CPLP e TeleSaúde no Congresso Mundial dos Hospitais: “É o nosso caminho comum, com a nossa língua, com a nossa cultura”

26 de Outubro 2023

A telessaúde foi o tema que juntou Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Brasil, esta quinta-feira, na sessão do Congresso Mundial dos Hospitais onde só se falou português.

Fernando Almeia, Presidente do INSA, foi comentador da sessão “A TeleSaúde como promotor de acesso a cuidados de saúde na CPLP”, juntamente com Luiz Ary Messina, Coordenador Nacional da Rede Universitária de Telemedicina, no Brasil; mas também conversou com o HealthNews sobre as suas considerações finais, tendo começado por destacar o “entusiasmo e a motivação com que estes profissionais estão todos a falar não só dos seus projetos, mas daquilo que é a potencialidade destes projetos”.

“Em segundo lugar, uma chamada de atenção que em todos estes projetos Portugal está permanentemente associado. Isto é uma chamada de atenção para as entidades, nomeadamente os Negócios Estrangeiros, o Ministério da Saúde, a Economia e outras estruturas, para perceberem a importância fundamental e estratégica que Portugal tem” na Comunidade de Países de Língua Portuguesa, sublinhou.

Por outro lado, é possível, com o recurso à telemedicina, reduzir custos: “As potencialidades que isto dá em termos de poupança de custos efetivos, custos sociais, custos familiares, das pessoas que estão deslocadas, a manutenção das pessoas cá, é de uma importância fundamental. É o futuro”.

Fernando Almeia apreciou “a sensibilidade que este congresso teve em proporcionar uma sessão em português e destinada à CPLP” – “em boa hora o fizeram porque muitos dos administradores hospitalares que aqui estão já ouviram falar e desta vez encontraram aquilo que é a realidade”.

A conversa terminou com uma questão levantada pelo Presidente do INSA: “Porque é que têm que vir sempre as pessoas cá fazer formação e médicos portugueses, profissionais de saúde, enfermeiros, técnicos de análises clínicas ou outros técnicos não vão a outros países aprender sobre algum tipo de patologia que não existe em Portugal, e que é fundamental porque hoje em dia as migrações estão aí, as deslocações estão aí.”

Fortunato Silva, especialista em cuidados intensivos e Chefe do Departamento de Pós-graduação e Investigação Científica do Hospital Central do Lubango, em Angola, também participou e, posteriormente, falou ao HealthNews. “Eu falei sobretudo da nossa experiência no uso da telemedicina”, abordando “três projetos fundamentais em desenvolvimento na Huíla”, partilhou com aos nossos leitores. “Um deles é o registo de câncer de base populacional, que usa uma plataforma regional e permite, por exemplo, que o caso do doente que é atendido no Hospital Central de Lubango, depois do seu diagnóstico e estadiamento, seja discutido com médicos não só de Lubango, mas médicos no Porto, médicos na Austrália… Portanto, faz-se uma discussão, estabelece-se o diagnóstico definitivo, em função dos dados clínicos do doente, e também se sugere o tratamento. Se não for possível o tratamento local, o doente é referenciado para o Instituto Angolano de Controlo do Câncer”, explicou Fortunato Silva.

O segundo exemplo é o recurso à telemedicina para combater o cancro em albinos. “Os portadores de albinos são uma população vulnerável ao cancro da pele por causa da exposição solar, porque não têm melanina. O hospital desenvolve, já há dez anos, um registo de portadores de albinismo e neste momento temos cerca de 798 albinos registados, e todos seguidos regularmente com dermatoscopia, com mapeamento corporal das lesões. Conseguimos, assim, fazer a prevenção do cancro da pele em albinos”, contou Fortunato Silva. “É um projeto que tem perspetivas de financiamento com a Gulbenkian.”

Em 2024 começa o terceiro projeto apresentado hoje no Centros de Congressos de Lisboa, “que é o projeto de extensão da saúde a nível dos municípios, que vai envolver o Rotary Club, uma organização filantrópica internacional, que vai fornecer ao governo da Huíla (…) um autocarro com todas as condições, com cadeira de estomatologista, com marquesas, com autonomia para consultas de oftalmologia”. “Nós vamos desenvolver este projeto também com recurso a telemedicina porque vamos às comunidades e o especialista está no hospital. Depois do rastreio, por exemplo de doenças crónicas, diabetes e hipertensão arterial, nós fazemos via teleconsulta a consulta do doente, síncrona, entre o doente e o especialista no hospital central”, esclareceu o especialista.

