Não, o dióxido de cloro não previne nem trata hepatites e a ingestão pode ser tóxica

1 de Agosto 2022

O dióxido de cloro é apresentado nas redes sociais como um tratamento “milagroso” para doenças hepáticas, incluindo a hepatite aguda grave diagnosticada em crianças. Não existe qualquer evidência científica de que este oxidante tenha efeitos terapêuticos nas hepatites. Pelo contrário, a literatura aponta para os riscos de intoxicação, principalmente nas crianças.

Desta vez, é apresentado como “um dos melhores tratamentos para as doenças hepáticas” porque tem a capacidade de “limpar e oxigenar” o fígado. No vídeo, Andreas Kalcker afirma que este químico é eficaz no tratamento de “hepatites raras”, incluindo os recentes casos de hepatite aguda grave que foram detetados em crianças.

Armando Carvalho, médico internista especializado em doenças do fígado no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) e professor catedrático na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, explica ao Viral que não existem evidências científicas que comprovem os benefícios do dióxido de cloro no tratamento de hepatites.

“Quando [Andreas Kalcker] fala, na própria publicidade do produto, que dá para curar todas as hepatites, revela uma tremenda ignorância porque há hepatites de variadíssimas causas. Há hepatites por vírus – e há cinco vírus identificados –, há hepatites causadas por medicamentos, há hepatites autoimunes. O facto de meter tudo no mesmo saco reflete logo uma tremenda ignorância ou, pior do que isso, má-fé”, explica afirmando que a venda deste produto é “uma vigarice”.

O especialista esclarece ainda que existem vários tratamentos para as diferentes hepatites virais. “Quando falamos em hepatites por vírus, temos de saber que há cinco vírus – A, B, C, D, E –, que há vacina para dois deles – A e B –, que a [hepatite] C tem um tratamento que cura mais de 95% dos doentes, a [hepatite] A não precisa de grande tratamento, cura-se espontaneamente, que a [hepatite] D também já tem tratamento neste momento e que a [hepatite] E, a mais problemática, também tem tratamento. Obviamente, que [estes tratamentos] não têm nada a ver com dióxido de cloro.”

Os componentes derivados do cloro são, muitas vezes, utilizados na desinfeção de espaços ou até da água, eliminando os componentes bacterianos e virais que possam existir. No exterior, “estamos a falar de expor as bactérias, os vírus, ou o que possa contaminar a água diretamente a um produto que os mata”, prossegue o especialista. Por outro lado, quando se ingere dióxido de cloro, “por ser um oxidante forte, é altamente destrutivo de qualquer célula viva em que toca, inclusiva a do organismo humano”.

Armando Carvalho alerta que a ingestão de dióxido de cloro pode trazer riscos para a saúde: “As únicas evidências que há é sobre a possibilidade de [o dióxido de cloro] ser ingerido – sobretudo em doses não muito baixas – é por ser tóxico e poder provocar queimaduras no esófago, no estômago, sintomas digestivos, náuseas, vómitos, etc. Mas não tem qualquer interesse terapêutico. Zero.”

O médico acrescenta ainda que “é a mesma parvoíce de Donald Trump quando sugeriu que se bebesse lixívia para tratar a Covid-19. Aqui estamos a confundir o que é o efeito físico-químico de um produto in vitro – fora do organismo, junto do agente infecioso –, com o que ele poderá fazer dentro do organismo”.

A associação feita entre o dióxido de cloro e a hepatite diagnosticada em crianças, e cuja origem está ainda sob investigação, pode levantar problemas graves e intoxicações. Isto porque os níveis de toxicidade dos elementos químicos são determinados por quilograma, o que significa que uma quantidade de dióxido de cloro que é segura para um adulto pode provocar problemas graves numa criança – incluindo provocar a morte.

“Será um risco enorme se os pais começarem a achar que ao darem isto às crianças pequenas vão evitar que elas adoeçam. Isto pode trazer grandes problemas”, alerta o médico, sublinhando que estas publicações são de uma “desonestidade completa” que se aproveita do “receio” dos pais.

O dióxido de cloro já tinha sido apontado como uma forma de prevenir e tratar a Covid-19. Em julho de 2020, o Polígrafo verificou que essa informação era também falsa. “Não há nenhuma evidência baseada na ciência que diga que [a solução] é benéfica para qualquer tipo de infeção”, garantia, na altura, Nuno Saraiva, professor de virologia na Universidade Lusófona. “Este composto não é específico para o vírus, atacará qualquer proteína”, prossegue, referindo-se em especial às proteínas “das membranas que estão à volta das células”.

É importante também referir que Andreas Kalcker, o autor deste vídeo e promotor da venda de dióxido de cloro, foi alvo de várias investigações e denúncias tanto na justiça espanhola como pelo Colégio Oficial de Médicos de Alicante, como refere a Agence France-Presse.

Texto publicado ao abrigo da parceria entre a plataforma de Fact Checking Viral-Check e o Heathnews.pt

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