Henrique Prata Ribeiro: “Portugal é um mau exemplo de investimento em saúde mental”

10/10/2022
O panorama 'acinzentado' da saúde mental a nível nacional é uma realidade que preocupa os especialistas. Segundo Henrique Prata Ribeiro, as doenças psiquiátricas representam “cerca de 16% da carga de doença”, lamentando, assim, que apenas seja atribuído 5% do investimento do SNS à saúde mental. Questionado sobre o aumento do consumo de antidepressivos em Portugal nos últimos três anos, o psiquiatra diz não estar preocupado, mas frisa que “esse consumo de antidepressivos poderia ser reduzido com estratégias ao nível dos cuidados de saúde primários”. Estima-se que 10% da população portuguesa sofra de depressão.

HealthNews (HN)- Portugal é segundo país da Europa com maior prevalência de doenças psiquiátricas. Quais os desafios que identifica no acesso aos cuidados de saúde mental?

Henrique Prata Ribeiro (HPR)- A principal dificuldade prende-se com a articulação entre os cuidados de saúde primários e os centros especializados. É essencial ter médicos de família treinados e capacitados para resolver os casos mais simples de doença psiquiátrica, nomeadamente as depressões leves e moderadas. Nos casos mais graves, é preciso que estes doentes sejam encaminhados para os serviços de psiquiatria. 

Por outro lado, a questão do estigma é um outro problema. Há pessoas que não sabem reconhecer alguns sinais e sintomas de algumas doenças e, quando reconhecem, nem sempre recorrem aos serviços de saúde devido ao estigma associados à saúde mental.

HN- Em Portugal a saúde mental tem apenas 5% do investimento do SNS. Quais as suas expectativas sobre a evolução destes valores numa altura em que a saúde mental ganhou protagonismo durante a pandemia?

HPR- Tenho esperança de que esses números venham a mudar. Esses cinco por cento são atribuídos a uma área que representa cerca de 16% da carga de doença. Isto demonstra que Portugal é um mau exemplo de investimento em saúde mental… A maior parte dos países do centro da Europa já atribui cerca de sete a oito por cento do orçamento para esta área. No caso do Reino Unido esta percentagem é maior e já é investido cerca de catorze por cento do orçamento. Olhando para estes valores percebemos que alguma coisa está desproporcionada. 

HN- Segundo dados do Infarmed, o consumo de antidepressivos em Portugal tem vindo a aumentar desde 2019, sendo que só no ano de 2021 foram vendidas, em média, mais de 28 mil embalagens por dia. Como olha para estes números e quais os riscos para a saúde?

HPR- Quando falamos nesta questão do consumo de medicamentos é preciso distinguirmos os antidepressivos dos ansiolíticos. E porquê? Porque os antidepressivos são fármacos que não servem apenas para a depressão, mas também para tratar outras perturbações, entre elas a ansiedade. 

Temos uma carga de doença muito elevada e a depressão é a segunda perturbação psiquiátrica mais comum em Portugal. No entanto, é preciso reconhecer que nos últimos anos tem sido feito um bom trabalho para retirar os ansiolíticos que eram prescritos em excesso. Essas pessoas começaram a ser tratadas com antidepressivos, sendo esta a medicação indicada para tratar a ansiedade a longo prazo.

HN- Significa que não olha com preocupação para este aumento?

HPR- Não fico propriamente preocupado porque o aumento da prescrição de antidepressivos nem sempre se pode traduzir num aumento do número de pessoas com depressão. 

HN- Existem riscos para a saúde?

HPR- Os antidepressivos são medicamentos bastante seguros. Ao contrário do que muitas vezes é dito, estes fármacos não causam dependência. São medicamentos que as pessoas devem fazer enquanto precisam deles e obviamente deixá-los por indicação médica. 

Se me perguntar: seria possível termos menos pessoas a tomar antidepressivos se tivéssemos uma abordagem diferente nos centros de saúde? Nesse caso, a minha resposta seria ‘sim’. É importante frisar que esse consumo de antidepressivos poderia ser reduzido com estratégias a nível dos cuidados de saúde primários.

HN- A depressão e a ansiedade, ainda que doenças distintas, podem andar de “mãos dadas”. Considera que a população está sensibilizada para o impacto deste tipo de perturbações mentais?

HPR- Acho que não está… Penso que a culpa é de vários agentes, entre os quais os próprios psiquiatras que durante anos apareceram pouco nos canais de comunicação. De qualquer forma, considero que durante a pandemia esse paradigma mudou e as pessoas ganharam interesse na área da saúde mental. As pessoas cada vez mais começam a procurar informação acerca da ansiedade e da depressão, mas o nível de literacia em saúde nesta área ainda é muito baixo. 

HN- E para essas pessoas que pouco ou nada sabem sobre as principais perturbações mentais, quais os sinais de alerta que considera relevantes mencionar?

HPR- Costumo dizer aos meus doentes para estarem atentos a tudo aquilo que interfira no dia-a-dia. É preciso que estejam alertas para: falta de ar, ataques de pânico, ritmo cardíaco acelerado ou uma tristeza marcada. No fundo, é preciso estar atentos para tudo aquilo que pode afetar a forma como nos sentimos e como interagimos com os outros. 

HN- Voltando à questão do estigma em torno às doenças mentais que ainda é muito prevalente. Considera que este problema é igual entre homens e mulheres?

HPR- Penso que há uma dificuldade maior por parte dos homens de assumirem que sofrem de uma doença psiquiátrica. Isso é notório sempre que há inquéritos em relação à saúde mental. De facto, num dos estudos que publiquei recentemente sobre o impacto da Covid-19 na saúde mental, a percentagem de mulheres que respondeu é muito superior à percentagem de homens… Este é um dos pequenos indicadores em que me baseio para dizer que apesar de tudo, o estigma é maior dentro da comunidade masculina. 

HN- Faz parte da campanha “Viva! Para lá da depressão”. Qual a importância deste tipo de iniciativas para a promoção da saúde mental?

HPR- A única forma de quebrarmos o estigma é levando informação às pessoas. Portanto, esta campanha tem essa missão, juntando vários especialistas que explicam, de forma simples, informação relevante sobre a saúde mental. No fundo, vejo a campanha “Viva! Para lá da depressão” como uma forma de serviço público. 

Entrevista de Vaishaly Camões

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Sindicato felicita enfermeiros por “importantes vitórias” na ULS

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) congratulou hoje todos os enfermeiros da Unidade Local de Saúde de Viseu pelas “importantes vitórias alcançadas nas sucessivas lutas em torno da contabilização dos pontos, descongelamento das progressões e harmonização de direitos”.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights