Sónia Gaudêncio Psicóloga Clínica e Directora da ESTIMA + Especialidade em Psicologia Clínica e da Saúde; Psicogerontologia e NEE

As nódoas negras do coração

11/26/2021

Esta semana, com a celebração do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, muito se abordou esta temática tão importante em termos sociais, que é a violência doméstica. Infelizmente, algo que ainda continua a causar mortes e a fazer vítimas.

E são muitas ainda… aliás, quando se fala em violência doméstica, e em vítimas mortais, qualquer número será sempre muito elevado.

Mas queria aqui abordar uma outra realidade da violência doméstica, ainda menos visível e menos valorizada, até pelas próprias vítimas… que é a violência psicológica e emocional.

Frases como “pelo menos não me bate” não podem fazer parte dos pensamentos das vítimas, porque qualquer relacionamento onde exista humilhação constante, comentários depreciativos, privação da liberdade de um dos elementos, afastamento de familiares e amigos; controlo excessivo, ciúmes excessivos não é um relacionamento normal, nem saudável. Trata-se sim, de um relacionamento abusivo que vai ter consequências muito negativas para a vítima. Vai fazer com que se sinta perdida, confusa; muitas vezes que se sinta culpada por aquela situação (muitas vezes é o que o agressor faz questão de dizer…. “Tu é que me fazes fazer isto… a culpa é tua”). Não raras vezes, a vítima sente-se realmente incapaz, como se fosse desmerecedora de amor e que nunca ninguém fosse gostar dela. A violência psicológica e emocional deixa marcas devastadoras a longo prazo, arruinando a autoestima da vítima; dificultando o estabelecimento de relações interpessoais saudáveis; destruindo a autoconfiança e a confiança nos outros.

Falo-vos na vítima no feminino, porque ainda são a maioria dos casos nas estatísticas, mas sabemos que há também vítimas no masculino, que sofrem ainda mais, para conseguirem denunciar e assumir que são vítimas de violência doméstica, por todas as questões sociais e culturais relacionadas com o que ainda se associa aos estereótipos de género e aos papéis que homem e mulher desempenham na sociedade.

Penso precisamente, que é por aqui que deve começar esta luta contra a violência: na sociedade. Culturalmente, tem que deixar de ser aceitável que o homem bata na mulher, tal como vice-versa também não o é. E aqui é uma questão de mudança de mentalidades e de crenças, que muitas vezes estão enraizadas de tal forma, que demoram muito tempo a mudar.

Tem que se investir mais na prevenção. E esta começa na infância, nas escolas e na família, na transmissão de valores tão importantes como o direito à diferença; a aceitação das diferenças; o respeito pelo próximo. Importante também promover determinadas competências socioemocionais que sabemos ser fatores protetores relativamente a estas questões da violência: a autoestima; a empatia; a assertividade; a gestão emocional; o autocontrolo e a resiliência.

Acima de tudo, e dado o aumento da violência e da existência de relações abusivas já entre os jovens, ao nível do namoro, mas até mesmo das amizades, com os fenómenos de bullying e cyberbullying que surgem diariamente, é urgente dialogar com os adolescentes sobre o que é um relacionamento saudável e o que pode ou não ser aceitável numa relação.

Estes são apenas alguns dos passos que podemos dar, numa luta que diz respeito a todos… acabar com a violência no geral e especificamente com a violência doméstica.

Pode ser difícil o caminho, mas a ambição deve ser a construção de uma sociedade

com tolerância zero a qualquer tipo de violência.

Se sofre em silêncio, não compactue mais com a dor, com o sofrimento, com o abuso, com a violência, procure ajuda!

(SMS 3060 ou Ligue 800 202 148)

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