As atletas Bárbara Timo e Inês Henriques e a ex-atleta Vanessa Vernandes foram algumas das personalidades presentes hoje no primeiro seminário sobre a saúde mental no desporto de alta competição, que decorreu no Fórum Lisboa.
Em 2021, Vanessa Fernandes confessou ter sofrido de bulimia e depressão e que já se encontraria doente quando conquistou a medalha de prata no triatlo em Pequim2008. Também a judoca Bárbara Timo revelou que o período da pandemia a tinha levado ao diagnóstico de uma depressão, o mesmo diagnóstico revelado pela marchadora Inês Henriques, que disse ter sofrido uma depressão e que teve de pedir ajuda antes de correr o Mundial em 2021.
“Há um ano, falávamos da Simone Biles. Ela teve a capacidade de alertar para este problema, mas isto é um balão que se iria esvaziar e a verdade é que esvaziou mesmo. De facto, é preciso ter memória para ter história, é preciso criar a sustentabilidade do tema. A nossa associação tem um papel cívico, de responsabilidade social e sentimos necessidade de trazer a sociedade civil”, afirmou na ocasião Luís Monteiro, presidente da Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal (AAOP), promotora do evento.
O seminário ficou dividido em três momentos, com o objetivo de salientar as principais fases da vida do atleta: a pré-competição, em que foram exploradas as relações no desporto, como a tríade pai-atleta-treinador, a competição em si, que teve como foco a gestão de expectativas, e o pós-competição e a identidade do atleta que já não compete.
Na ocasião, foi enfatizado que um dos principais fatores para o desenvolvimento de doenças profundas é o tempo que os atletas demoram a assumir o problema e a pedir ajuda.
“Existe o estigma relativamente a estes problemas em toda a população, mas, em relação aos atletas, em que as expectativas são muito altas, existe muito estigma e discriminação, e muitas vezes é o próprio atleta que se auto-estigmatiza e que tem vergonha de comunicar à família, ao treinador e aos próprios colegas que está em sofrimento psicológico, atrasando a procura de ajuda e a melhoria dos seus sintomas”, disse Maria João Heitor, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, parceira na realização do evento.
Inês Henriques falou do período antes do Mundial de 2021 e da importância da ajuda psicológica durante todo o processo: “No ano passado podia ter arrumado as sapatilhas, porque me tiraram a minha prova (50 km marcha), mas eu sou muito teimosa e, se no ano passado existiu uma prova para mulheres e outra para homens, não de 50, mas de 35 quilómetros, foi porque eu lutei para isso”.
“Ainda hoje não sabemos como vão ser os Jogos Olímpicos, é uma falta de respeito para connosco atletas, mas eu continuo a lutar para ir a Paris. Nem sempre é fácil, mas tento fazer uma gestão psicológica diferente e tento manter o equilíbrio”, disse a marchadora, de 42 anos, que manifestou o desejo de terminar a carreira em Paris2024.
Bárbara Timo falou do ouro conquistado no Grand Slam Paris em 2021, a primeira medalha após a depressão, e explicou quais os métodos que usa para combater os pensamentos mais negativos.
“Nunca imaginei que, aos 31 anos, ia ganhar uma medalha numa categoria nova. Isso aconteceu fruto das minhas derrotas. (…) Faço muitas consultas com o psicólogo desportivo do clube e tenho um ‘mental coach’, porque, apesar de atualmente não duvidar das minhas capacidades, ainda tenho dúvidas sobre o que é ser mulher e ser atleta, sobre o que vou fazer pós-carreira, coisas que trato com o psicólogo”, disse.
A judoca acrescentou que, com o ‘coach’, trata “mais dos objetivos a curto e médio prazo”, além de praticar yoga e meditação “para ganhar consciência corporal”.
“O meu medo faz-me estudar mais os adversários, faz-me estudar mais, obriga-me a ir ao psicólogo e chorar, porque é isso que eu faço lá para entregar os meus medos e as minhas dúvidas. O medo leva-me a ser a primeira a chegar ao treino e a última a sair. Tudo isto para que o dia da competição seja um dia de festa”, frisou
Vanessa Fernandes falou do pós-carreira e do quão difícil foi aceitar o problema.
“O ano de 2017 foi importante, porque foi quando disse chega. E isso foi muito complicado. As ajudas que existiam para mim, na altura, eu não as conseguia agarrar, porque não confiava e porque sentia que ninguém me compreendia, além da vergonha imensa que tinha”, começou por dizer.
A vice-campeã olímpica falou do facto de todos verem o atleta como referência e da dificuldade deste em comunicar o que sente: “Tive de começar um processo de autoconhecimento, tem sido o meu trabalho nos últimos cinco anos, conhecer a minha história e o meu passado”.
Rosa Mota, campeã olímpica da maratona em Seul88, esteve presente na qualidade de espetadora e, sobre o assunto, disse nunca ter sofrido de distúrbios do foro mental enquanto competia, mas realça a importância que o tema começa a ter.
“Nunca senti necessidade deste tipo de ajuda. Sempre adorei treinar, sempre adorei competir, entendi sempre a competição como um desafio e não tive medo dos meus desafios e acho que me saí bem”, disse a antiga maratonista, agora com 64 anos, lamentado que estas iniciativas não tenham começado há mais tempo.
NR/HN/LUSA
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