já em relação à subida da despesa associada à hemodiálise – e agravada pela escalada da inflação – o estudo revela uma realidade polarizada: por um lado, tem-se vindo a registar ao longo dos anos um crescimento dos custos associados a salários, introdução de inovação terapêutica, instalações, entre outros fatores; em contraparte, o orçamento estipulado pelo Serviço Nacional de Saúde para o preço compreensivo – em que os prestadores privados recebem, em adiantado, um valor per capita pré-determinado para cobrir os serviços prestados durante uma janela temporal definida – é cada vez menor, dificultando a acomodação de custos cada vez mais significativos.

Sobre o atual modelo, Eduardo Costa, economista da saúde, e um dos autores deste estudo, comenta: “No caso português, em 2008, foi feita uma reforma no sistema de pagamento para a hemodiálise, com a transição de um modelo de pagamento por serviço para um pagamento agrupado prospetivo, com uma dimensão de pagamento por desempenho, visando melhorar a gestão dos cuidados de diálise.” Desde a introdução deste modelo, refere, “a pressão financeira dos prestadores tem aumentado devido às reduções no valor base, juntamente com aumentos de custos em vários componentes incluídos no pacote.”

Já Ana Farinha, médica nefrologista, membro da Sociedade Portuguesa de Nefrologia e também autora deste estudo, refere que “a hemodiálise é a forma predominante de diálise em Portugal e tem sido disponibilizada principalmente por entidades privadas, através de um acordo contratual com o Serviço Nacional de Saúde, que surgiu como consequência da falta de capacidade de resposta às necessidades de um número crescente de doentes que necessitam de terapêutica de substituição da função renal. Não ter a ambição de alterar os atuais moldes de financiamento de diálise em Portugal, mais do que uma sentença à sustentabilidade do sistema de saúde, será um derradeiro obstáculo ao acesso dos doentes às melhores opções e condições de tratamento”.

O futuro: recomendações para um modelo sustentável

O desenvolvimento do estudo ‘Hemodialysis financing models: is there a sustainable financing model in Portugal?’ da NOVA Center for Global Health Lab serviu ainda para delinear um conjunto de recomendações – fundamentadas pela análise comparativa dos modelos financeiros em vigor noutros países – que visam melhorar a qualidade, eficiência e sustentabilidade do sistema de gestão da doença renal crónica em Portugal, garantindo que os doentes tenham acesso a cuidados de alta qualidade e a inovações terapêuticas quando necessário. Os autores focaram-se em três dimensões:

Composição do preço compreensivo – Atualmente, o sistema de valor base é estático e não reage às mudanças nos custos da prestação de diálise. Para combater esta realidade, deve ser considerada a inclusão de um mecanismo de ajuste no valor base que reflita as mudanças nas principais componentes de custo, como recursos humanos, medicamentos e consumíveis, bem como nas condições macroeconómicas, como a inflação, assegurando que o modelo seja mais sensível às flutuações de custo ao longo do tempo. Outro ponto relevante será o ajuste de preço tendo em conta as novas tecnologias inovadoras e onerosas, caso os decisores políticos considerem que estas devam ser utilizadas por prestadores privados – a alternativa seria a exclusão de medicamentos, assim como dos salários dos médicos, do algoritmo de cálculo do preço compreensivo.

Abrangência do preço compreensivo – Em segundo lugar, é sugerida a revisão do atual modelo de financiamento para incluir serviços adicionais no sentido de reforçar a abordagem integrada, com foco na prevenção – nomeadamente ao nível dos cuidados pré-diálise – o que implicará, consequentemente, a uma otimização da flexibilidade do modelo em lidar com terapêuticas individualizadas e múltiplas jornadas de cuidados. Para além disso, importa rever a necessidade de incorporar uma abordagem de continuidade nos cuidados prestados, bem como de outras modalidades, como o tratamento médico conservador da doença renal crónica.

Tecnologia e inovação – Por fim, os autores referem a necessidade de uma melhoria efetiva na gestão de dados, não só nos registos da doença renal crónica terminal, mas também dos estádios mais precoces da doença. Sugere-se ainda o desenvolvimento e inclusão de ferramentas para monitorizar e abordar os resultados reportados por doentes. Sem uma melhoria na forma como são recolhidos e geridos os registos dos doentes, a verdadeira integração de cuidados não será possível.

PR/HN

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