Em Angola, a Rede Nacional de Telemedicina está estabelecida desde 2018. “Envolve neste momento cinco a seis províncias, mas é meta do governo, segundo a Estratégia de Desenvolvimento de Longa Prazo 2025, a instalação de uma unidade móvel de telemedicina em todas as províncias do país.” “Nesta fase de transição epidemiológica e populacional”, em que “começa a haver maior longevidade”, “as doenças crónicas poderão ter melhor seguimento por especialistas à distância, desde o local onde o doente estiver”. “Um maior acesso da população aos cuidados de saúde, promovido pela telemedicina, é uma vantagem enorme, no sentido de melhoria de assistência e dos indicadores sanitários do país. Portanto, a telemedicina tem o seu papel na equidade, no acesso aos cuidados de saúde, para além da formação dos profissionais à distância”, defendeu Fortunato Silva.

Também depois da sessão, o HealthNews voltou a ouvir Paulo Freitas, Presidente do Conselho de Administração do Instituto Marquês de Valle Flôr, que mostrou o progresso em São Tomé e Príncipe.

O Instituto Marquês de Valle Flôr é uma ONG que trabalha em oito países, com projetos em áreas como a saúde, educação e infraestruturas. “É o Instituto que assegura, com o apoio do Banco Mundial, da União Europeia e, também, da Cooperação Portuguesa, toda a saúde materno-infantil da Guiné”, informou o representante.

“Em relação à telemedicina, foi uma necessidade que surgiu de uma dificuldade orçamental. Nós tínhamos estruturado as missões médicas, que são 40 por ano, de uma forma clássica – o médico ia, identificava o doente para operar, na missão seguinte trazia as próteses ou o que fosse necessário para operar esse doente. O nosso orçamento na altura da troika teve um corte súbito e nós não sabíamos como sobreviver; tínhamos que otimizar. Na altura, após a digitalização da imagem em 2010, começámos a desenvolver todas as ferramentas de telemedicina que viu na conferência, de forma a garantir, primeiro, uma cobertura, se necessário diária, de qualquer especialidade; segundo, integrar todos os equipamentos que estavam em São Tomé, alguns deles abandonados, que nós recuperámos e digitalizámos (TAC, mamógrafo, todos os ecógrafos). E terceiro, reduzir o custo das missões, isto é, em vez de o médico de que lhe falei fazer duas missões para operar um doente, ele passou a ir operar os doentes e a trazer logo tudo o que o doente precisava para ser operado”, explicou Paulo Freitas.

Se Paulo Freitas trouxesse os doentes para Portugal para aqui os operar, cada um custaria 30 vezes mais. “Isto acaba por ser também para Portugal, no âmbito da cooperação, um aumento de eficiência muito grande”, disse.

“Agora temos um novo desafio. Instalámos a plataforma e vamos tentar com os nossos parceiros começar na Guiné, que é o principal referenciador de doentes para evacuar para Portugal neste momento. Não numa perspetiva de reduzir as evacuações, mas sim de dar mais acesso à saúde. Com a telemedicina, independentemente dos custos, o que é importante é dar acesso à saúde às pessoas. E temos que ser justos – não é por uma pessoa viver numa ilha que tem piores cuidados de saúde; não é uma pessoa viver fora do centro que tem piores cuidados de saúde. Acho que a telemedicina tem um papel absolutamente fulcral na gestão desses doentes”, afirmou Paulo Freitas.

Na CPLP, “temos uma mais-valia que é a nossa língua. A cultura médica é igual. O que é preciso é integrar estas plataformas no dia a dia das instituições da CPLP de forma que ensino, discussão de casos, missões médicas para capacitar técnicos locais e formação de especialistas sejam centralizados nestas plataformas. E eu já faço isso no dia a dia. Eu tenho internos que formei no meu hospital, porque eu sou médico, que estão neste momento a voltar aos seus países e eles ligam-me com casos que querem discutir. Fazemos sessões clínicas em conjunto. Este é o nosso caminho. É o nosso caminho comum, com a nossa língua, com a nossa cultura. Eu acho que isto é que é importante. É um valor acrescentado para nós, Portugal, que temos muitos emigrantes dessas zonas e que temos às vezes patologias que já não temos experiência em tratar; mas também na capacitação das novas gerações de médicos, que vão ver coisas que são raras no nosso país, mas que lá são frequentes. Portanto, eu acho que as potencialidades são enormes”, concluiu Freitas.

HN/RA

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