“Nós, sem recursos humanos, não podemos ir mais longe. E recursos humanos treinados (…) Apenas bons serviços de saúde mental não garantem a boa saúde mental”, disse Miguel Xavier, em entrevista à Lusa, realçando que “são uma parte importante, mas de modo algum garantem isso” e a importância de determinantes como as condições socioeconómicas.
O responsável diz que colocar “todos os ovos” no cesto dos recursos humanos é um mau caminho, insistindo: “O problema da saúde mental é muito mais transversal e decide-se antes, não quando as pessoas estão doentes”.
“Decide-se através de políticas que vão para além da saúde e são fundamentalmente políticas que têm que ver com o trabalho, com o apoio social e com a educação. Em suma, tem que ver com aquilo que são as condições económicas e financeiras de um país”, considerou.
Sublinha que os determinantes de natureza económica e social têm um enorme peso na saúde mental e que um país que apenas invista em cuidados de saúde não vai ter boas respostas.
E dá o exemplo dos Estados Unidos: “São um país que investe maciçamente em serviços de saúde (…)No entanto, os níveis de desigualdade, como nós conhecemos, são enormes, são os maiores do mundo. E quando se vão ver os indicadores de saúde mental e outros de saúde, verificamos que, em vez de terem indicadores parecidos com os que existem mesmo na Europa Ocidental, têm indicadores piores do que alguns países do terceiro mundo”.
“Os problemas de saúde mental previnem-se antes de aparecerem. Através de bons programas de parentalidade, bons programas sociais, como os programas de apoio em relação às populações vulneráveis. Se nós estamos à espera que as pessoas adoeçam para depois querermos todos muitos serviços, com muita gente a trabalhar e com milhares de profissionais, não vamos lá”, afirma ainda.
Quanto ao impacto da pandemia de covid-19 nos serviços de saúde mental, Miguel Xavier observa que os serviços de psiquiatria e saúde mental de adultos e da infância da adolescência tiveram de se adaptar e considera que “se adaptaram bem”.
“Em primeiro lugar, porque conseguiram reter o espaço, ou seja, nós na altura em que começou [a pandemia], em 2020, uma das nossas preocupações era que o nosso espaço não tivesse uma invasão. Porque, enquanto entre serviços médicos e cirúrgicos a transferência de doentes, apesar de ser difícil, e foi muito difícil, mas os doentes têm mais similitude, fazer uma transferência de indivíduos em fase aguda de doença mental para outro serviço é muito complicado”, exemplificou.
Recorda ainda que, “ao contrário da maior parte dos países da Europa”, Portugal conseguiu que “as unidades de internamento se mantivessem apenas com doentes da área da psiquiatria” e não interrompeu os cuidados, sobretudo nas perturbações mentais graves.
“E isso foi tão levado a cabo que a psiquiatria de adultos e da infância e adolescência foram as únicas duas especialidades médicas, de toda a medicina, que, durante o confinamento, aumentaram as consultas, enquanto nós assistimos, na maior parte das especialidades, a uma diminuição”, acrescentou.
Questionado sobre o facto de muitas destas consultas (na área da saúde mental) terem sido teleconsultas, responde: “Mas o contacto não se perdeu”
Diz ainda que o impacto da pandemia na saúde mental aconteceu mais ao nível das situações de depressão e ansiedade, e não tanto em casos de doença mental grave: ”Nós podíamos estar numa situação em que o número de recidivas e de reinternamentos na doença mental grave tivesse aumentado imenso e não aumentou”.
LUSA/HN
0 Comments