Luís Morais: “Controlo dos níveis de colesterol após um enfarte agudo do miocárdio” é mandatório

06/28/2024
Luís Morais, Assistente Hospitalar de Cardiologia no Hospital de Santa Marta

Em entrevista ao HealthNews, Luís Morais, Assistente Hospitalar de Cardiologia no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, defende ser necessário intensificar o controlo dos níveis de colesterol após um enfarte agudo do miocárdio. Neste sentido, diz, todos os doentes após um evento cardiovascular (enfarte ou AVC), devem controlar os níveis de colesterol, para níveis muito mais baixos do que a população geral (que não teve estes eventos). Uma monitorização que, defende, deve ser feita com o médico assistente (cardiologista, neurologista ou médico de família), habitualmente com periodicidade bianual.

 Healthnews (HN) – Qual o Impacto da Inovação Médica/Farmacológica na prevenção secundária do risco cardio-cerebrovascular

Luis Morais (LM) Quando olhamos para a história dos últimos séculos, percebemos que as revoluções industriais, militares ou digitais foram épocas de grandes avanços nas ciências médicas.

Áreas científicas como a hematologia, oncologia, infeciologia são alguns dos principais exemplos. Felizmente, a saúde cardiovascular não foi exceção.

Descobertas farmacológicas e a introdução de técnicas cirúrgicas permitiram, nos últimos anos, revolucionar o tratamento das principais doenças cardiovasculares. Todos estes avanços estão hoje ao serviço da prevenção secundária (evitar um novo evento cardiovascular). No entanto, quando acompanhamos doentes com esta patologia percebemos que ainda há muito trabalho por fazer.

Apesar dos avanços significativos na inovação, diagnóstico e intervenções em cardiologia, a mortalidade por doenças cardiovasculares não tem diminuído. Quais são, na sua opinião, os principais obstáculos que impedem uma maior eficácia desses avanços em termos de redução da mortalidade?

LM – As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, e a sua prevalência está a aumentar. No entanto, para percebermos este facto temos de isolar alguns dados.

No mundo mais desenvolvido, onde se inclui Portugal, houve um avanço muito focado no tratamento da doença aguda (enfarte e AVC) nos últimos anos, o que permitiu reduzir a taxa de mortalidade destas doenças. Outros fatores, como a introdução de novos fármacos, ou as políticas de saúde pública, também contribuíram para a redução da mortalidade cardiovascular, nestes países.

No mundo em desenvolvimento, com a melhoria do nível de vida socioeconómico, implementação de medidas mitigadoras de doenças infeciosas e aumento da esperança média de vida, a prevalência das doenças cardiovasculares aumentou muito nos últimos anos. Na ausência de redes de tratamento adequado para estas doenças, a taxa de mortalidade associada é muito elevada.

HN – Como é que a prevenção secundária é priorizada na gestão de pacientes que já sofreram um evento cardiovascular, especialmente em relação aos fatores de risco como dislipidemias e genética? E de que maneira esses fatores são monitorados e geridos na prática clínica atual?

LM – Durante muitos anos, o principal foco da prevenção secundária foi a antiagregação plaquetária (aspirina). Recentemente, a crescente evidência científica do tratamento da dislipidemia, levou à alteração das recomendações internacionais, no sentido, de intensificar o controlo dos níveis de colesterol após um enfarte agudo do miocárdio.

Neste sentido, todos os doentes após um evento cardiovascular (enfarte ou AVC), devem controlar os níveis de colesterol, para níveis muito mais baixos do que a população geral (que não teve estes eventos).

A monitorização deste, e de outros, fatores de risco cardiovascular deve ser feita com o médico assistente (cardiologista, neurologista ou médico de família), habitualmente com periodicidade bianual.

HN – Considerando a falta de métricas claras para a implementação e monitorização das diretrizes de risco cardiovascular, quais estratégias que sugere para melhorar esta situação?

LM – Os planos de intervenção global só são possíveis com uma campanha de saúde pública nacional (ou europeia) que envolva os prestadores de saúde, mas acima de tudo os doentes. A literacia para a saúde da população portuguesa é reconhecidamente baixa. Medidas de educação para a saúde são fundamentais para informar os doentes.

 

A monitorização tem de ser feita incluindo objetivos muito bem definidos, que incluam valores laboratoriais e normas de prescrição. Além disso, é importante conhecer, não só as métricas de controlo dos fatores de risco, como o resultado dos mesmos, com taxas de mortalidade e morbilidade por região e em subpopulações específicas.

