António de Sousa Uva Médico do trabalho, Imunoalergologista e Professor catedrático da NOVA (ENSP)

Teletrabalho: sofri um acidente de trabalho, e agora?

07/16/2020

[xyz-ips snippet=”Excerpto”]

Teletrabalho: sofri um acidente de trabalho, e agora?

16/07/2020 | Opinião

A perspectiva que faço do teletrabalho é a da Saúde Ocupacional ou, se se preferir, da Saúde e Segurança do Trabalho e não do Direito do Trabalho. Os acidentes não deviam ocorrer, mas ocorrem e, por certo, não será por trabalhar em casa que a probabilidade da sua ocorrência desaparece totalmente. Suponhamos:

Um trabalhador tem trabalhado no seu sótão, que adaptou na fase de confinamento, ao qual acede por uma escada-caracol e numa deslocação à sala para obter documentação do seu trabalho, cai e fractura o punho que mesmo após todas as acções terapêuticas e de reabilitação deixa sequelas com limitação considerável dessa articulação. No início, a quem e como comunica o acidente de trabalho? Como é seguido clinicamente? Trabalha sozinho e ninguém presenciou o acidente!

Em matéria de caracterização do acidente, poder-se-ão colocar muitas questões em contexto legal, mas julgo que não será posto em causa que se trata de um acidente de trabalho já que ocorre no local e no tempo de trabalho e se relaciona com as condições em que o trabalho é exercido e com a actividade desempenhada. Mas abordemos, por exemplo, os aspectos relativos à análise deste acidente na perspectiva da saúde e segurança:

……………………………………………………………………..

Quem a faz? Como se desloca e acede ao “local de trabalho” quem irá proceder à sua análise? Que capacidade de intervenção tem a entidade patronal nas habitações dos seus trabalhadores?

………………………………………………………………………….

Identificados factores de risco profissionais (agora designados “perigos”, o que é um perigo) como actua para os corrigir? Quem os corrige? Quem paga a correcção?

……………………………………………………………………….

Como pode o médico do trabalho decidir sobre a aptidão para o trabalho no contexto da vigilância inicial e periódica se não conhece as condições de trabalho do trabalhador?

………………………………………………………………………..

Como se concebe a situação de trabalho em função da capacidade restante do trabalhador?

…………………………………………………………………………..

O que verdadeiramente sei é que não sei responder a muitas perguntas e que o “objecto de estudo” (e de intervenção) da Saúde e Segurança do Trabalho se torna “invisível” e, por isso, serão colocadas muitas questões relativas à protecção da saúde (e segurança) dos trabalhadores que, por certo, algumas delas poderão até ser alvo de “litigância”.

Mas a perspectiva que agora pretendia destacar relaciona-se com “novas” situações de trabalho que podem ser adjectivadas como “atípicas” que, por certo, desafiarão todo o “edifício” técnico-normativo e legal o que deveria determinar, no mínimo, o mesmo empenho que, actualmente, se dá a dissertar sobre a percentagem de trabalhadores que poderá desempenhar as suas funções nesta nova (já velha) realidade. De facto, poder-se-iam chamar riscos (ou problemas) “emergentes” porque o que é novo é o número elevado de trabalhadores a quem se perspectiva tal modalidade de trabalho (e mesmo assim, em muitos casos, ainda virtualmente).

Problemas acrescidos se advinham para os aspectos da protecção (e da promoção) da saúde de quem trabalha e para os direitos e deveres de empregadores e de empregados que se espera que não se “uberizem”, ameaçando todo o “constructo” social neste domínio. Desde a 1ª revolução industrial que estas matérias foram sendo regulamentadas e até Otto von Bismark a elas dedicou muita atenção e, interessantemente, também nesse contexto dos acidentes de trabalho no âmbito do de uma abordagem de natureza social. E agora? Não antecipamos formas de lidar com o que, por certo, acontecerá?

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

APDP apresenta projeto “Comer Melhor, Viver Melhor” no Parlamento Europeu

Uma alimentação que privilegie um maior consumo de produtos vegetais, quando planeada equilibradamente, pode contribuir para melhorar os resultados em saúde nas pessoas com diabetes tipo 2, evidencia o projeto “Comer Melhor, Viver Melhor”, apresentado pela APDP no Parlamento Europeu no passado dia 18 de abril.

SIM recebeu 65 candidaturas às Bolsas Formativas

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) anunciou hoje que recebeu 65 candidaturas às Bolsas Formativas para apoio à frequência de cursos habilitadores à Competência em Gestão dos Serviços de Saúde.

Abertas inscrições para as jornadas ERS

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) vai realizar no próximo dia 23 de maio a terceira edição das Jornadas ERS – Direitos e Deveres dos Utentes dos Serviços de Saúde. As inscrições já se encontram abertas.

CUF assegura cuidados de saúde a atletas do Rio Maior Sports Centre

A CUF e a DESMOR celebraram um protocolo de cooperação que assegura a articulação do acesso dos atletas em treino no Rio Maior Sports Centre a cuidados de saúde nos hospitais e clínicas CUF. O acordo foi formalizado a 30 de abril no Centro de Estágios de Rio Maior.

Finalistas do concurso “Três Minutos de Tese” da UAlg já são conhecidos

A apresentação pública das candidaturas selecionadas na primeira fase do concurso “Três Minutos de Tese (3MT-UAlg)” vai realizar-se no dia 11 de maio, às 14h30, no anfiteatro 1.5 do Complexo Pedagógico do Campus da Penha. Foram selecionados 25 candidatos, dos 53 que se apresentaram a concurso.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights