“Quanto mais competição houver, vai propiciar uma maior probabilidade de haver lesões. Ultimamente, tem-se notado que há uma maior quantidade de jogos. Se calhar, está na altura de pararmos um bocadinho e ponderarmos a repercussão desse aumento enorme na integridade física dos atletas”, frisou à agência Lusa o médico João Pedro Mendonça.
Na primeira metade da temporada, diversos clubes dos principais campeonatos europeus estiveram condicionados com maior ou menor gravidade por várias lesões, sobressaindo Manchester City, Arsenal, Real Madrid, FC Barcelona, Bayern Munique, Leipzig, Borussia Dortmund, Atalanta, Juventus, AC Milan, de Sérgio Conceição, e o campeão português Sporting.
“[O desgaste] Tem um efeito cumulativo de ano para ano. Mais cedo ou mais tarde, muito provavelmente um jogador que teve menos férias em anos seguidos poderá estar mais propenso a sofrer uma lesão, nomeadamente muscular e não tanto traumática”, avaliou.
Acreditando que as equipas técnicas “têm cada vez de dar mais ênfase à recuperação do que propriamente ao treino” em períodos de elevada densidade competitiva, de forma a prevenir mais ocorrências clínicas, João Pedro Mendonça nota que as lesões musculares são as mais frequentes na modalidade e têm a ver com o estilo de vida de cada jogador.
“O Cristiano Ronaldo é o exemplo personificado de um atleta que sempre se preparou a todos os níveis e com pormenor para evitar lesões. Agora, cada caso é um caso. Estou a lembrar-me daqueles que têm um comportamento compatível com a atividade desportiva, mas, infelizmente, por várias vicissitudes, lesionam-se”, disse, evocando o avançado dos sauditas do Al Nassr e capitão da seleção nacional, que, com quase 40 anos e mais de duas décadas como profissional, parece continuar imune a problemas físicos relevantes.
O vice-presidente e diretor clínico do Nacional, da I Liga, não tem dados para quantificar os custos com lesões de um clube numa época, mas avisa que as consequências de um ativo estar parado dependem da sua influência e da extensão do problema em questão.
“É verdade que estes trabalhadores têm regalias e um ordenado completamente diferente da maioria do cidadão comum, razão pela qual, se calhar, a entidade patronal julga-se no direito de exigir mais. Mesmo assim, três semanas de férias por ano seria o correto em termos laborais. Os atletas de elite, que fazem parte das seleções e dos clubes que estão a ter este incremento de jogos, ficam ultimamente com menos tempo de descanso. Esse tempo não devia ser descurado, até porque é importante, não só como merecimento do trabalhador, mas para precaver lesões e cuidar melhor do seu físico e da saúde”, alertou.
A FIFA alargará o número de participantes nos Mundiais de clubes, de sete para 32, com um novo formato quadrienal a partir do próximo verão, e de seleções, de 32 para 48, em 2026, enquanto a UEFA incluiu esta época 36 equipas nas remodeladas fases de liga da Liga dos Campeões, Liga Europa e Liga Conferência, todas previamente jogadas por 32, acrescentando ainda de forma inédita os quartos de final à fase final da Liga das Nações.
“É verdade que os espetadores gostam de ver e, às vezes, até costumo dizer que a maior parte dos futebolistas gosta mais de jogar do que treinar, embora não devamos cair em exageros. Não se deve pensar só que quanto mais jogos houver, melhor, porque há mais receitas. A competição tem de ser vista também no aspeto qualitativo e, para que essa qualidade exista, o atleta tem de estar em boas condições”, pediu João Pedro Mendonça.
Por causa da “exagerada carga competitiva” do calendário internacional, a Associação de Ligas Europeias, liderada por Pedro Proença, igualmente presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e candidato às eleições da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), e a Federação Internacional de Associações de Futebolistas Profissionais (FIFPro) apresentaram há três meses uma queixa na Comissão Europeia contra a FIFA.
“É um tema francamente atual e dos mais prementes. Os clubes têm de pensar que não basta só encher estádios a nível de quantidade de jogos, mas que os espetadores têm alguma exigência e esta tem a ver com a qualidade com que o produto é exibido”, traçou.
A relação entre densidade competitiva e lesões será debatida pela AMEF em outubro, no primeiro Congresso Ibérico, coorganizado com a congénere espanhola, por ocasião do 30.º aniversário daquela associação comandada desde 2009 por João Pedro Mendonça.
“Vamos pôr médicos, atletas e dirigentes a falar em conjunto com a intenção de ser uma mesa-redonda consequente, no sentido de que a prevenção possa ser cada vez mais cuidada e esta exagerada quantidade de jogos seja devidamente ponderada”, finalizou.
lusa/HN
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