Luís Filipe Pereira: “o SNS foi colocado no terreno por governos do PSD”

12/11/2023
Ministro da Saúde nos XV (Durão Barroso, 2002) e XVI (Pedro Santana Lopes) Governos constitucionais, Luís Filipe Pereira terá sido, porventura, um dos mais polémicos titulares da pasta. Não por cortes ou conflitos no setor, mas pela implementação das medidas mais “revolucionárias” a que o SNS foi sujeito após a sua criação.

Ministro da Saúde nos XV (Durão Barroso, 2002) e XVI (Pedro Santana Lopes) Governos constitucionais, Luís Filipe Pereira terá sido, porventura, um dos mais polémicos titulares da pasta. Não por cortes ou conflitos no setor, mas pela implementação das medidas mais “revolucionárias” a que o SNS foi sujeito após a sua criação. Desde logo, implementou algumas das medidas já previstas na Lei de Bases do SNS de 1990 fazendo com que pela primeira vez, a proteção da saúde fosse não só assumida como um direito, mas também como uma responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, em liberdade de procura e de prestação de cuidados que passaram a ser prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos. Foi neste contexto que o antigo ministro conseguiu a proeza de no prazo de seis meses transformar 32 hospitais em Sociedades Anónimas, que após a saída do responsável foram avaliadas pelo Tribunal de Contas através de uma auditoria em cujas conclusões se podia ler que o modelo inovador se traduzia em melhores cuidados de saúde para a população, com custos mais eficientes para o país. Foi também a ele que se ficou a dever a disseminação dos modelos PPP, extintos nos ciclos políticos subsequentes, de maioria socialista. Em entrevista ao Healthnews, o antigo governante garante que a sua atuação nunca teve como objetivo defender os privados mas, isso sim, as pessoas.

Healthnews (HN) – Em 2002/2003, em entrevista ao nosso jornal, António Arnaut queixava-se de que o que restava da ideia inicial de Serviço Nacional de Saúde (SNS) que ele tinha idealizado em 1979 era muito pouco; que tudo tinha mudado demasiado. E de facto, quando olhamos para o modelo que ele propunha, de o Estado garantir o acesso geral, universal e gratuito a cuidados de saúde e o comparamos com o que temos hoje, não há como não lhe dar razão. Olhando o passado e o presente, acha aceitável dizermos que estamos pior do que estávamos?

Luís Filipe Pereira (LFP) – Não nesse sentido. Acho que o SNS foi uma ideia importante que deu ao país uma forma de a população transmitir para o Estado os seus problemas de saúde. Ou seja, o risco de doença. Até então havia uma cobertura muito limitada e as pessoas, quando estavam doentes tinham grandes dificuldades em suportar os custos e mesmo em serem atendidas de uma forma generalizada. A ideia de um SNS geral, universal e gratuito vinha resolver este problema. Quando à gratuitidade, veio-se a alterar para tendencialmente gratuito, com a introdução de taxas moderadoras, com a justificação de que era preciso moderar o acesso. Algo que pode ser controverso. Até porque muitas das vezes a moderação é subjetiva. Quando uma pessoa vai a uma urgência é porque pensa que está com um problema. Ninguém vai para uma urgência esperar horas para ser atendido apenas para ir lá. O que acontece é que as pessoas, porque não têm alternativas nos cuidados primários acabam por recorrer às urgências hospitalares.
Na prática nós temos um SNS gratuito, até porque as isenções de taxas são muitíssimo abrangentes, fazendo com que apenas uma pequena parte da população as pague de facto.
O que temos hoje, é um grave problema de acesso ao SNS e nesse aspeto estamos piores do que estávamos. Um problema que se agravou nos últimos anos. Alguns indicadores como o das Listas de espera, primeiras consultas hospitalares, consultas nos centros de saúde, estão piores do que quando este governo entrou, há 8 anos atrás. Nesse aspeto estamos piores.
O SNS é importante, é algo pelo qual devemos batalhar para que melhore – não para acabar com ele. Mas o SNS necessita de transformações, sem as quais vamos continuar a ter a situação que temos hoje.

HN – Defende a participação dos privados?

LFP – O que é decisivo é que as pessoas tenham cuidados de saúde de forma geral, gratuita e universal. Isso é que é decisivo. O SNS é um instrumento fundamental para isso. Ora, se o Estado, por exemplo, contratualizar com a iniciativa privada ou social e isso aumentar o acesso e diminuir as listas de espera eu sou a favor que isso seja feito. O SNS não é um fim em si… É um meio. Um meio poderoso que como qualquer outro meio podemos tentar melhorar para que atinja o fim para que foi criado.

