Carlos Alves: “A terapêutica tripla em dose única diária favorece a adesão e qualidade de vida dos doentes com DPOC”

14 de Maio 2025

O pneumologista Carlos Alves, moderador da 2.ª edição da 'COPD Academy by Trelegy', destaca em entrevista exclusiva ao HealthNews os principais desafios e oportunidades no diagnóstico, acompanhamento e tratamento da DPOC em Portugal, defendendo uma abordagem multidisciplinar e inovadora.

HealthNews (HN) – Considerando a realidade nacional, quais são atualmente os principais obstáculos ao diagnóstico precoce da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica em Portugal e que medidas poderiam ser implementadas para os ultrapassar?

Carlos Alves (CA) – O diagnóstico precoce da DPOC continua a enfrentar diversos obstáculos. Muitos dos sintomas iniciais – como tosse crónica, expetoração e dispneia – são frequentemente subvalorizados, tanto pelos doentes, como por alguns profissionais de saúde.

A baixa realização de espirometrias nos cuidados de saúde primários, agravada pela falta de tempo e de recursos humanos nas consultas, são outros fatores a contribuir para o subdiagnóstico em Portugal, daquela que é a quarta causa de morte mundial. Acresce, ainda, o estigma associado ao tabagismo, que leva muitos doentes a evitarem procurar ajuda, e um desconhecimento generalizado sobre a doença.

Para ultrapassar estes desafios, seria fundamental investir na formação contínua de médicos de família e enfermeiros e garantir maior acesso à espirometria nos cuidados primários. Campanhas de sensibilização dirigidas à população sobre os sintomas respiratórios e o impacto da DPOC também são essenciais. Por fim, a inclusão de questionários de rastreio em consultas de rotina pode ser uma ferramenta simples e eficaz para detetar precocemente os doentes em risco.

HN – A DPOC exige uma abordagem multidisciplinar. Na sua opinião, como pode ser otimizada a articulação entre Pneumologistas, Médicos de Família, Internistas, Enfermeiros e Técnicos Especializados para garantir um seguimento mais eficaz dos doentes?

CA – Essa abordagem multidisciplinar é crítica para otimizar os resultados clínicos. Para ser otimizada, deve existir uma articulação mais efetiva entre os vários profissionais de saúde, com a implementação de estratégias e processos que promovam a comunicação, a partilha de informação e a definição clara de funções e responsabilidades.

A criação de protocolos locais de referenciação e seguimento, adaptados à realidade de cada Unidade Local de Saúde, é um primeiro passo essencial. Plataformas digitais partilhadas, como os registos clínicos eletrónicos integrados, facilitam a continuidade de cuidados e evitam redundâncias.

Por outro lado, a promoção de reuniões clínicas interdisciplinares regulares permitem alinhar estratégias, partilhar experiências e discutir casos complexos. As consultas multidisciplinares – envolvendo pneumologistas, médicos de família, internistas, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos de função respiratória – são particularmente eficazes no seguimento de doentes com maior complexidade. É, também, fundamental definir o papel de cada profissional no plano de ação individualizado do doente, promovendo a corresponsabilização e a coordenação dos cuidados.

HN – Que estratégias considera prioritárias para reduzir o número de exacerbações e melhorar o acompanhamento dos doentes após episódios agudos, tendo em conta os recursos disponíveis nos cuidados de saúde primários e hospitalares?

CA – A prevenção das exacerbações deve ser um dos principais objetivos clínicos. Esses episódios levam a um declínio acelerado e irreversível da função pulmonar, estando também associado a um aumento da mortalidade.

Assim, para alcançar esse objetivo, a escolha da terapêutica mais indicada para o “doente exacerbador” é, naturalmente, um fator crítico. Paralelamente, contribuir para a capacitação e literacia do doente, para que seja um gestor ativo da sua condição, é igualmente importante.

Nos cuidados de saúde primários, é essencial reforçar o papel das consultas de vigilância, com foco na adesão ao tratamento e na cessação tabágica. As equipas de enfermagem devem ser envolvidas ativamente na monitorização clínica. Adicionalmente, a reabilitação respiratória e a vacinação regular (gripe, VSR, COVID-19, pneumococo, tosse convulsa) são pilares fundamentais para reduzir o risco de novas exacerbações.

HN – Qual o papel dos cuidados de saúde primários no percurso do doente com DPOC, nomeadamente na prevenção, diagnóstico, referenciação e acompanhamento, e que lacunas ainda persistem neste contexto?

CA – Os cuidados de saúde primários (CSP) desempenham um papel central no percurso do doente com DPOC. Na prevenção, são os principais responsáveis pela promoção da cessação tabágica e pela vacinação. No diagnóstico precoce, devem identificar os sintomas sugestivos de DPOC, realizar espirometrias e proceder à avaliação clínica. Cabe-lhes, também, a referenciação adequada para pneumologia nos casos mais complexos ou não controlados.

No acompanhamento, os CSP são fundamentais na monitorização de sintomas, adesão à terapêutica inalada e cumprimento do plano vacinal. Contudo, persistem várias lacunas: o acesso à espirometria continua irregular, a reabilitação respiratória está pouco disponível, há sobrecarga dos profissionais e falta de sistemas de apoio à decisão clínica em tempo real. Além disso, continua a ser necessária mais formação específica sobre a gestão da DPOC neste nível de cuidados.

HN – De que forma iniciativas formativas como a ‘COPD Academy by Trelegy’ contribuem para a atualização científica e para a partilha de boas práticas entre profissionais de diferentes especialidades, e qual o impacto esperado na qualidade dos cuidados prestados aos doentes?

CA – A ‘COPD Academy by Trelegy’ tem um papel relevante na promoção da atualização científica contínua dos profissionais de saúde. Estas iniciativas permitem divulgar conhecimentos baseados na evidência, reforçar as guidelines e recomendações mais recentes e abordar as comorbilidades associadas à DPOC, valorizando a perspetiva dos médicos de família e internistas.

Ao fomentar a partilha de experiências entre especialidades, estes momentos criam espaços de colaboração e discussão que contribuem para uma abordagem mais holística e integrada do doente. O impacto esperado passa por uma maior uniformização na abordagem à DPOC, melhoria na adesão às recomendações clínicas, melhores cuidados prestados e maior motivação dos profissionais envolvidos para  gestão da DPOC.

É de saudar a iniciativa da GSK em promover iniciativas como esta, que claramente contribuem para aumentar a capacitação de todos os profissionais de saúde envolvidos na gestão da DPOC, com o impacto que isso acaba por ter nos resultados clínicos dos doentes.

HN – Tendo em conta os avanços recentes na terapêutica e nas ferramentas digitais, como a telemonitorização e a telereabilitação, que oportunidades identifica para melhorar a adesão ao tratamento e a qualidade de vida dos doentes com DPOC em Portugal?

CA – Os avanços na terapêutica, como a terapêutica tripla em dose única diária, oferecem aos doentes maior conveniência e simplicidade, fatores que favorecem a adesão. A telemonitorização, através de dispositivos conectados ou aplicações móveis, permite o seguimento remoto de sintomas e o envio de alertas precoces em caso de descompensação.

A telereabilitação é uma solução eficaz para doentes com mobilidade reduzida ou que vivem em zonas rurais, garantindo acesso à reabilitação respiratória. Aplicações digitais com lembretes, planos de ação e conteúdos educativos aumentam o envolvimento do doente no seu processo terapêutico. Estas ferramentas, quando bem integradas nos cuidados de saúde, têm o potencial de reduzir exacerbações, melhorar a qualidade de vida e reduzir os custos associados à doença.

MMM

 

 

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