João Emílio Cardoso: “Há farmacêuticos residentes que estão a ser utilizados como força de trabalho”

12/08/2023
As dificuldades sentidas pelos residentes farmacêuticos são sobreponíveis às dos internos, quem o diz é o Membro da Comissão Instaladora da Associação Portuguesa dos Farmacêuticos Residentes (APFR). Segundo João Emílio Cardoso, há locais onde estes profissionais "estão a ser utilizados como força de trabalho". "Vemos com preocupação estas situações, até porque não temos, em Portugal, um corpo de farmacêuticos especialistas que possam suprir essas faltas", afirmou. 

HealthNews (HN)- O que é que a residência farmacêutica representa para os farmacêuticos?

João Emílio Cardoso (JEC)- A residência farmacêutica é uma conquista. Representa o internato que está previsto no regulamento da farmácia hospitalar desde 1962. É um processo muito longo que se iniciou há mais de sessenta anos e que teve várias vicissitudes. Portanto, consideramos que a residência farmacêutica é a consolidação da necessidade de haver um percurso de formação específica para os farmacêuticos que exercem no serviço público nas áreas de Farmácia Hospitalar, Análises Clínicas e Genética Humana. 

HN- Qual o impacto que a residência farmacêutica terá no funcionamento do sistema de saúde?

JEC- No que diz respeito à profissão, este programa uniformiza a formação pós-graduada dos farmacêuticos a nível nacional nestas três áreas mencionadas.

Para os doentes, a residência farmacêutica representa a possibilidade de ter profissionais mais bem preparados para os poder servir nas suas necessitas. Temos de ter em conta que, por um lado, que a nossa população é cada vez mais envelhecida e, por outro, que assistimos a uma inovação tecnológica crescente na área do medicamento e do laboratório. Tudo isto obriga a que tenhamos farmacêuticos mais qualificados para podermos obter melhores resultados em saúde e possamos garantir a sustentabilidade do sistema. A residência farmacêutica poderá libertar recursos que possam ser reinvestidos no sistema de saúde. Sabemos que, no atual contexto, a prestação de cuidados não está a ser fácil. 

HN- Tratando-se de um percurso formativo, que exige o acompanhamento de profissionais de saúde experientes e especializados, a qualidade da formação não pode estar em risco perante a falta de farmacêuticos no SNS?

JEC- Naturalmente essa é uma questão que nos preocupa muito… Sabemos que muitos farmacêuticos com ampla experiência estão a sair do Serviço Nacional de Saúde. Também sabemos que, segundo um estudo independente da Universidade Nova de 2021, há falta de quadros farmacêuticos na administração pública. Isto revela que não há assim tantos orientadores de formação com o perfil adequado nem estruturas, nos serviços farmacêuticos e nos laboratórios públicos, que permitam garantir a qualidade formativa. No fundo, os problemas são muito similares e sobreponíveis àqueles que o internato médico está a experimentar neste momento. 

Existem constrangimentos sérios e, num contexto em que vamos ter as Unidades Locais de Saúde, a própria carteira dos serviços farmacêuticos terá de ser repensada. Não vemos esse debate a ser feito, portanto é algo que nos preocupa. De qualquer modo, acreditamos no esforço da grande maioria dos orientadores de formação que estão a fazer tudo para que essa qualidade se mantenha. 

HN- Este problema não pode levar à tentação de usar farmacêuticos residentes como força de trabalho?

JEC- Pode e já está a acontecer. Temos conhecimento que há alguns farmacêuticos residentes que estão a ser utilizados como força de trabalho sem a devida supervisão e contextualização no próprio programa formativo. 

O farmacêutico residente, assim como médico interno tem de ter um integração progressiva nas rotinas do seu serviço, bem como no desempenho de funções dos diferentes contextos (seja no apoio ao internamento, nos hospitais de dia, na consulta ou na urgência farmacêutica). Essa integração tem de ser circunstanciada e supervisionada por um farmacêutico especialista, de modo a que possa servir os intuitos formativos e não apenas servir como mais um elemento na equipa que assegura a escala. 

É preciso frisar que a residência farmacêutica visa dar um salto qualitativo na formação dos farmacêuticos. É por isso que vemos com preocupação estas situações até porque não temos, em Portugal, um corpo de farmacêuticos especialistas que possam suprir essas faltas mesmo no setor privado. Ou seja, não conseguimos ir buscar estes profissionais ao privado e tampouco temos a capacidade de atrair outros farmacêuticos europeus para virem trabalhar para Portugal.

HN- A APFR foi oficialmente constituída no dia 25 de setembro de 2023. Quais as razões que motivaram a criação da associação?

JEC- A principal motivação foi precisamente a necessidade de representação dos farmacêuticos residentes. Se olharmos para este percurso de sessenta anos, vemos as dificuldades e as descontinuidades que existiram. Também vemos que a não priorização por parte dos decisores políticos relativamente à valorização salarial e profissional dos farmacêuticos… Tudo isto levou à criação de uma estrutura que ajudasse a comunicar as demandas, os anseios e os projetos deste grupo de profissionais. 

Entre os nossos objetivos também está o estabelecimento de parcerias com entidades estrangeiras e associações de doentes, no sentido de promover a formação e fóruns de debate.

Entrevista de Vaishaly Camões

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