Primeira bebé-proveta do mundo aplaude filme sobre a aventura que a fez nascer

26 de Novembro 2024

Os primeiros e fraturantes passos da fertilização in vitro e o contributo decisivo de uma embriologista menos conhecida são contados no filme “Joy”, que surpreendeu até a primeira criança nascida desta técnica, como reconheceu a própria à Lusa.

“Até eu aprendi coisas sobre os acontecimentos que levaram ao meu nascimento em 1978”, afirmou Louise Brown, que tem acompanhado com especial entusiasmo o filme que a plataforma Netflix lançou na passada sexta-feira e que foi o mais visto no Reino Unido no fim de semana seguinte.

O filme conta a história da equipa pioneira na fertilização in vitro (FIV), composta pelo cientista Robert Edwards, o cirurgião Patrick Steptoe e a enfermeira e embriologista Jean Purdy, e a forma como se uniram na determinação de fazer bebés em laboratório para contornar a infertilidade, uma doença até então incontornável em certos casos.

A fita revela ainda o salto no escuro que dezenas de mulheres deram com o propósito único de serem mães, sujeitando-se a tratamentos até então desconhecidos e com margens de sucesso muito baixas, além de complicações frequentes, como as gravidezes ectópicas.

Apesar de menos conhecida do que os outros dois membros da equipa, e durante anos ignorada por uma parte da comunidade científica, Jean Purdy representou a união entre a ciência e o sentimento vivido pelo “clube do óvulo”, como assim se autoproclamaram as candidatas a mães.

Louise Brown não se recorda de Jean Purdy, que morreu de cancro aos 39 anos, mas tem dela outras memórias: “Ela enviou algumas cartas maravilhosas à minha mãe no Natal e disse coisas adoráveis sobre a minha mãe e a sua determinação para que a FIV fosse um sucesso”.

Em entrevista por escrito à Lusa, Louise Brown disse que “Bob Edwards e Patrick Steptoe sempre quiseram que Jean Purdy fosse reconhecida como parte da equipa pioneira”.

“Ela observou num microscópio a divisão das células que se transformaram em mim, enquanto Patrick Steptoe estava na festa de aniversário da sua mulher, e alertou-os quando o embrião estava pronto para ser transferido”, afirmou.

E acrescentou: “Eu participei na campanha para que ela fosse reconhecida e foi com orgulho que inaugurei um novo memorial na sua campa, descrevendo o seu papel como a primeira embriologista clínica do mundo. Espero que o filme ajude mais pessoas a reconhecerem o seu papel”.

Prova da relutância da comunidade científica em aceitar o papel de Jean Purdy foi o facto de, durante anos, a placa no Hospital Kershaw’s Cottage alusiva à técnica pioneira apenas conter os nomes de Bob Edwards e Patrick Steptoe, apesar da insistência do primeiro, documentada em cartas que foram objeto de uma exposição na Universidade Cambridge.

Apenas em 2015, cinco anos após Bob Edwards ter recebido o Prémio Nobel da Medicina pelo feito, a Real Sociedade Britânica de Biologia substituiu a placa por uma outra em que já constam os três nomes.

Jean Purdy foi, inclusive, a que mais consequências negativas teve por participar neste projeto, incluindo da parte da comunidade onde vivia e da própria mãe, que a certa altura lhe deu a escolher entre a investigação e a família.

Louise Brown está satisfeita com o filme e com a forma como o mesmo está a ser recebido.

“Claro que estou tão perto da história que é difícil para mim julgar. Os atores fizeram um excelente trabalho ao representar os três pioneiros e tive o prazer de os conhecer e passar algum tempo com eles”, contou.

E deixa uma sugestão: “Nunca devemos esquecer as muitas mulheres corajosas que fizeram parte do desenvolvimento da FIV. A maioria não teve um bebé, algumas tiveram o trauma de uma gravidez ectópica”.

Para Louise Brown, cada uma destas mulheres “contribuiu para que a FIV se tornasse realidade e para que a esperança e a alegria que hoje proporciona criassem famílias em todo o mundo”.

Os pais de Louise – Leslie e John Brown – tentaram durante nove anos engravidar, sem sucesso. Coube à equipa Steptoe, Edwards e Purdy proporcionar-lhes um filho através da FIV, um método que começaram a desenvolver na década anterior e que consiste na junção, em laboratório, dos óvulos com os espermatozoides, com posterior transferência dos embriões para o útero.

Desde o nascimento de Louise Brown, nasceram milhões de crianças através desta e outras técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA). Em Portugal, o primeiro nascimento ocorreu em 1986.

NR/HN/Lusa

 

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