O Professor Joaquim Ferreira, Neurologista e Vice-Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, apresentou uma análise aprofundada sobre os desafios e oportunidades da inovação farmacêutica no contexto atual da saúde global. A sua intervenção, realizada no âmbito do 10º Congresso Internacional dos Hospitais, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH), abordou temas cruciais como o acesso a novos medicamentos, os custos associados à inovação e o impacto destas questões na sociedade e nos sistemas de saúde.
Ferreira iniciou a sua apresentação reconhecendo a complexidade do tema e a necessidade de uma abordagem cuidadosa. Ele destacou que a questão do acesso à inovação farmacêutica não é simples e envolve múltiplos fatores, incluindo pressões sociais, políticas e económicas. O professor também fez questão de declarar o seu envolvimento com a indústria farmacêutica, enfatizando a importância desta colaboração para o desenvolvimento de novos medicamentos.
Um dos pontos centrais da sua intervenção foi a discussão sobre o valor da inovação “a qualquer preço”. Ferreira argumentou que é impossível sustentar um modelo onde todos os medicamentos inovadores são disponibilizados sem considerar os custos e o impacto orçamental. Ele ilustrou este ponto referindo-se às doenças oncológicas raras e a algumas doenças imunológicas, onde já se observam desafios significativos em termos de custos e acesso.
Joaquim Ferreira prevê que os futuros desafios na área da inovação farmacêutica estarão relacionados com doenças que afetam um grande número de pessoas e que têm um impacto significativo na qualidade de vida. E especialista mencionou especificamente as doenças neurodegenerativas como um exemplo deste cenário futuro.
Ferreira também abordou a questão da definição de inovação, destacando que este conceito pode variar significativamente entre diferentes países e sistemas de saúde. A inovação pode incluir desde novas formas de administração de medicamentos existentes até terapias completamente novas que oferecem benefícios substanciais em termos de saúde.
Para ilustrar os desafios atuais e futuros, o professor utilizou o exemplo da doença de Huntington, uma condição neurodegenerativa genética. Apesar do conhecimento detalhado sobre a genética e a proteína envolvida nesta doença, os ensaios clínicos recentes para um tratamento promissor não tiveram sucesso. Este exemplo destaca a complexidade do desenvolvimento de novos medicamentos, mesmo quando a base científica parece sólida.
O professor também discutiu o caso da doença de Alzheimer, mencionando um novo medicamento chamado lecanemab, um anticorpo monoclonal que demonstrou eficácia na remoção de proteínas amiloides do cérebro e na desaceleração da progressão da doença. No entanto, Ferreira apontou que o custo deste medicamento – cerca de 25.000 euros por doente por ano nos Estados Unidos – representa um desafio significativo para os sistemas de saúde.
Utilizando números estimados, o professor ilustrou a magnitude do problema: com aproximadamente 130.000 doentes com Alzheimer em Portugal, mesmo que apenas 10% fossem candidatos ao tratamento, o custo seria astronómico. Expandindo para a escala europeia, com potencialmente 5 milhões de candidatos ao tratamento, fica claro que o acesso universal a tais terapias inovadoras é financeiramente insustentável nos moldes atuais.
Ferreira também abordou a questão da avaliação do valor terapêutico dos novos medicamentos. Ele criticou os métodos atuais, como o uso de QALYs (Anos de Vida Ajustados pela Qualidade), argumentando que estes instrumentos, embora úteis em certos contextos, podem ser inadequados para avaliar terapias que modificam o curso de doenças progressivas como o Alzheimer. O professor enfatizou a necessidade de desenvolver melhores métodos para avaliar o benefício real destas novas terapias, especialmente quando se trata de comparar entre diferentes doenças e condições.
Um aspeto importante destacado pelo palestrante foi a necessidade de pensar a longo prazo – numa perspetiva de 20 anos – ao abordar estas questões. Joaquim Ferreira argumentou que é crucial encontrar formas de reduzir os custos de desenvolvimento de medicamentos, sugerindo abordagens como ensaios adaptativos e o uso de plataformas de ensaios que possam testar múltiplos compostos similares, economizando recursos.
O Docente também defendeu a necessidade de garantir um acesso mais precoce à verdadeira inovação, ao mesmo tempo que se repensa a forma como se define e mede a utilidade dos novos tratamentos. O também Diretor Clínico do CNS-Campus Neurológico enfatizou a importância de ter bons registos de saúde e de desenvolver instrumentos mais sofisticados para medir os ganhos em saúde de uma forma mais realista e próxima da experiência dos doentes.
