Expansão do modelo ULS

14 de Julho 2024

Fernando Araújo é um dos autores de um artigo publicado na revista “Frontiers in Public Health”, em maio deste ano, que explica a história e perspetiva o futuro do modelo ULS.

Na publicação, relembra-se que os “cuidados integrados podem assumir muitas formas e dimensões diferentes e podem ser verticais ou horizontais”: “A integração horizontal aplica-se a prestadores ou grupos que operam no mesmo nível (por exemplo, grupos de centros de cuidados de saúde primários). A integração vertical envolve reunir diferentes níveis da estrutura hierárquica sob um único ‘guarda-chuva’ de gestão (por exemplo, cuidados secundários e comunitários) com o objetivo de fornecer um continuum de cuidados primários, agudos e pós-agudos dentro de uma única estrutura organizacional. Na integração vertical, a governação, o planeamento e a atribuição de recursos aos cuidados são realizados pela mesma organização.”

O artigo publicado na revista “Frontiers in Public Health” apresenta a integração vertical no Serviço Nacional de Saúde (SNS) operacionalizada pela Direção Executiva, órgão então comandado por Fernando Araújo, em 2023 e 2024. “Apoiada na experiência anterior com organizações de saúde verticalmente integradas em Portugal e nas melhores práticas da literatura, a Direção Executiva (DE) do Serviço Nacional de Saúde (SNS) português está a implementar uma nova abordagem na integração vertical”, pode ler-se. O artigo é assinado por Francisco Goiana-da-Silva, Juliana Sá, Miguel Cabral, Raisa Guedes, Rafael Vasconcelos, João Sarmento, Alexandre Morais Nunes, Rita Moreira, Marisa Miraldo, Hutan Ashrafian, Ara Darzi e Fernando Araújo.

De acordo com os autores, “a integração pode levar a menos duplicação e desperdício, a uma prestação de serviços mais flexível e a uma melhor coordenação e continuidade dos cuidados. Pode encorajar abordagens mais holísticas e personalizadas às necessidades de saúde, especialmente para doentes complexos, como os idosos e aqueles com múltiplas doenças crónicas.” “O cuidado integrado também é considerado uma estratégia para aumentar a continuidade do cuidado, com ênfase na prevenção e na gestão da doença. Isto é conseguido mudando o foco dos cuidados para a comunidade e os cuidados primários, em vez do hospital, e até mesmo mudando a forma como funcionam os departamentos de acidentes e emergências nos hospitais.”

Contudo, as “armadilhas da integração vertical merecem consideração”: “Existe o risco de escalada de preços em vez de redução, especialmente em contextos em que a integração vertical reduz a competitividade ou quando serviços e bens fora dos pagamentos agrupados estão envolvidos na integração vertical. Além disso, vários atributos do sistema e fatores de mercado podem influenciar os resultados dos esforços de integração vertical. Isso inclui mudanças na composição dos médicos ou da equipa de saúde, planos de saúde dos doentes, níveis de consolidação do mercado, políticas de pagamento, tecnologia de saúde e práticas organizacionais. Abordar estas complexidades é crucial para otimizar os resultados das iniciativas de integração vertical e mitigar potenciais efeitos adversos”, aponta-se no artigo.

Entendem os autores que as “tentativas com maior alcance são mais promissoras do que focar apenas em uma doença ou grupo”. Em Portugal, a Direção Executiva estendeu a todo o país o modelo ULS.

Unidade Local de Saúde (ULS) não é um conceito novo em Portugal: “Portugal iniciou as suas primeiras tentativas de integração vertical nos cuidados de saúde no final da década de 90. Foi desenvolvida uma nova estrutura integrada de cuidados de saúde, reunindo unidades de cuidados primários e hospitais da mesma região sob a mesma liderança, orçamento e objetivos”.

Os autores referem que as ULS têm autonomia administrativa, financeira e patrimonial e que o seu objetivo final é melhorar a ligação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados especializados. “Isto acontece através da integração da prestação e gestão de todos os níveis de saúde de uma determinada área geográfica, garantindo que ambos estejam alojados na mesma instituição.”

