Julian Perelman, economista e professor universitário, iniciou a sua intervenção na sessão de apresentação do Relatório do Observatório da Fundação Nacional de Saúde sublinhando que, à primeira vista, muitos dos pontos apresentados no documento pareciam estar de acordo com as expectativas ou até mesmo acima delas. No entanto, uma análise mais cuidada, trazia à tona questões sobre a implementação efetiva de algumas iniciativas. Por exemplo, mencionou o Plano Nacional de Saúde, que, apesar de ser uma ideia excelente, carece de metas concretas e de um acompanhamento político adequado. Da mesma forma, referiu a dedicação plena dos profissionais de saúde como uma boa ideia, mas questionou a clareza dos objetivos associados a esta medida.
O economista identificou dois temas principais no relatório, que ele descreveu como um “regresso aos fundamentos” do sistema de saúde. O primeiro destes temas é o retorno à ideia central dos centros de saúde e dos cuidados de saúde primários como elementos fundamentais do sistema. Perelman elogiou a proposta de dotar os centros de saúde com um maior leque de soluções, incluindo incentivos para respostas mais rápidas, a implementação de sistemas de triagem, a aposta no digital e a colaboração com assistentes sociais. Julian Perelman defendeu que esta abordagem não só é favorável à qualidade dos cuidados, mas também à eficiência do sistema, poupando recursos.
Perelman destacou um exemplo positivo desta abordagem na Unidade de Saúde de Coimbra, sugerindo que estas melhorias são alcançáveis no contexto atual, não sendo apenas propostas teóricas.
O segundo tema fundamental identificado por Perelman foi o da integração do sistema de saúde, observando uma crescente fragmentação, não apenas dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas em todo o sistema de saúde, com um número cada vez maior de atores a prestar cuidados, incluindo autarquias, farmácias e clínicas privadas. Neste contexto, o economista considerou crucial o regresso à ideia de integração de cuidados.
Perelman abordou a discussão sobre os centros de atendimento clínico, afirmando que a principal crítica a estes centros não é a envolvência do setor privado em si, mas sim o facto de estarem completamente desligados dos centros de saúde e dos hospitais, não havendo percursos clínicos integrados. Julian Perelman enfatizou a importância de uma abordagem integrada, especialmente considerando o número crescente de atores envolvidos na prestação de cuidados de saúde.
O economista também destacou a questão do financiamento como um aspeto fundamental que precisa de ser reconsiderado. Julian Perelman defendeu que o financiamento não pode estar desligado dos objetivos e do quadro de desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde, nem dos objetivos de bem-estar da população. Perelman denunciou a existência de uma dificuldade persistente em alinhar a distribuição de recursos financeiros com os objetivos declarados para o país e para a saúde pública. O também investigador notou que, frequentemente, quando se analisa o Orçamento do Estado, encontra-se uma série de objetivos e prioridades, mas a distribuição efetiva do dinheiro nem sempre reflete essas prioridades, indo muitas vezes para as grandes instituições hospitalares sem uma clara ligação aos objetivos estratégicos.
Perelman abordou também a questão da saúde em todas as políticas, um conceito que considera fundamental mas que não foi suficientemente desenvolvido no relatório defendendo ser essencial reconhecer que a saúde está relacionada com diversos fatores, como as condições de habitação, as condições de trabalho, os rendimentos, a escolaridade e o contexto social. O economista defendeu a importância de regressar a este conceito base e considerar como os vários setores, além da saúde, podem contribuir para melhorar a saúde da população.
Um ponto crítico levantado por Perelman foi o da necessidade de considerar o que está a acontecer no sistema de saúde como um todo, incluindo o setor privado, ao pensar nas reformas necessárias para o Serviço Nacional de Saúde. O economista observou que o setor privado tem demonstrado uma capacidade notável de atrair recursos, não apenas em termos de profissionais de saúde como médicos, enfermeiros e técnicos, mas também em termos de gestores e pensadores talentosos da área da saúde.
O palestrante questionou por que razão o setor privado consegue atrair jovens profissionais talentosos, sugerindo que esta é uma questão crucial sobre a qual é necessário refletir defendendo que, enquanto o setor privado permanecer desregulado, estará sempre na dianteira, deixando o Serviço Nacional de Saúde em desvantagem. Perelman enfatizou que as reformas necessárias no SNS, mesmo que gerem poupanças a longo prazo, exigem investimento significativo, vontade política e muito trabalho no curto prazo. Ele sugeriu que o Observatório do Futuro deveria debruçar-se sobre a questão do setor privado e a falta de regulação adequada, argumentando que sem isso, a concorrência nunca será favorável ao serviço público.
Perelman partilhou uma experiência recente de uma visita a Bruxelas, onde participou numa discussão sobre políticas de medicamentos. O Docente universitário afirmou ter questionado funcionários da Comissão Europeia sobre o futuro da política europeia de saúde. A resposta que recebeu indicava um foco significativo na competitividade da economia europeia e em como o setor da saúde poderia contribuir para as exportações, inovação tecnológica e competitividade da Europa.
O economista expressou preocupação com esta abordagem, argumentando que, embora compreenda os desafios económicos que a Europa enfrenta, a competitividade e a inovação não podem ser as únicas prioridades dos sistemas de saúde europeus, apontando para uma aparente dissociação entre o foco em inovações altamente sofisticadas (como terapias génicas, aplicações de inteligência artificial) e as necessidades básicas de saúde que muitos cidadãos enfrentam.
Perelman ilustrou esta dissociação com exemplos concretos: enquanto se fala de terapias inovadoras e empresas portuguesas participando em investigações de ponta, existem problemas básicos não resolvidos, como utentes sem médico de família, grávidas que chegam ao parto sem acompanhamento pré-natal, longas filas nas urgências e surtos de doenças preveníveis por vacinação. Julian Perelman defendeu que esta situação cria um sentimento de desconexão e até mesmo de raiva entre a população, que ouve falar de avanços médicos impressionantes, mas enfrenta dificuldades em aceder a cuidados básicos.
O economista alertou para as potenciais consequências políticas desta dissociação, sugerindo que pode levar a um sentimento de desconfiança e frustração com o sistema de saúde e com as instituições em geral, sublinhando a necessidade de encontrar um equilíbrio e um rumo que faça sentido na vida quotidiana das pessoas.
Perelman concluiu a sua intervenção defendendo ser crucial voltar a focar nas necessidades reais e experiências vividas pelos cidadãos sugerindo que conceitos como “medicina personalizada” ou “medicina centrada no doente” devem ser traduzidos em melhorias concretas que as pessoas possam sentir no seu dia-a-dia, em vez de permanecerem como ideias abstratas ou inovações tecnológicas distantes da realidade da maioria da população.
MMM
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