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Mais escolas médicas ou mais demagogia?
A palavra “demagogia” vem do grego e significa na verdade “a arte ou a técnica de conduzir um povo.”
Mas podem assumir-se dois sentidos distintos para a demagogia.
Num sentido mais geral, pode ser qualquer tipo de técnica de discurso ou mesmo um estilo político que tem por intenção iludir e atrair as pessoas. Um político demagogo, um ministro por exemplo, pode apelar aos mais pobres, aos menos conhecedores ou aos mais crédulos, lançando promessas ou ideias que são falsas informações, as agora fake news.
Todavia a demagogia é, muitas vezes, uma forma que irrompe da crise ou da incapacidade do sistema de governo. Tudo depende dos objectivos e interesses do político.
E o uso de discursos vazios, ainda que possam causar impacto emocional na opinião pública, não têm nem conteúdo real, nem estratégia.
O País ouviu o Ministro do Ensino Superior, entre o despeitado e o irritado, dizer que a recusa das Escolas Médicas em aumentar o número de vagas para o ano lectivo 2020/21, foi ou era “uma mensagem claríssima que a abertura e a diversificação do ensino da Medicina deve ser feita através de novas ofertas por outras instituições, públicas e privadas”.
Mas como obviamente o Senhor Ministro não tem qualquer estratégia nem estudo que demonstre a necessidade de formar mais médicos, opta pela demagogia e dispara:
– “Temos de, gradualmente, ir garantindo a capacitação de outras instituições para abrirmos mais o ensino da Medicina, assim como reforçar as outras áreas da saúde naquilo que é o contexto da necessidade de abrir o ensino superior e ir dando mais oportunidades aos portugueses para se formarem nas mais variadas áreas.”
Provavelmente o Senhor Ministro não estava em Portugal quando o país delapidou recursos formando sucessivamente nutricionistas, psicólogos, licenciados em direito, professores, jornalistas, enfermeiros e médicos nos últimos anos, a todos lançando no desemprego, na emigração ou em trabalhos alternativos para sobrevivência e desilusão.
E o Senhor Ministro partilhará do imaginário popular de que há falta de médicos.
Portugal é o terceiro país da OCDE com o maior rácio de médicos por mil habitantes e o oitavo em termos de formação em Medicina.
Se não há capacidade de distribuição adequada de médicos pelo país, isso é porque os sucessivos governos prosseguem políticas de demagogia sem decisões planeadas, nem justificadas. E depois não compreendem os chamados “países frugais”, os tais países que procuram gerir bem as suas finanças, proventos e políticas económicas, culturais e sociais.
O Senhor Ministro do Ensino Superior quiçá entusiasmado pelo tele-trabalho “descoberto” com a pandemia COVID-19 deve ter admitido que se poderão formar médicos por tele-escola ou tele-qualquer coisa.
Por isso mesmo acrescentou que, “se as universidades públicas não estão interessadas, talvez esteja na altura de dar lugar às privadas”.
Ter-se-à esquecido que o ensino de medicina precisa de vivência e experiência hospitalar, de muita observação de doentes e estudo de casos clínicos. O país e as universidades que deveria tutelar avançaram bem recentemente para uma organização em centros hospitalares universitários.
E a tal pandemia COVID-19, com infectados ainda por identificar, pode ter a resposta para o Senhor Ministro do Ensino Superior. Lembramo-nos nós, profissionais de saúde, e lembra-se o País do que foram as respostas do SNS e do sector privado de saúde.
Talvez o lugar às privadas não seja assim tão desejável.
Nem para as famílias portuguesas que as pagarão, nem para os alunos sem garantia de treino e ambiente hospitalar, nem para os Portugueses…
Duas notas? Uma, com números, redondos, médicos inscritos na OM, cerca de 55 mil, médicos no SNS, ceca de 28 mil, médicos em exclusivo em sistema privado, cerca de 15 mil. Segunda? O ministro Manuel Heitor, nesta matéria como, pior, na matéria das “medicinas tradicionais” esquece com enorme e assustadora frequência que é também ministro da Ciência. Creio que ele sabe disso, mas “esquece-se”…