Comportamentos aditivos e dependências estão “mais visíveis” mas não significa que aumentaram

18 de Dezembro 2023

A problemática associada aos comportamentos aditivos e dependências está “mais visível no espaço público”, mas “não significa necessariamente que haja um aumento” do número de pessoas afetadas, disse hoje o médico João Goulão, apontando a insuficiente capacidade de resposta.

“Na sequência da pandemia [de covid-19] e também da crise que vamos vivendo atualmente, relacionada com as guerras, inflação, etc., há cada vez mais gente exposta e mais visível no espaço público, o que não significa necessariamente que haja um aumento, pelo menos correspondente no número de pessoas afetadas por comportamentos aditivos e dependências”, afirmou João Goulão, presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD).

João Goulão falava aos jornalistas à margem da cerimónia de assinatura de um protocolo de parceria com a Câmara Municipal de Lisboa (CML) que enquadra a intervenção do município no âmbito dos comportamentos aditivos e dependências, sendo “o primeiro ato público do ICAD”, na sequência da extinção do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

Apesar de não dispor de dados concretos, o presidente da CML, Carlos Moedas (PSD), afirmou que “a situação na cidade está pior”, referindo que as equipas de rua conhecem as situações e “vão reportando o estado de dificuldade neste período pós pandemia”.

“Nós precisamos de atuar muito rapidamente”, defendeu o autarca, acrescentando que a intervenção da câmara passa por trabalhar em conjunto com o ICAD.

De acordo com João Goulão, o aumento da visibilidade desta problemática no espaço público tem a ver com a forma como a pandemia impactou na saúde mental das pessoas, bem como ao “aumento da pressão migratória”, em que há “muitas pessoas com dificuldades de integração”.

“Há aqui alguma coexistência de vários fatores que contribuem para essa maior exposição. Por outro lado, há uma menor capacidade de ‘drenar’ estas pessoas para respostas mais estruturadas, nomeadamente ao nível do tratamento”, declarou o presidente do ICAD.

Anteriormente, “durante muito tempo”, não existia listas de espera para admitir estas pessoas em respostas de tratamento e “atualmente há constrangimentos”, disse o responsável, alertando que se não existir “o encaminhamento adequado, com a rapidez desejável”, assiste-se “à tal acumulação à porta [no espaço público]”.

“Este impacto na tal visibilidade tem muito a ver, sobretudo, com o álcool, com os problemas relacionados com o uso nocivo do álcool e com situações de dependência alcoólica”.

Em relação às substâncias ilícitas, “tem havido uma paulatina descida da importância da heroína na sociedade”, redução que tem sido ocupada pela presença da cocaína crack, e há novas substâncias psicoativas, que “todos os dias são lançadas no mercado”, mas que “no continente, e particularmente em Lisboa, embora tenham vindo a assumir uma importância crescente estão longe de ter tanta importância, como as substâncias clássicas, nomeadamente a tal cocaína crack”.

Defendendo a criação de respostas inovadoras, o ICAD está a trabalhar na implementação de espaços de consumo vigiado dirigidos a pessoas cujo problema central é o abuso do álcool, à semelhança dos que já existem para dependentes de substâncias ilícitas.

Questionado sobre se sente confortável com o investimento do Estado, João Goulão afirmou que “a grande dificuldade e o grande constrangimento” nos últimos anos tem a ver com “o recrutamento de novos profissionais para atuar nesta área, mais do que propriamente a disponibilidade financeira para o fazer”.

O presidente do ICAD, cargo que já assumida no SICAD, disse ainda esperar que o novo instituto no âmbito comportamentos aditivos e as dependências se possa constituir também como “um polo de atração” para profissionais nesta área, explicando que a maioria dos atuais profissionais começou a trabalhar na “década de 80 e 90, do pico da epidemia da heroína”, e estão a começar a reformar-se.

LUSA/HN

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