Enquanto perito na área dos lípidos, até que ponto podemos avaliar a alegada intolerância às estatinas?
Todos os dias vivo o problema da intolerância às estatinas. Quando existe esta suspeita podemos considerar três alíneas: os sintomas musculares associados às estatinas; a miosite e o rabdomiólise. Se o doente tem dores musculares pedimos um exame de CPK e se os valores vierem aumentados significa que o doente pode ter razão. No caso de rabdomiólise, o doente nunca mais poderá fazer uma estatina.
Sobre os sintomas musculares, está mais ou menos considerado que a intolerância às estatinas poderá afetar 9% dos doentes. No entanto, há um ensaio que mostra que nos doentes que estavam a fazer estatina ou a fazer placebo cerca de 2% tinham sintomas. Aqueles que sabiam que estavam a fazer estatina tinham um risco de sintomas superior a 40% quando comparado com os doentes que estavam a fazer placebo. Lá está o tal efeito nocebo… Isso acontece-me todos os dias. As pessoas que fazem estatina mencionam queixas que estavam à espera e que ouviram falar nos meios de comunicação, mas em muitos casos, quando sem saber mudam para um placebo continuam a ter queixas idênticas.
Ou seja, há muito falso-positivo.
Há um outro estudo muito interessante que mostra que doentes intolerantes à estatina que foram aleatorizados para placebo continuaram a ter sintomas. Lá está: o efeito nocebo!
É por isso que o exame de CPK é muito importante, uma vez que se trata de um dado objetivo.
Claro. Todos nós, se fizermos uma caminhada de uma hora, vamos sentir dores musculares e se estamos a fazer estatina vamos atribuir esses sintomas à estatina. É um problema porque o efeito de tirar as estatinas aos doentes que delas precisam é uma catástrofe. Está provado que há uma mortalidade acrescida quando se suspende esta terapêutica.
É importante frisar que a intolerância e os sintomas musculares aparecem logo numa fase inicial, isto é, nas primeiras semanas ou no primeiro mês… Não é passado cinco anos que o doente vai começar a sentir estas queixas.
Um outro aspeto importante são os triglicéridos. Temos uma país em que aparecem muitos doentes com este problema. Como devemos atuar e qual é o valor real do risco que os triglicéridos tem?
Não há nenhum estudo que mostre uma redução da mortalidade cardiovascular com tratamento da hipertrigliceridemia. Podemos não diminuir o risco de enfarte do miocárdio, mas a partir de determinados valores temos medo é da pancreatite. Claro que há que excluir causas secundárias (diabetes, ingestão alcoólica em excesso, hipotiroidismo, etc). Para mim o tratamento de hipertrigliceridemia é com fibratos (fenofibrato), estilo de vida e eventualmente omega-3. Temos que ter muito cuidado na associação de gemfibrozil com estatina.
Nos doentes de alto risco de perfil lipídico, tivemos recentemente a possibilidade de utilizarmos inibidores do PCSK9. Até que ponto é legítimo suspender, num doente em que não se consegue controlar os LDL do colesterol, e introduzir o PCSK9? Só associados a estatina + ezetimiba ou não?
Vamos utilizar os PCSK9 nos doentes intolerantes às estatinas, nos doentes que tiveram miosite e rabdomiólise. Em doentes de alto/muito alto risco com LDL-C não controlada medicados com estatina + ezetimiba, na minha opinião, podemos também introduzir nas pessoas que estão a fazer estatina (na dose máxima tolerada) + ezetimiba e nos quais não conseguimos atingir os níveis alvos.
Pontanto a tentativa de suspender o anterior não parece correta.
Não. Não é essa a ideia. Nos estudos com inibidores do PCSK9 a maioria dos doentes manteve a terapêutica com estatina + ezetimiba.
Agora sobre o problema da Lp (a). Quando pedir e qual o valor acrescentado na previsão do risco cardiovascular?
Devíamos pedir a Lp (a) uma vez na vida e nas famílias com eventos cardiovasculares em idade muito precoce. No entanto, também podemos pedir naqueles doentes em que, apesar de um controlo muito bom dos fatores de risco de LDL, continuam a ter eventos cardiovasculares. Para já, é um importante marcador de risco acrescido (com base genética) mas para o qual não existe tratamento dirigido ao seu controlo
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