Cólera em África: ressurgimento expõe falhas de financiamento

23 de Fevereiro 2025

O ressurgimento da cólera em África, impulsionado pelas alterações climáticas e conflitos, revela falhas crónicas de financiamento. Com mais de 175.000 casos em 2024, a doença expõe a necessidade urgente de investimento em infraestruturas de água e saneamento.

A África enfrenta uma ressurgência alarmante de cólera, com as alterações climáticas e os conflitos a alimentarem surtos devastadores em todo o continente. Em 2024, mais de 175.000 casos de cólera e 2.700 mortes foram registados nos países da África Austral e Oriental, tornando-se no surto de cólera mais mortífero nessa região na última década, de acordo com um relatório recente das Nações Unidas.

Os números de casos foram mais elevados na República Democrática do Congo (RDC), Etiópia, Somália, Zâmbia e Zimbabué. Estes surtos foram impulsionados por uma combinação de fatores, incluindo escassez de água, problemas de infraestrutura, inundações recorrentes e conflitos.

A situação continua a agravar-se em 2025, com 14 países a reportarem surtos ativos de cólera, incluindo um novo surto em Angola e um ressurgimento de casos no Uganda e na Zâmbia.

Progressos Insuficientes
Um estudo publicado no BMJ Global Health avaliou a implementação do quadro regional 2018-2030 para a prevenção e controlo da cólera pelo escritório africano da Organização Mundial de Saúde (OMS-AFRO). Os resultados revelaram que, cinco anos após o início da iniciativa, o progresso regional global era de apenas 53% – muito abaixo do necessário para atingir a meta da ONU de eliminar a cólera até 2030.

Philippe Barboza, líder da equipa do programa de cólera da OMS, explica que a persistência da cólera em África se deve a vários desafios interligados:

“O desenvolvimento insuficiente de infraestruturas de água, saneamento e higiene (WASH), lacunas persistentes de financiamento e sistemas de saúde fracos têm dificultado os esforços. O controlo da cólera raramente é priorizado fora das respostas de emergência, tornando difícil a eliminação a longo prazo”.

Financiamento e Infraestruturas
O estudo recomenda o estabelecimento de um Fundo Africano para a Cólera sob a égide da União Africana e da OMS-AFRO para financiar iniciativas sustentáveis de prevenção e resposta à cólera.

Jackson Musembi, gestor de projetos do Programa de Segurança Sanitária Global da Amref Health Africa, destaca a gravidade da situação: “Apenas 31% dos países africanos implementaram intervenções de qualidade da água, deixando milhões vulneráveis a fontes de água inseguras. Enquanto isso, apenas 16% dos países financiaram totalmente os seus Planos Nacionais de Cólera, com a maioria a depender do apoio de doadores”.

Impacto das Alterações Climáticas e Conflitos
As alterações climáticas estão a agravar a situação, levando a eventos meteorológicos extremos, como inundações, que contaminam as fontes de água. Em vários países, os conflitos também estão a aumentar a propagação da cólera, forçando as pessoas a viver em campos sobrelotados com saneamento precário.

Barboza explica: “As alterações climáticas não causam diretamente a cólera, mas agravam os surtos ao perturbar as fontes de água e limitar o acesso a água limpa”.

Soluções Propostas
O estudo apela à integração do controlo da cólera em programas de longo prazo, como os de erradicação da poliomielite e da malária. A expansão dos programas de vacinação e o apoio à produção local de vacinas são também parte da solução, juntamente com o investimento em infraestruturas WASH.

No Gana, apenas um quarto das famílias tem acesso a instalações sanitárias de uso exclusivo, segundo Yaw Attah Arhin, especialista em água, saneamento e higiene da World Vision Ghana. Ele enfatiza: “O saneamento e a higiene precários devem ser combatidos ao nível da comunidade para quebrar o ciclo de transmissão da cólera”.

A luta contra a cólera em África requer um esforço concertado e sustentado, com foco no investimento em infraestruturas, financiamento adequado e adaptação às mudanças climáticas. Só assim será possível alcançar o objetivo de eliminar esta doença mortal até 2030.

NR/HN/Alphagalileo

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