Como é que cada uma das especialidades médicas encara a disbiose (desequilíbrio) da microbiota intestinal associada à toma de antibióticos e que conselhos deixam aos seus pares para atenuar o impacto dos antibióticos na flora do intestino e ajudar na recuperação dos danos provocados após exposição a este tipo de medicamento? As duas perguntas foram o ponto de partida da mesa-redonda “Desvendando o mistério: o que é a disbiose associada a antibióticos?”, moderada pela professora catedrática da NOVA Medical School e investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, que juntou médicos de cinco especialidades.
Segundo Conceição Calhau, existe atualmente evidência robusta de que os antibióticos interferem negativamente na microbiota intestinal e na saúde em geral. Estudos recentes demonstram, cada vez mais, que a microbiota se apresenta alterada em pessoas com doenças cardiovasculares e respiratórias, diabetes tipo 2, síndrome metabólica, entre outras. Em modelos animais, o transplante de microbiota alterada para animais saudáveis resulta em doença, o que levanta a hipótese de que algumas doenças muito prevalentes na atualidade possam ter uma componente microbiana e, consequentemente, ser transmissíveis através da microbiota.
“Há muitas variáveis a ter em conta, desde o maior ou menor espectro de ação do antibiótico, passando pelo padrão alimentar, pela resposta imunitária e, principalmente, pelo nascimento e pelos primeiros 1000 dias de vida, um período de programação essencial para a formação deste órgão (microbiota), do sistema imunitário e cognitivo”, realça Conceição Calhau, acrescentando que “é necessária uma reflexão sobre como minimizar os danos na microbiota – associados à exposição a antibiótico – e como ajudar na recuperação deste órgão após exposição ao antibiótico”. Diversos estudos comprovam que a exposição a antibiótico tem efeitos rápidos na alteração da microbiota, sendo que, três meses após cessação do tratamento, a microbiota não regressou ainda ao estado inicial. “A capacidade de resiliência da microbiota, a sua recuperação total e os dois a três primeiros anos de vida são fundamentais”, reforçou.
As especialidades são unânimes em considerar que é urgente alertar os profissionais de saúde para a necessidade de garantir uma microbiota equilibrada e saudável, começando desde logo pela programação dos primeiros anos de vida dos lactentes/crianças. “Muitas das infeções mais frequentes nas crianças até aos 2 anos são víricas e não necessitam de antibiótico. É necessário que os pediatras conheçam as consequências do antibiótico na microbiota e o tempo que esta demora a recuperar após exposição a antibiótico. É ainda fundamental que saibam que, quando é efetivamente necessária a terapêutica com antibiótico, a associação de um probiótico ameniza o impacto na microbiota, sendo que é igualmente essencial o conhecimento de que os probióticos não são todos iguais para que exista ponderação no ato de escolha do probiótico” [uma vez que muitos deles não resistem ao efeito do antibiótico], defende Carla Rego, pediatra, professora convidada de Pediatria da Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, e professora convidada e regente da disciplina de Nutrição Pediátrica.
Já o professor de Medicina Interna, Pedro Póvoa, coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente do Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, sublinha que o uso de antibiótico deve resumir-se apenas ao tratamento de infeções, prescrevendo-se esta classe de fármacos apenas “quando existe uma situação grave e sensibilizando os profissionais de saúde para terapêuticas mais curtas. Temos de ser confiantes na capacidade de diminuir a duração da antibioterapia”.
Em concordância, o especialista em medicina oral e maxilo-facial, Rui Amaral Mendes, destaca a necessidade de “sensibilizar os colegas da medicina oral para o uso mais judicioso do antibiótico e para uma escolha mais diferenciada, assim como para o impacto das interações farmacológicas no microbioma intestinal”. Por outro lado, defende que é preciso também alertar os profissionais de outras especialidades para a disbiose oral e a sua repercussão em diversas doenças.
“Temos de mudar o pensamento e perceber que, se vamos prescrever antibiótico, devemos juntar um probiótico. Isto porque sabemos, por exemplo, que a disbiose associada a antibióticos está relacionada com a Síndrome do Intestino Irritável, com taxa de vaginose mais frequente e com taxas mais elevadas de infeção urinária”, reforçou o ginecologista e obstetra Cláudio Rebelo, presidente da Secção Portuguesa de Menopausa da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.
O painel de peritos reconhece que, apesar da muita evidência atual sobre a Disbiose Associada a Antibióticos (DAA), há ainda um longo caminho a percorrer, e deixa alguns conselhos e estratégias para uma abordagem futura: maior acesso ao conhecimento/evidência científica – porque reconhecem falhas no acesso ao conhecimento sobre DAA por parte dos profissionais de saúde; foco na DAA e não apenas na resistência aos antibióticos – porque persiste a prática de prescrição de antibiótico em demasia com preocupações apenas ao nível da resistência aos antibióticos, sem grande preocupação sobre os efeitos a longo prazo na microbiota intestinal e consequências da disbiose para a saúde; educação médica – fundamental para reforçar o conhecimento e saber mais sobre como minimizar os danos e ajudar na recuperação da microbiota após exposição a antibiótico; awareness – porque além de alertar para esta boa prática de prescrição do probiótico em concomitância com o antibiótico é fundamental sensibilizar os profissionais de saúde para o facto de os probióticos não serem todos iguais e para o tempo que leva a microbiota a restabelecer-se após exposição a antibiótico e quais as consequências que podem resultar do desequilíbrio da microbiota intestinal.
PR/HN
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