HN – O Senhor terá sido o Ministro que mais desenvolveu a Lei de Bases da Saúde de 1990 no que toca à possibilidade da privatização de serviços de saúde. De facto, até 1993/4, a única coisa que tinha sido desenvolvida foi a parceria do Hospital da Amadora/Sintra. Quando entrou no Governo, conseguiu a proeza de no prazo de seis meses transformar 32 hospitais em Sociedades Anónimas. Qual foi o objetivo, então?

LFP – Nós precisávamos de aumentar rapidamente na altura – e hoje infelizmente ainda mais – a eficiência e o atendimento das pessoas nos cuidados hospitalares. A minha ideia foi transformar 32 hospitais (que na altura corresponderiam a cerca de 50% da capacidade em termos de camas) de forma a dar grande autonomia aos conselhos de administração, negociando – não impondo – com eles objetivos concretos que eles teriam que atingir. Isto foi uma revolução na altura. Pela primeira vez “empresarializámos” serviços públicos. Os hospitais foram alterados, em termos jurídicos para que pudessem funcionar como sociedade comerciais de direito público.

HN – Uma designação algo “revolucionária”…

LFP – O nome não me assusta. O que me assusta é que as pessoas não tenham cuidados de saúde a tempo e horas. Não são os nomes que as organizações assumem que importam. Se com o novo modelo pudermos mudar o acesso, para melhor, das pessoas, porque não implementá-lo?
Isto fez com que existisse nos hospitais um espírito diferente de equipa; uma forma de atendimento e de abertura para o exterior que deu resultados. Deixe-me revelar-lhe o seguinte: Depois de eu ter saído, foi pedida uma auditoria ao Tribunal de Contas sobre a ação dos Hospitais SA, e o Tribunal de Contas teve a amabilidade de me dar uma cópia das conclusões dessa auditoria onde se concluía que os Hospitais SA cumpriam os objetivos fixados, o que se traduzia em melhores cuidados de saúde para a população, com custos mais eficientes para o país.

HN – Muda o ciclo político e tudo muda, uma vez mais…

LFP – Sim. Transformaram os hospitais SA em EPE. O nome não é importante. O que vale é perceber que as equipas de gestão dos hospitais necessitavam de autonomia, de “empoderamento”, como se diz agora, e de serem parte da solução. O que foi feito através da empresarialização, ou seja, da forma de gestão dos hospitais SA. Eu próprio reunia com frequência – muitas vezes mensalmente – com os conselhos de administração de todos os hospitais, numa conversa, com os indicadores que tinham que ser atingidos, à minha frente, onde se discutia o grau de realização do cumprimento dos objetivos. Na altura fiz uma coisa que por graça chamava “o poder das folhas A4, em que colocava em linha os hospitais e em coluna os principais indicadores dos objetivos que eles tinham de atingir, e distribuía essas folhas a todos os Conselhos de Administração. Sem comentários. Desta forma as administrações podiam comparar-se entre si, o que estabeleceu uma dinâmica de comparação importante para melhoria. Isto levou até a uma alteração do espírito que se vivia dentro dos hospitais.
Anos mais tarde, já fora de funções, participei num colóquio onde fui abordado por um médico que veio ter comigo e desabafou “aquilo perdeu-se tudo”… Ou seja, burocratizou-se, funcionalizou-se, no pior sentido da palavra. A criação dos hospitais SA não pretendeu ser uma experiência isolada do tipo funciona durante dois anos e depois vemos no que dá.

HN – Foi um risco….

LFP – Assumi riscos que a realidade veio validar, de fazer algo que permitisse criar uma massa crítica (ou seja que abrangesse desde o início um número significativo de hospitais), para que, esta nova forma de gestão pudesse ser expandida para todos os hospitais. Infelizmente não se conseguiu porque eu vim-me embora e os SA passaram a EPE.

HN – Durante o seu mandato, alguma vez pensou colocar em prática a previsão inscrita na Lei de bases de privatizar parte ou partes de unidades de saúde? Por que razão.

LFP – Não. Nunca pensei em privatização. O que pensei e continuo a defender é um modelo de contratualização, isto é, se o Estado não pode fazer ou se faz mal, porque não contratualizar com outras entidades que historicamente têm boas performances para melhorar o acesso da população aos cuidados de saúde? Ou seja, a palavra não é “Privatizar”, mas “Contratualizar”. E aqui é preciso também explicar por que é que eu sempre acreditei na contratualização. Em 2004 anunciei a adoção de um novo modelo de Parcerias Publico Privadas (PPP) e a construção de 10 novos hospitais neste novo modelo, dos quais 4 vieram a ser construídos (aliás os únicos construídos desde há cerca de 20 anos até agora). Ainda antes de cessar funções lancei os concursos públicos de 3 destes hospitais. Ora uma PPP não é mais do que a contratualização da gestão de um hospital público (não a sua privatização) com a iniciativa privada. E porque é que um hospital em PPP, com contratualização com a iniciativa privada, é mais eficiente do que a gestão pública? Por vários motivos: na contratualização o Estado estabelece objetivos quantificados, claros (de acesso, de rapidez de atendimento, de custos) os quais, se não forem cumpridos, a iniciativa privada não recebe a remuneração acordada. E isso como deve calcular, cria um estímulo enorme para que as coisas possam correr bem. Por outro lado, a iniciativa privada tem métodos de gestão sem os constrangimentos que tem a Função Pública, no que toca à gestão das compras, dos consumos intermédios e até da gestão de pessoal. Tudo isto fez com que os nossos hospitais que estiveram em PPP – e digo infelizmente porque este Governo por razões meramente ideológicas acabou com eles, penalizando a população – tivessem um desempenho superior aos hospitais sob gestão pública o que está comprovado por entidades credíveis como o Tribunal de Contas, a Entidade Reguladora da Saúde e o próprio Ministério as Finanças (através da Unidade Técnica de Acompanhamento de projetos) que vieram afirmar que as PPP tiveram vantagens para os utentes em termos de qualidade e do acesso da população e que permitiram poupar centenas de milhões de euros ao Estado.

A pergunta que deve ser feita é: se o Estado (que somos todos nós) tirámos benefícios; se tivemos custos mais baixos e melhor atendimento para a população, por que se acabaram com as PPP? O Hospital de Loures é um bom exemplo. Foram os próprios autarcas do Partido Socialista que vieram a público dizer que não devia acabar. Porque é que em Portugal se acabou com uma forma de organização dos hospitais – que não é privatização – em que o pessoal continuava a ter o vínculo público e os utentes eram melhor servidos? Porque é que acabámos com isto?

HN – Por uma questão de ideologia…

LFP – Mas isso é penalizar as pessoas e sobretudo as pessoas mais pobres e mais desprotegidas. Porque são essas que utilizam mais os hospitais, porque dada a má gestão dos hospitais, as pessoas que têm capacidade financeira conseguem aceder a serviços de saúde de qualidade através de planos e seguros de saúde e as pessoas mais carenciadas e desprotegidas não o conseguem. É uma imensa injustiça. As pessoas que a esquerda ou a extrema-esquerda diz defender são as que estão mais sujeitas à má organização dos serviços, correndo muitas vezes risco de vida por isso.

É preciso dizer claramente à população que através de uma evolução do SNS – que não passa pela privatização – através da articulação entre os setores público, social e privado conseguimos melhores resultados. Até porque o pôr em confronto – em competição, no bom sentido – as três iniciativas pode servir como estímulo para que os menos eficientes, sejam de que setor for, melhorem.

HN – Temos cada vez mais população com cobertura de seguros de saúde. Face à emergência que se vive no SNS, podemos pensar numa deriva Bismarckiana?

LFP – O modelo de Beveridge, lançado em 1948, criou o National Health Service (NHS) inglês, do qual retirámos a filosofia e a organização do nosso SNS -Serviço Nacional de Saúde. As características deste modelo fazem do Estado o único ator no SNS. É o Estado que através das suas unidades (hospitais, centros de saúde etc.) presta os cuidados de saúde à população. O Estado é o único financiador do SNS, através dos impostos e é também o único empregador e o único gestor. Assim, neste modelo, o Estado assegura todas as funções e, em particular, o financiamento e a prestação dos cuidados de saúde são assegurados dentro de uma mesma entidade pública (o Estado, ou em certos casos, como nos países nórdicos, pelas Regiões).

