Dulcineia Boto Psicóloga, Clínica Absolute Bliss

Chemobrain: Como lidar com os sintomas cognitivos

04/01/2024

A intervenção psicológica em contexto oncológico é hoje resposta padrão para a sintomatologia relativa ao distress psicológico, às alterações de conduta e psicossociais, através da integração da psico-oncologia nas equipas interdisplinares de acompanhamento a estes pacientes. Contudo, apesar de bem conhecidas e cientificamente sustentadas, as limitações que o chemobrain (atualmente designado por comprometimento cognitivo relacionado com o cancro, CCRC) impõe à vida quotidiana destes pacientes, desde o seu diagnóstico até além do findar dos tratamentos anticancro, não tem sido dada a mesma importância aos sintomas cognitivos, e talvez por isso ainda hoje a intervenção neuropsicológica não tenha sido integrada na resposta terapêutica aos doentes oncológicos como intervenção padrão em Portugal, tanto pela via da avaliação neuropsicológica como da reabilitação cognitiva.

À semelhança do que acontece com outras situações clínicas suscetíveis de desencadearem sintomas cognitivos, também na situação de CCRC é grande a variabilidade entre as pessoas face à expressão destes sintomas, ao perfil da sintomatologia e ao impacto da mesma no seu quotidiano, o que marca a grande dificuldade de fazer recomendações que se ajustem a todos os pacientes. Contudo, considerando as queixas mais comuns, sugerem-se algumas estratégias gerais que podem ser uteis na gestão do impacto dos sintomas cognitivos no dia-a-dia de um paciente oncológico.

Entre a lista de sugestões, encontre aquelas que melhor se adequam às suas necessidades:

 

  1. Para melhor agir em favor da diminuição do impacto dos sintomas cognitivos, é importante identificar as dificuldades que passou a ter, neste sentido, aponte as suas dificuldades e a sua evolução ao longo do tempo.

 

  1. Definir locais fixos para guardar objetos importantes e de utilização regular, como são os óculos, as chaves, a carteira, os medicamentos e assim, sempre que precisar dessas coisas saberá onde estão, porque estarão sempre naquele lugar que previamente definiu.

 

  1. Planear o dia e organizá-lo com uma lista de tarefas/atividades irá ajudá-lo(a) a lembrar-se do que precisa fazer, a não deixar pendente coisas que são importantes, a gerir o seu tempo e a conseguir incluir momentos de pausa e de relaxamento.

 

  1. Construa uma rotina com as tarefas semanais, ou seja, defina tarefas que possam ser feitas sempre no mesmo dia da semana ou do mês, pois permitirá responder ao que é preciso fazer de forma organizada e sistematizada.

 

  1. Para a realização de tarefas complexas ou elaboradas, compostas por várias etapas, divida cada tarefa em partes mais pequenas, faça uma parte de cada vez, tente não colocar pressão sobre si mesmo(a) para a conclusão da tarefa e coloque metas exequíveis face às suas circunstâncias.

 

  1. Evite a realização de várias tarefas em simultâneo e um volume de afazeres diário que o(a) faça estar sob tensão, pressão e/ou preocupado(a) com a sua realização. Assuma a postura, uma coisa de cada vez e pouca coisa a cada momento.

 

  1. Procure perceber o momento do dia em que se sente mais “fresco(a)”, mais disponível física e emocionalmente, e escolha esses momentos do dia para realizar as tarefas mais exigentes. Da mesma forma que pode ver as coisas/momentos que o(a) desgastam mais (e.g., dia de consultas e/ou de tratamentos) e, em função disso, programar os seus momentos de descanso.

 

  1. As tarefas que não tenham que ser feitas por si, delegue a sua realização a outras pessoas (e.g., familiares, amigos, vizinhos, pessoas conhecidas), por forma a libertar tempo para outras atividades, nomeadamente as de lazer e de descanso que lhe são necessárias.

