A conta de Li Wenliang na rede social Weibo – equivalente ao Twitter no país asiático – continua ativa, tendo-se convertido numa espécie de mural onde internautas oferecem, até hoje, relatos sobre o impacto da pandemia, muitas vezes em contraste com a narrativa oficial de Pequim.
“Irmão Liang, os idosos da nossa aldeia e das aldeias vizinhas estão a morrer, um a um. Por favor, toma conta deles”, lê-se num comentário feito recentemente por um internauta. “Sinto-me muito triste, Doutor Li. O meu avô acabou por morrer quatro dias antes do meu casamento, que foi entretanto adiado. Ele viu-me crescer. Se o encontrar aí em cima, por favor, olhe por ele”, lê-se noutro comentário.
Milhões de chineses deixaram, nos últimos anos, mensagens críticas sobre as tragédias suscitadas pela política de ‘zero covid’ e, mais recentemente, sobre o impacto da súbita reabertura do país, na caixa de comentários da derradeira publicação do médico na rede social Weibo, datada de 1 de fevereiro de 2020, na qual ele anuncia ter testado positivo para o novo coronavírus.
Li Wenliang acabou por morrer, uma semana mais tarde, no hospital onde estava internado na cidade chinesa de Wuhan.
A sua morte despertou uma onda de críticas ao regime, que foi acusado de ter omitido informações sobre os estágios iniciais da pandemia, depois de os primeiros casos terem sido detetados em Wuhan.
Li foi um dos oito médicos que tentaram alertar os colegas sobre o surgir de um novo coronavírus, semelhante ao da pneumonia atípica, ou Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), em 30 de dezembro de 2019, mas que foram repreendidos pela polícia local, e obrigados a assinar uma confissão, onde admitam ter feito “comentários falsos”. Li Wenliang foi investigado por “espalhar boatos”, de acordo com um comunicado divulgado então pela polícia local.
Na penúltima partilha de Li no Weibo, que continua disponível, o médico descreveu como foi obrigado pela polícia a assinar uma declaração na qual assumiu ter difundido rumores. Ele contou também que começou a sentir tosse no dia 10 de janeiro e que desenvolveu febre no dia seguinte. “Nessa altura, os relatórios das autoridades continuavam a afirmar que não havia evidências de transmissão entre seres humanos e que não havia casos de infeção entre os funcionários de saúde. Mais tarde, acabei por ser internado na unidade de cuidados intensivos”, escreveu.
A sua figura tornou-se uma espécie de mártir, recordado por milhares de chineses e críticos do regime além-fronteiras.
Volvidos três anos, a rápida propagação do vírus em todo o país, após as autoridades terem posto fim à política de ‘zero casos’, voltou a lançar dúvidas sobre os números oficiais, que relatam apenas algumas dezenas de mortes recentes pela doença, apesar de localidades e províncias estimarem que uma proporção significativa das suas populações – em alguns casos, até 90% – ter já sido infetada.
A conta de Li voltou assim a servir para testemunhar a grave crise de saúde pública que assola o país, desta vez através das críticas e desabafos deixados por milhões de internautas.
“Doutor Li, as restrições foram levantadas e a maioria da população foi já infetada. O nosso hospital está muito ocupado e não vai dar férias por altura do Ano Novo Lunar. Quando será que a pandemia realmente termina?”, questionou um internauta na caixa de comentários de Li.
“A minha vida foi devastada pela pandemia e não sei mais o que dizer. Sinto-me entorpecido”, comentou outro internauta. “Agora, que a doença se alastra, muitas pessoas continuam a lembrar a sua coragem em denunciar o que se passou”, acrescentou.
LUSA/HN
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