No modelo “bismarckiano” (assim, denominado por a sua primeira implementação ter sido, levada a cabo, no final do sec. XIX, pelo então chanceler Otto Von Bismarck) o sistema de saúde é, tipicamente, baseado em seguros sociais obrigatórios, financiados por contribuições de empregadores e trabalhadores (e pelo próprio Estado em caso de pessoas sem posses) e os recursos assim obtidos são colocados em Fundos de Seguros de Saúde, geridos por múltiplas entidades, por vezes organizações não-governamentais, sem fins lucrativos, regulados pelo Estado, que garantem o acesso de toda a população aos cuidados de saúde através da contratualização sem discriminações, de entidades prestadoras sejam elas públicas, privadas ou sociais. A existência de várias entidades, do lado de quem contratualiza (Fundos de Seguros) e do lado de quem presta os cuidados de saúde (prestadores públicos, privados ou sociais) configura um sistema em situação de concorrência/competição, em favor dos utentes, com liberdade de escolha destes face aos prestadores. Neste modelo estão assim separadas as funções do financiamento e da prestação dos cuidados de saúde o que leva a um muito maior incentivo para a eficiência do sistema de saúde (ao contrário do que acontece nos sistemas “beveridgianos, como o nosso), em termos de acesso, qualidade e de menores custos, sem pôr em causa o princípio do direito de toda a população a ter cuidados de acesso de forma, geral, universal.

HN – São portanto preferíveis aos modelos Beveridgianos?

LFP – Não se trata de preferências. Nos rankings europeus são os modelos Bismarckianos que surgem normalmente à cabeça em termos de eficiência. Vejam-se os casos da Suíça, dos Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Áustria, França e Alemanha. São todos modelos (ainda que com algumas diferenças entre si) Bismarckianos. Em Portugal, a Esquerda e a Extrema Esquerda enclausurem o modelo na esfera estatal. É evidente que o Estado deve ter uma palavra decisiva nesta matéria. Não tem é que ser o único prestador. O que é fundamental é que as pessoas tenham melhores cuidados de saúde independentemente da natureza jurídica das entidades que os prestam, sejam públicas, privadas ou sociais, obviamente reguladas pelo Estado. Mesmo nos países que optaram por sistemas Beveridgianos, em alguns deles, como na Inglaterra e Dinamarca, os cuidados primários são prestados por médicos privados, contratualizados. No caso inglês, pelos “general practitioners” que são médicos, profissionais liberais. Porque é que em Portugal não podemos fazer isso? Seguramente que o problema da falta de cobertura de médicos de família não se colocava como hoje.
Há aqui um aspeto crítico que para mim é decisivo. O objetivo fundamental de um sistema de saúde é o de que as pessoas tenham cuidados de saúde de qualidade, de forma geral, universal e gratuita. As formas de atingir este objetivo podem variar de país para país. Na Europa, a forma de atingir este objetivo seguiu, no essencial, a adoção de um dos dois modelos: “beveridgiano” e “bismarckiano” sendo certo que em Portugal, no modelo “beveridgiano” existe uma elevada ineficiência, com problemas graves de acesso da população ao SNS e com custos muito superiores aqueles que seriam necessários para prestar à população os mesmos cuidados de saúde.

HN – E o privado?

LFP – O privado tem incentivos para ter uma gestão mais eficiente. Porquê? Porque na contratualização só recebe se cumprir os objetivos acordados com o Estado. E que incentivos têm as pessoas que estão no Estado, dentro do SNS? Praticamente nenhuns, tirando as USF de Modelo B. (que são, aliás, um modelo de contratualização, neste caso, com os profissionais de saúde). Praticamente não existe o princípio da meritocracia, de reconhecimento pelo desempenho individual. É preciso, no entanto dizer, que há pessoas que se interessam, que cumprem, mas também as há que não cumprem. No caso dos hospitais, esta situação, conjugada com um controlo estrito por parte do Ministério das Finanças levou à desmotivação e desresponsabilização das equipes de gestão e à quase inexistência da autonomia destas. Foi o que aconteceu durante a “geringonça”. E aqui, importa dizê-lo, o Ministro Centeno teve grande responsabilidade, devido às chamadas cativações, pelas fraquíssimas despesas de investimento no sector que atingiram fortemente o desempenho e capacidade de gestão dos hospitais. Nos três primeiros anos da “geringonça” (016 a 2018) o investimento na saúde foi inferior ao de 2015 (ou seja do final da Troika) e neste período os orçamentos de investimento tiveram uma execução de cerca de 50%. Junte isto tudo e pergunte como é que o Estado pode ser eficiente.