Os autores esclarecem, depois, quanto à história recente: “Em 2022 foi aprovado um novo estatuto do SNS. Criou-se uma direção executiva para o SNS, baseada na necessidade de simplificar a estrutura organizacional dos serviços de saúde que, até então, se baseava em múltiplas camadas e instituições verticais.” Esta reforma visou também garantir que “todo o SNS funciona em rede, papel que se revelou crucial no combate à pandemia da COVID-19”.

“Em agosto de 2023, o governo português anunciou a expansão do modelo ULS a todo o SNS para 2024, criando 31 novas ULS além das 8 já em funcionamento. Antes da reforma atual, as ULS prestavam cuidados a uma população de mais de 1 milhão de habitantes, cerca de 10% da população nacional. Isto implica a organização do SNS em 39 ULS, além de três institutos de oncologia (em Lisboa, Porto e Coimbra) e do Hospital de Cascais, gerido em parceria público-privada. Isto representará uma racionalização e achatamento da estrutura hierárquica, que será agora composta por 44 intuições, menos de metade da organização anterior”, lê-se no artigo.

O processo de mudança envolveu 27 grupos de trabalho com reuniões semanais, conselhos de gestão hospitalar, conselhos clínicos e de saúde. “Vários deles foram mais longe e criaram processos participativos com os trabalhadores da linha da frente para construir de baixo para cima o que cada ULS deveria ser e como se organizar. Na verdade, os grupos de trabalho que desenvolveram um plano de negócios para as suas ULS foram motivados pela DE do SNS a adaptar o seu plano às características específicas da sua população e dos seus profissionais.”

Os autores sublinham que são esperados “efeitos positivos na saúde, através da otimização e integração dos cuidados, proximidade dos cuidados, autonomia de gestão, reforço dos cuidados de saúde primários e foco nos utentes. Esta reorganização aproximará o ponto de atendimento e o primeiro nível de um órgão executivo de decisão. Também diminuirá o âmbito geográfico médio que o primeiro nível de um órgão executivo de tomada de decisão terá de cuidar, permitindo assim um maior foco e uma gestão mais personalizada. A coordenação com as autoridades locais e o papel dos cidadãos também serão reforçados com esta estratégia.”

No artigo, reconhece-se que poucos estudos identificam áreas para melhoria nas ULS existentes. “Uma dessas considerações é que o modelo financeiro, até agora, não considerava características sociodemográficas importantes, a distribuição das doenças nos diferentes grupos etários e as necessidades da população. Esta questão está a ser abordada com um novo modelo de financiamento que propõe uma abordagem baseada nas necessidades da população, visando uma intervenção centrada no cidadão. Ao mesmo tempo que promove a mitigação de episódios agudos evitáveis e de hospitalizações associadas. Essa lógica valoriza a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o diagnóstico precoce, o tratamento atempado e a reabilitação adequada. Outra consideração é a necessidade de uma melhor integração entre pessoas, com foco no usuário”, acrescentam os autores.

A expansão do modelo ULS, “ainda que baseada numa avaliação criteriosa dos prós e contras e na evidência científica internacional, requer uma avaliação independente com vista à melhoria contínua da transformação em curso. Uma universidade pública independente conduzirá o processo de avaliação com análise comparativa, dados quantitativos e qualitativos.”

O artigo termina com a conclusão de que a literatura “carece de relatos de integração vertical tão extensos quanto a abordagem do SNS de Portugal. Experimentos parciais mostram efeitos positivos na eficiência, eficácia e resultados de saúde. No entanto, é importante considerar os riscos inerentes ao modelo e garantir um apoio adequado em termos de promoção da real integração dos cuidados. É necessária uma abordagem que abranja todo o sistema de saúde, o que inclui a participação de ambos governo e sociedade.”

Pode ler o artigo na íntegra aqui.

HN/RA

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