Milhões de crianças por vacinar em África ameaçam erradicação da pólio

13 de Fevereiro 2022

Milhões de crianças ficaram por vacinar em África devido à pandemia, o que ameaça a erradicação da poliomielite, alcançada em 2020, e aumenta a probabilidade de surtos de doenças como a febre-amarela, alertou um especialista.

Em entrevista à Lusa a propósito dos dois anos do primeiro caso de Covid-19 em África, que se assinala na segunda-feira, o diretor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), Filomeno Fortes, disse que “é facto confirmado” que a pandemia teve um grande impacto na malária, na tuberculose, no VIH/Sida e na vacinação das crianças em África.

A Covid-19 teve também efeitos na prevenção das doenças tropicais negligenciadas, que era uma grande prioridade da Organização Mundial da Saúde (OMS) e cujas metas para 2024/25 “já não vão acontecer, como é óbvio”, assim como no seguimento da grávida e da criança.

O especialista em saúde pública e epidemiologia citou o diretor executivo do Fundo Global de Luta contra a Sida, Tuberculose e Malária, Peter Sands, segundo o qual a testagem do VIH em África caiu em 22% e a testagem da tuberculose caiu em 18% devido à pandemia.

“Isso significa que neste momento temos muitos mais portadores do vírus da sida que não sabem a sua situação serológica e vamos ter, portanto, muito mais transmissão doença”.

Com a tuberculose, o fenómeno é similar ao do sida, com outro inconveniente: “É que a resistência aos medicamentos contra a tuberculose, que já é uma prioridade da OMS a nível mundial, vai-se agravar ou está a agravar-se neste momento por causa desta quebra da testagem e do acompanhamento do tratamento dos pacientes”.

Eu relação à malária, lembrou Filomeno Fortes, a OMS relata que houve 241 milhões casos e 627.000 mortes, o que representa cerca de 14 milhões de notificações da doença e 69 mil óbitos a mais comparado com 2019.

O médico angolano lembrou ainda que os constrangimentos provocados pela pandemia afetaram os programas de vacinação no continente, deixando por vacinar 23 milhões de crianças só em 2020, segundo a Unicef.

“Em 2021, a situação agravou-se muito mais”, alertou.

A quebra da cobertura vacinal afeta doenças como a difteria, a tosse convulsa e o tétano, mas também o sarampo, a poliomielite e a febre amarela, acrescentou Filomeno Fortes, recordando que a redução da cobertura da vacina da pólio “poderá vir a ser um problema”, depois de a OMS ter declarado a erradicação da doença em África em 2020.

Significa que “se houver casos residuais da poliomielite” nos países africanos – e Angola foi um dos últimos países a declarar a eliminação – poderá vir a haver surtos epidémicos da doença.

“Também temos a certeza quase absoluta de que em África, de uma forma geral, iremos ter surtos de febre amarela”, acrescentou.

Filomeno Fortes deixou por isso um aviso “aos chamados países do primeiro mundo” de que “devem olhar para a África como um potencial reservatório de problemas de saúde”.

Se, com as alterações climáticas, o vetor da febre-amarela conseguir sobreviver na Europa, há o risco de haver uma epidemia da doença no continente, exemplificou, apelando a mais solidariedade dos países desenvolvidos.

“Tem de haver mais financiamento, mais preocupação, para evitar que nos próximos 10, 15 anos, 20 anos possam acontecer fenómenos como este”, advertiu.

LUSA/HN

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