HN – Estamos novamente em campo de ideologia…

LFP – Na minha opinião, a Esquerda e a Extrema Esquerda tiveram sucesso em apenas duas coisas: Por um lado, conseguiram inculcar no público que o Serviço Nacional de Saúde é uma obra da Esquerda. O que é falso. E por outro lado, conseguiram inculcar no público que o SNS estava a ser atacado, que estavam a querer entregá-lo aos privados. A generalidade da opinião pública tem esta ideia na cabeça. Se não for explicado que essa narrativa é errada e que está a penalizar uma melhor prestação de cuidados, teremos os governos – mesmo os mais à direita – a terem receio de afirmar publicamente sobre a necessidade de reformar o SNS.
A grande machadada neste muro foi dada pelas parcerias público/Privados. Hoje ninguém se atreve a dizer mal das parcerias público/Privados na saúde.

HN – O senhor teve grande responsabilidade na disseminação do modelo…

LFP – Havia apenas uma PPP – a do Amadora/Sintra. Passados dez anos estava eu no cargo, fiz uma nova legislação, com um novo modelo de PPP, permitindo a contratação de novas parcerias. Isto porque eu tinha a certeza de que aquele é que era o caminho.

HN – Sob ataque da Esquerda…

LFP – Vamos ao princípio. No dia 15 de setembro de 1979 foi aprovada a Lei que criou o SNS. Num governo liderado por Maria de Lourdes Pintassilgo. No parlamento quase todos os partidos se opunham a essa criação, incluindo o PS e o PSD. Só a ASDI era favorável. Maria de Lurdes Pintassilgo aprovou ainda assim a chamada Lei Arnaut e o que aconteceu? Passados dois meses – a 27 de Dezembro de 1979 – o governo cessou funções, porque era um governo de iniciativa presidencial cujo mandato terminaria assim que houvesse eleições. Pergunto: quais foram os governos que nos quinze anos seguintes fizeram o Estatuto do SNS, as carreiras médicas, etc.? Foram todos governos do PSD (à exceção do Governo de Mário Soares, em “bloco central” com o PSD que durou um pouco mais de um ano. Ou seja, o SNS foi colocado no terreno por governos do PSD. Virar as costas a isto, por razões ideológicas trouxe-nos ao estado atual da Saúde em que cerca de 5 milhões de pessoas recorrem aos privados. As contas são fáceis de fazer. Funcionários públicos e suas famílias estão cobertos pela ADSE. A este universo, junta-se o dos demais subsistemas, como os da PSP e outros, num total que rondará o milhão e meio de pessoas. A este número juntam-se os cerca de 3.2 milhões de pessoas com seguros de saúde. Todos somados temos quase metade da população.
Eu estou de acordo com o SNS. O que eu não estou de acordo é com este SNS. E por isso estou de acordo que as pessoas devem ter cuidados de saúde gratuitos de uma forma geral universal e gratuitos. Não poderia estar mais de acordo. A questão é que o SNS é um meio e há outros meios. Nos sistemas bismarckianos também existe essa preocupação de dar acesso a toda a população acesso a cuidados de saúde, de forma geral, universal e gratuita. Ou será que há quem pense que os Governos Alemão, Francês ou Suíço não têm essa preocupação?

HN – A verdade é que ao longo dos anos foram muitas as medidas estruturais que ficaram por implementar.

LFP – Quando cheguei ao Governo o SNS tinha graves problemas de resposta. Havia a ideia de que tudo se resolvia atirando dinheiro sobre os problemas. Mas já nessa altura o SNS era algo importante para as pessoas. Sempre foi. Por isso, volto a dizer que a ideia de termos um sistema – seja ele de que tipo for – que possibilite às pessoas terem cuidados de saúde de forma geral, universal e gratuita é para mim fundamental. Ora, o SNS que temos, não está a garantir isso. E isto é uma evidência. Afirmar o contrário é estar a “tapar o Sol com uma peneira”. Temos pessoas, muitas delas idosas em bichas às cinco da manhã para tentarem – sem garantia – conseguir uma consulta. Quem tem seguro de saúde não passa por essa contingência.

HN – Defende uma gestão privada?

LFP – Não se trata de defender os privados. Trata-se de defender as pessoas.

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Entrevista de Miguel Mauritti

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