Ferreira reconheceu que, do ponto de vista individual, é natural que as pessoas queiram ter acesso aos tratamentos mais avançados para si ou para os seus familiares. No entanto, argumentou ser necessário um planeamento cuidadoso e uma abordagem sistemática para gerir o acesso a terapias inovadoras de forma sustentável.
Joaquim Ferreira sugeriu que é possível fazer a diferença nesta área, mas que isso requer uma colaboração mais estreita entre todas as partes interessadas – desde as faculdades de medicina e a indústria farmacêutica até aos reguladores e pagadores. O Neurologista mencionou a possibilidade de modelos de partilha de risco, mas enfatizou que as soluções necessárias são muito mais complexas e abrangentes do que simples acordos financeiros.
O professor concluiu a sua intervenção reiterando que, embora os desafios sejam significativos, é possível melhorar a situação atual.Enfatizou a necessidade de uma abordagem multifacetada que inclua repensar os modelos de desenvolvimento e avaliação de medicamentos, melhorar os sistemas de registo e monitorização de saúde, e desenvolver novos modelos de financiamento e acesso a terapias inovadoras.
Ferreira também destacou a importância de considerar não apenas o custo dos medicamentos em si, mas todo o ecossistema de cuidados necessários para a sua administração eficaz. Isto inclui equipas multidisciplinares, infraestruturas de saúde adequadas e sistemas de monitorização contínua dos resultados.
O professor abordou ainda a questão da equidade no acesso a tratamentos inovadores, reconhecendo que existe uma tendência para que as doenças mais raras ou mediáticas recebam mais atenção e recursos, o que pode levar a desigualdades no sistema de saúde. Ferreira argumentou que é necessário um sistema mais justo e equilibrado que considere o impacto global na saúde pública ao tomar decisões sobre o financiamento e acesso a novos tratamentos.
Um aspeto importante da apresentação de Joaquim Ferreira foi a discussão sobre a necessidade de melhorar a forma como se mede e avalia o benefício dos novos tratamentos, argumentando que os métodos atuais, como os QALYs, podem não capturar adequadamente o valor de terapias que modificam o curso de doenças progressivas. O especialista sugeriu ser necessário desenvolver novos instrumentos de avaliação que possam refletir de forma mais precisa o impacto real dos tratamentos na vida dos doentes e dos seus cuidadores.
Ferreira também abordou a questão da sustentabilidade dos sistemas de saúde face aos custos crescentes da inovação farmacêutica, argumentando que é necessário um equilíbrio entre o incentivo à inovação e a capacidade dos sistemas de saúde de absorver os custos associados, apontando que novos modelos de financiamento e partilha de riscos entre a indústria farmacêutica e os sistemas de saúde poderiam ser parte da solução.
Um ponto interessante levantado por Joaquim Ferreira foi a necessidade de uma maior transparência no processo de desenvolvimento e precificação de novos medicamentos, apontando que uma melhor compreensão dos custos reais de desenvolvimento e produção poderia levar a discussões mais informadas sobre o preço justo para novas terapias.
O preletor também discutiu o papel da medicina personalizada e da genómica no futuro da inovação farmacêutica, sugerindo que estas abordagens podem levar a tratamentos mais eficazes e potencialmente mais económicos a longo prazo, mas também reconheceu os desafios associados à implementação destas tecnologias em larga escala.
Ferreira abordou ainda a importância da prevenção e da promoção da saúde como estratégias complementares à inovação farmacêutica, defendendo que investir em medidas preventivas e em estilos de vida saudáveis pode reduzir a carga de doenças crónicas e, consequentemente, a necessidade de tratamentos caros a longo prazo.
O professor discutiu também o papel da inteligência artificial e da análise de big data na aceleração do processo de descoberta e desenvolvimento de novos medicamentos afirmando que estas tecnologias podem potencialmente reduzir os custos e o tempo necessário para trazer novas terapias ao mercado.
Ferreira enfatizou a importância da colaboração internacional na abordagem destes desafios globais, defendendo que a partilha de dados, recursos e conhecimentos entre diferentes países e sistemas de saúde pode levar a soluções mais eficazes e equitativas.
Já a terminar, Joaquim Ferreira abordou o papel da educação médica contínua na otimização do uso de novos tratamentos afirmando ser crucial garantir que os profissionais de saúde estejam constantemente atualizados sobre as últimas inovações e as melhores práticas para a sua utilização.
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