 HN – O sistema de saúde parece estar muito focado na resposta imediata a eventos agudos como AVC e enfarte. Como podemos melhorar o acompanhamento dos pacientes após esses eventos para garantir uma prevenção secundária eficaz?

LM – O tratamento das doenças cardiovasculares em Portugal (e na maioria dos países europeus) começou por se focar no tratamento da doença na fase aguda. A mortalidade imediata associada a estas doenças, assim o obrigou.

No entanto, após o evento agudo, muitos destes doentes necessitam de cuidados igualmente importantes. A recuperação física e psicológica após o evento, a readaptação à vida social e laboral em segurança e a redução do risco de novos eventos, são fundamentais nesta fase. Várias estratégias utilizadas em países europeus com equipas multidisciplinares, que incluem enfermeiro, assistente social e psicólogo mostraram benefício na redução da mortalidade após um enfarte.

HN – Muitos doentes acreditam que não estão mais em risco após sobreviverem a um primeiro evento cardiovascular. que estratégias considera mais eficazes para alterar essa perceção errada?

LM – O enfarte agudo do miocárdio é, na maioria das situações, uma emergência médica. A maioria dos doentes não esperava este evento.

Com o avanço tecnológico recente, o tratamento do enfarte agudo do miocárdio é rápido e, a maioria doentes, tem uma recuperação célere com internamento curto.

Ainda assim, durante o primeiro ano após o evento, a maioria dos doentes sente insegurança e tem muitas dúvidas sobre as consequências do evento e a probabilidade de recorrência. O cumprimento terapêutico e adoção de medidas de estilo de vida saudável, incluindo a cessação tabágica são mais frequentes neste período. Com o passar do tempo e, na ausência de recorrência de eventos, verifica-se uma menor adesão às terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas.

Infelizmente, o risco de recorrência após o primeiro ano não reduz significativamente e mantém-se em crescendo. A doença aterosclerótica é uma doença crónica, multissistémica e não se cura. Com as medidas certas conseguimos reduzir o risco, mas não o anulamos.

É importante que os doentes tenham conhecimento destes factos desde o primeiro evento cardiovascular.

HN – O Programa Nacional enfatiza uma abordagem integrada no tratamento de eventos críticos como enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Como é que essa integração entre o sistema de emergência pré-hospitalar e os hospitais tem sido implementada e quais os benefícios observados?

LM – O tratamento do enfarte agudo do miocárdio através da Via Verde Coronária é uma das maiores conquistas do Serviço Nacional de Saúde. Passadas décadas, este serviço continua a assegurar um tratamento diário a todos os doentes com esta doença. A implementação da VVC permitiu reduzir a da taxa de mortalidade desta patologia.

O tratamento do acidente vascular cerebral teve uma implementação posterior e temos poucos dados sobre a sua operacionalidade e eficácia.

HN – Uma das metas do programa é promover uma maior equidade no acesso aos centros de tratamento agudo. Que estratégias estão a ser utilizadas para alcançar essa equidade, especialmente em regiões com maior falta de acessibilidade a centros de referência?

LM – No panorama nacional a cobertura é bastante adequada. Existem alguns locais onde a acessibilidade pode ser otimizada através da melhoria da rede de cuidados pré-hospitalar.

HN – O programa também foca a prevenção e controle dos fatores de risco modificáveis. Pode partilhar alguns exemplos de iniciativas bem-sucedidas nessa área e como elas têm contribuído para a redução do risco cardiovascular?

LM – A implementação de equipas multidisciplinares de reabilitação cardíaca são óptimos exemplos de cuidados complementares ao tratamento agudo, que permitem controlo de fatores de risco modificáveis com ganhos impressionantes na qualidade de vida e na redução da mortalidade. Redes de reabilitação cardíaca nacionais, com pontos de proximidade ao domicílio ou ao local de trabalho do doente deviam ser desenvolvidas, para garantir acessibilidade.

HN – A reabilitação após eventos como AVC e EAM é crucial para minimizar sequelas crónicas. Quais são as principais barreiras que os pacientes enfrentam no acesso a programas de reabilitação e como o sistema de saúde está a trabalhar para superar essas barreiras?

LM – As principais barreiras à adoção desta estratégia de prevenção cardiovascular são a disponibilidade, acessibilidade e custo (direto e indireto).

 

 

 

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