A Semana Europeia da Imunização, que decorre de 27 de abril a 3 de maio, serve de mote para uma reflexão aprofundada sobre a importância da vacinação, com Henrique Lopes, Diretor do NOVA Center for Global Health da NOVA IMS, a desmontar mitos e a esclarecer factos essenciais. O especialista começa por afirmar que “a imunidade é muito mais do que um conceito médico abstrato, transformando-se numa espécie de escudo protetor essencial tanto a nível individual como coletivo”.
Um dos equívocos mais comuns é confundir imunidade individual com imunidade de grupo. “A imunidade individual é um mecanismo natural do corpo humano que lhe permite reconhecer e defender-se de agressões externas”, explica Henrique Lopes, acrescentando que “pode também atuar face a agressões internas, protegendo-nos de diversas doenças, nomeadamente oncológicas”. Este sistema sofisticado aprende a lidar com cada invasor, desenvolvendo respostas específicas, que podem ser reforçadas através da vacinação. “Com as vacinas, treinamos o sistema imunitário a reagir contra agressores específicos. Por isso, em algumas situações é necessário repetir a vacinação periodicamente porque os agentes infeciosos podem sofrer mutações. Há vacinas que devem ser administradas todos os anos, como a da gripe ou a da COVID-19, e outras que se repetem ao fim de uma década ou mais, como a do tétano, conforme a nossa memória imunológica se mantém e os agentes se modificam.” Já a imunidade de grupo “resulta na menor capacidade de propagação de uma doença infetocontagiosa num determinado grupo humano ou de outros animais, quando uma percentagem significativa dessa população está vacinada”. Henrique Lopes sublinha que esta funciona como uma barreira comunitária, e “quanto maior for o número de pessoas protegidas no grupo, menor será a probabilidade de um vírus ou bactéria se espalhar a terceiros elementos do grupo”.
Outro mito recorrente é a ideia de que, ao vacinarmo-nos, apenas protegemos a nossa própria saúde. “Vacinar-se, além de proteger-se é assumir um compromisso com os outros. Com os mais frágeis. Com o sistema de saúde. Com a sociedade”, destaca Henrique Lopes, alertando que a recusa em vacinar coloca em risco não só o próprio, mas também todos os que o rodeiam.
Sobre o impacto das vacinas, o especialista é categórico: “As vacinas mudaram o curso da história da humanidade”. Para Henrique Lopes, são “o maior contributo clínico para o aumento da esperança média de vida”, prevenindo doenças potencialmente fatais ou incapacitantes e salvando, estima-se, entre dois a três milhões de vidas todos os anos. “Se hoje vivemos mais 30 ou 40 anos do que os nossos avós, não é apenas porque temos mais hospitais, mais médicos ou melhores tratamentos, é sobretudo porque aprendemos a prevenir. E entre todas as estratégias de prevenção clínica, as vacinas a par da água potável e da higiene foram, e continuam a ser, as mais eficazes. Permitem que mais crianças sobrevivam, que mais adultos envelheçam com saúde, e que os sistemas de saúde não fiquem tão sobrecarregados com doenças evitáveis.”
Questionado sobre doenças erradicadas graças à vacinação, Henrique Lopes recorda que a varíola foi completamente erradicada a nível mundial devido a um esforço internacional de vacinação. “A poliomielite está muito próxima de seguir o mesmo caminho, com apenas alguns casos a serem registados a nível internacional”, refere. Outras doenças, como o cancro do colo do útero causado pelo HPV, poderiam ser eliminadas, mas o principal obstáculo atual “não é técnico, mas sim político e sociológico: prende-se com a aceitação ou rejeição da vacinação por parte da população. Esses movimentos de rejeição colocam em causa a saúde de todos, porque poucas vacinas têm uma eficiência de 100%. Quando aumenta o número de pessoas não vacinadas, mesmo quem está vacinado passa a estar mais exposto ao risco de contágio”.
A desinformação é outro fator crítico. “A desinformação e a proliferação de notícias falsas são hoje os principais motores do aumento da rejeição à vacinação”, alerta Henrique Lopes. O regresso de surtos de sarampo em vários países europeus e nos Estados Unidos serve de aviso: quando a cobertura vacinal diminui, as doenças reaparecem.
Durante muitos anos, a vacinação foi vista como algo apenas para crianças. “Ao longo da vida, o nosso sistema imunitário precisa de reforço e atualização”, afirma Henrique Lopes, que sublinha a importância de vacinas como a da gripe, do tétano, do HPV, da pneumonia ou da zona (herpes zoster) para um envelhecimento saudável e com maior longevidade. “Envelhecer com saúde não é uma questão de sorte, é algo que se constrói. E as vacinas são parte essencial dessa construção”.
No que diz respeito à literacia sobre vacinação em adultos, Henrique Lopes é perentório: “A resposta é clara: não”. Embora muitos conheçam bem a vacinação infantil na altura em que são pais, a maioria desconhece que os adultos também devem manter o esquema vacinal atualizado. “A vacinação contra a gripe é recomendada em Portugal todos os anos para pessoas com mais de 60 anos, doentes crónicos de risco ou profissionais de saúde. E vacinas como as da pneumonia ou da zona (herpes zoster) são fundamentais para quem pretende envelhecer com menor risco de complicações graves e internamentos hospitalares.” O especialista sublinha ainda que “falta-nos ainda uma verdadeira cultura de vacinação ao longo da vida”, reforçando que “vacinar-se depois dos 40 ou dos 60 é tão importante como vacinar aos 4 meses”.
Por fim, Henrique Lopes destaca o papel da vacinação em massa na proteção das populações mais vulneráveis: “Pessoas imunocomprometidas, transplantadas, em tratamento com quimioterapia, a tomar medicamentos imunossupressores ou com doenças degenerativas, são exemplos de grupos que necessitam de especial atenção” devido à fragilidade do seu sistema imunitário. A vacinação, além de proteger diretamente, reduz a circulação de agentes infecciosos e a probabilidade de mutações perigosas, contribuindo para a prevenção de pandemias.
PR/HN/MM
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