 

  1. É importante descansar para permitir que o corpo e o cérebro recuperem. Tente pôr em prática as regras de higiene do sono.

 

  1. Procure ter uma alimentação saudável, privilegiando alimentos que ajudam o funcionamento do cérebro e em particular o processo mnésico, como são o salmão selvagem, o atum, o carapau, as cavalas, as sardinhas, os ovos, o fígado, o azeite, as nozes, as amêndoas, as avelãs, as castanhas, os legumes de folhas verdes escuras e legumes de cor vermelha e roxa, os brócolos, os espargos, os frutos vermelhos e roxos, o abacate, o chocolate preto, o tomate, a cebola, a salsa, os orégãos, os alimentos cítricos, a salvia, entre outros.

 

  1. Faça uso de estratégias externas de memória, como os blocos de notas, as agendas, os calendários (e.g., os de papel, o do google e/ou do telemóvel) e/ou das aplicações digitais.

 

  1. Apesar de nem sempre ser fácil para algumas pessoas pôr em prática de forma eficiente, o uso de estratégias internas de memória é sempre recomendável, como por exemplo a visualização, a verbalização (tanto em voz interna como em voz alta) e a associação de ideias.

 

  1. Tente reduzir as distrações, tanto externas (e.g., barulho, desarrumação, iluminação desadequada) como internas (e.g., pensamentos negativos, preocupações, ansiedade, fome, sede), pois ajudá-lo-á/ajudá-la-á a direcionar e focar a sua atenção para o que é necessário e, dessa forma, dispor de melhores condições para processar a informação que precisa e consequentemente melhores condições para o bom desempenho na realização das tarefas a que se propõe.

 

  1. Fale com as outras pessoas sobre as dificuldades que está a sentir, por forma a ter ajuda e compreensão por parte dos outros. Isto irá facilitá-lo(a) na aquisição de informação recebida através das outras pessoas, pois podem falar de forma mais simples, pausada e organizada, nomeadamente separando os diferentes assuntos a falar. O que o(a) ajudará a compreender e a processar mais e melhor a informação.

 

  1. Fazer acompanhamento psicológico/psicoterapêutico é sempre recomendável para ajudar na gestão do stress, da ansiedade, na gestão de pensamentos negativos, nas frustrações, nas alterações do padrão de sono, etc., pois o distress psicológico associado à situação oncológica acentua as dificuldades cognitivas.

 

  1. Realize atividades cognitivamente estimulantes, pois ajudará o seu cérebro a manter as conexões neuronais existentes e a criar novas conexões neuronais, dando-lhe recursos para continuar a responder ajustadamente e a superar os desafios do momento. Neste mesmo sentido, é importante integrar alguma atividade física (na medida do que lhe seja possível e recomendado pelo(a) seu/sua médico(a)), pois permite estimular o corpo (e.g., músculos, ossos, sistema imunitário, etc.), mas também o cérebro por via bottom-up.

 

  1. Seja flexível e gentil consigo mesmo(a). As doenças oncológicas são muito exigentes, delicadas e processos morosos para todos os doentes, assim, ser paciente, compreensivo(a) e generoso(a) consigo e com o seu corpo será essencial para gerir momentos em que cognitivamente sente-se mais atrapalhado(a). Sendo isto válido, mesmo após os tratamentos, não devendo sobrecarregar-se com exigências, pressões e ânsias para regressar ao trabalho, expetativas elevadas e afins, pois aumentará a sensação de não conseguir, de ter a “cabeça vazia”, de sentir a “cabeça lenta”, que o cérebro custa a pensar, etc.

Se o conjunto de sugestões aqui apresentado em pouco ou nada ajudar a lidar e gerir as dificuldades cognitivas, tendo essas dificuldades interferência pejorativa com o seu quotidiano, o mais adequado será procurar um neuropsicólogo, por forma a avaliar a sua situação clínica em particular e ter um programa de intervenção reabilitativa ajustado às suas necessidades especificas.

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