Dois anos depois da pandemia ter chegado a Portugal – os primeiros casos de infeção foram registados em 02 de março de 2020 -, especialistas ouvidos pela Lusa coincidem na previsão de que a doença provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 passará a ser sazonal, com eventuais picos no inverno.
“Trata-se de um vírus respiratório, portanto, dentro das nossas condições de clima, é expectável que tenha melhores condições de transmissão no inverno. A sazonalidade será expectável”, adianta o investigador Miguel Castanho, para quem estes picos de inverno devem ser, porém, de “muito menor intensidade” do que os anteriores.
Na mesma linha, o virologista Pedro Simas prevê que “tudo indica que o SARS-CoV-2 irá provocar ondas sazonais de infeção associadas a doença designada de constipação comum”, a não ser que surja uma vacina que confira proteção acima dos 90% contra a infeção e que seja duradoura.
Relativamente à vacinação periódica contra a Covid-19, o professor da Faculdade de Medicina de Lisboa Miguel Castanho considera que “não é expectável que tenha de ser anual”, estimando que o intervalo entre a toma das doses pode ser maior e haver uma fase imunização extraordinária “sempre que o surgimento de uma nova variante o justifique”.
Nesta matéria, Pedro Simas defende que, no futuro, à semelhança do que aconteceu com outros coronavírus, se poderá estar perante “uma infeção menos grave do que a gripe endémica”, o que permitirá o recurso às vacinas contra a covid-19 “da mesma forma que se usa para a gripe”, ou seja, para proteger os grupos de risco.
Como homens de ciência, os dois investigadores acreditam que a normalidade pós pandemia, à semelhança do que aconteceu nos últimos dois anos, vai passar também pelo avanço no desenvolvimento de vacinas e de medicamentos para tratar a Covid-19.
“As vacinas que forem significativamente melhores que as atuais, ditas, por isso, ‘de segunda geração’, vão impor-se e ser as preferidas para vacinar as futuras gerações. As vacinas que conseguirem bloquear a multiplicação viral precocemente no organismo ao ponto de impedir que um infetado se torne infeccioso surgirão e serão um enorme avanço”, estima Miguel Castanho.
Segundo disse, em simultâneo, surgirão medicamentos que serão soluções curativas, uma vez que, “atacando” o vírus em pontos diferentes, tornarão a resistência viral cada vez mais difícil.
“No início veremos uma corrida aos poucos medicamentos disponíveis – tal como assistimos à corrida ao Tamiflu, com a gripe A, ou à corrida à hidroxicloroquina no início da pandemia, quando se acreditou que este fármaco poderia ter um efeito no SARS-CoV-2 – mas, depois com o aumento da oferta e a estabilização da procura, passaremos a uma fase de disponibilização dos medicamentos fora do contexto estritamente hospitalar. Será um enorme avanço”, prevê Miguel Castanho.
Já para Pedro Simas, é previsível que se desenvolva um “mercado grande de fármacos contra as constipações comuns associadas aos coronavírus e a outros vírus respiratórios”, ao mesmo tempo que “tratamentos melhores irão sempre surgir com a evolução da ciência”.
Já sobre as vacinas, o virologista considera que a segunda geração será já adaptada às variantes em circulação, mas admite não ser previsível que sejam mais eficientes a prevenir a infeção.
Relativamente à situação epidemiológica para os próximos meses, Miguel Castanho é cauteloso, mas admite que, se não surgirem novas variantes de preocupação, Portugal poderá ter uma “primavera e verão tranquilos”.
“Ainda que o verão seja tranquilo em termos de atividade viral, eu não arriscaria dar por terminada esta fase pandémica antes do próximo inverno. A passagem pelo inverno será sempre a prova de fogo que nos confirmará – ou não – o fim desta fase pandémica”, avança Miguel Castanho.
O virologista é mais otimista, uma vez que prevê que 2022 será “sempre a melhorar e com a passagem de pandemia a endemia sazonal em todo o mundo”.
“Construiu-se imunidade com a vacina e agora com a infeção natural. Mesmo países que não conseguiram taxas de vacinação altas, já construíram a imunidade com a infeção natural. Um exemplo é a África do Sul”, adianta Pedro Simas.
Sobre o risco de novas variantes, Miguel Castanho faz uma comparação com os sismos: “sabemos que podem acontecer, mas não sabemos exatamente onde, quando e com que intensidade”.
No entanto, adianta que, tendencialmente, as variantes mais transmissíveis e menos perigosas tendem a impor-se às restantes, mas deixa um aviso: é necessário implementar um sistema de vigilância para o coronavírus semelhante ao adotado para a gripe e que permitiu lançar a alerta global que evitou uma pandemia de gripe A.
Segundo Pedro Simas, vão sempre surgir variantes, mas isso não é necessariamente um risco para a saúde pública, uma vez que, em princípio, poderão ser mais transmissíveis, mas não mais severas ou virulentas.
Miguel Castanho não minimiza os efeitos da variante Ómicron, alegando que, recentemente, bastaram 10 dias para a “covid-19 matar tanta gente quanto um ano completo de sinistralidade automóvel” em Portugal, além do absentismo de infetados e isolados – que chegou a cerca de 10% da população total – representar um impacto económico significativo.
“Não esqueçamos também que a covid-19 causada pela Ómicron não é uma doença leve para todos e causa um sofrimento prolongado para muitos, que se estende muito além da fase de infeção”, alerta.
A evolução positiva da pandemia em Portugal, com a redução acentuada do número de infeções e a pressão controlada sobre os serviços de saúde, levou o Governo a levantar várias restrições que estavam em vigor, entrando o país em situação de alerta, o nível mais baixo de resposta a situações de catástrofes da Lei de Base da Proteção Civil.
LUSA/HN
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