Médicos perderam 18% do poder de compra entre 2011 e 2022

28 de Fevereiro 2023

Os médicos perderam 18% do poder de compra entre 2011 e 2022 e uma redução dos ganhos médios que “contribui para a deterioração da atratividade do Serviço Nacional de Saúde” (SNS), indica um relatório hoje divulgado.

“Verifica-se que, em 2022, os médicos perderam 18% do seu poder de compra face a 2011. No caso dos enfermeiros, a quebra do poder de compra é de 3%”, adianta a análise dos investigadores Pedro Pita Barros e Eduardo Costa sobre os recursos humanos da saúde.

Este estudo faz parte da cátedra em Economia da Saúde, enquadrada na iniciativa para a Equidade Social, que resulta de uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a faculdade de ciências económicas, financeiras e de gestão da Universidade NOVA de Lisboa (Nova SBE).

O documento salienta que, ao contrário dos profissionais de saúde, os restantes trabalhadores nacionais viram o seu poder de compra subir 6% em média no mesmo período, apesar da quebra significativa em 2022, devido ao aumento súbito da inflação.

“A evolução negativa das remunerações dos profissionais de saúde no SNS contribui para a deterioração da atratividade do SNS”, alertam os investigadores, para quem o período de recuperação registado antes da pandemia “não foi suficiente para recuperar significativamente as dificuldades sentidas durante a crise financeira e para fazer face à dinâmica recente de preços”.

Além disso, nos últimos anos, os suplementos remuneratórios, como as horas extraordinárias, têm ganho peso na remuneração total dos profissionais do SNS, sendo utilizados para “atenuar as perdas de poder de compra associadas à lenta evolução da remuneração base”, sublinha o documento.

O relatório salienta ainda que o mercado de trabalho para profissionais de saúde, em particular para os médicos, é caracterizado por “algum nível de competição” entre os diferentes prestadores de cuidados de saúde.

“A possibilidade de trabalhar simultaneamente em mais do que um setor, aliada à elevada procura por profissionais de saúde, coloca uma pressão acrescida sobre o SNS”, alerta também o documento, ao salientar que o crescimento do setor privado ao longo das últimas décadas pode contribuir para uma maior competição por profissionais de saúde.

No caso dos médicos, registou-se em 2011 um ganho médio mensal (remuneração base mais suplementos) de 3.729 euros, valor que baixou 5% para 3.558 euros, uma redução ao longo do tempo que também pode ser explicada por diversos efeitos, como o elevado volume de aposentações de médicos com vencimentos mais elevados.

Já nos enfermeiros, entre 2011 e 2022, registou-se um aumento de 14% no ganho médio mensal, um crescimento “particularmente expressivo nos anos de 2018 e 2019, com taxas de crescimento de cerca de 6%”.

“Os aumentos do salário mínimo nacional têm sido largamente superiores aos aumentos salariais para profissionais de saúde no SNS, o que tem encurtado essa distância”, adianta o relatório.

Em 2011, o ganho médio dos médicos correspondia a 7,7 vezes o salário mínimo, mas em 2022 reduziu-se para 5,1, refere o documento.

No caso dos enfermeiros do SNS, o ganho médio em relação ao salário mínimo desceu de 3,2 em 2011 para 2,5 em 2022.

“Considerando a evolução prevista do salário mínimo nacional até 2026 – ano em que deverá chegar aos 900 euros – seria necessário um aumento das remunerações dos médicos e enfermeiros entre 2023 e 2026 de 82% e 63%, respetivamente, para recuperar o diferencial entre salários de profissionais de saúde e o salário mínimo registado em 2011”, exemplifica o estudo.

“A recuperação deste diferencial parece, por isso, inatingível”, reconhece o relatório de Pedro Pita Barros e Eduardo Costa.

LUSA/HN

3 Comments

  1. Alexandra

    Sou médica especialista desde 2016.
    Mais do que salário congelado, tive a minha vida congelada desde os 18 aos 32 anos, em que não fiz mais nada para além de trabalhar e estudar. Só a partir dos 32 anos comecei a pensar em família, já muito tarde, e que não aconteceu.

    Diariamente no hospital, faço tudo. Sou secretária, marco e desmarco consultas, vou verificar o que aconteceu com os exames pedidos que não se realizaram, ou porque é que não tenho o relatório da ressonância do meu doente já feita há um mês pronto. Porque é que ainda não chamaram a minha doente para fazer a biopsia ou para ir a consulta que eu sei que ela precisa? Costumo dizer que realmente só me falta lavar o chão. 13 anos de formação é só me falta lavar o chão…

    Chego a secretaria para iniciar consulta, e não há envelopes. Levanto-me e vou buscar, quando os há. A auxiliar simplesmente não repôs.
    Também não há folhas timbradas, levanto-me novamente e vou buscar novamente .
    E agora nem impressora tenho. De cada vez que imprimo algo, tenho que levantar e ir ao fundo do corredor buscar, à sala de espera, a impressão de toda e qualquer informação clínica confidencial que sai na impressora, e que fica de fácil acesso a quem la está sentado ao lado. Muitas vezes já não está o que imprimi e tenho que repetir todo o processo…

    Faço consulta de 15/15 minutos por imposição do serviço, apesar de já ter explicado aos responsáveis que ninguém é condignamente observado desta forma.

    Como nos últimos meses saíram 4 colegas, tem enchido a minha agenda com doentes desses colegas que saíram e sou obrigada a assumir em 15 minutos, a responsabilidade pela saúde e pelo seguimento de doentes que nunca vi antes em toda a minha vida, pessoas com patologias complexas que exigem grande discernimento no seguimento. Faço isto ao mesmo tempo que faço as outras tarefas burocráticas, o computador me falha, atendo pedidos de colaboração dos colegas dos CSPrimarios, da urgência ou do internamento ou faço os hospitais de dia, respondo a e-mails… Vivo permanentemente aterrrorizada que cometa algum erro…
    Almoço em 5 minutos uma sandes da máquina e volta tudo ao princípio. Chego a atender30 doentes por dia.

    Chego a casa, olho para o que tenho e para o sou: 38 anos, moro sozinha numa cidade que não conheço, mas onde fui colocada. Não tenho amigos para sair porque nunca tenho tempo, estou sempre a trabalhar….
    Recebo 1700 euros por 40 horas, que nunca são 40, são sempre mais muito embora as extras nunca me sejam pagas, não tenho esse direito, e estou sempre a ser acusada de ser priveligiada.
    Janto , na maior parte das vezes, algo rápido, para voltar ao computador porque há sempre algum trabalho para corrigir a algum interno, ou há sempre alguma palestra para preparar, ou artigo corrigir, de borla.

    No final do dia antes de dormir, questiono-me se este aperto sombrio e dominador dos meus pensamentos , e se está sensação que a minha vida não tem um propósito e não passo de um burro de carga a quem bocadinho a bocadinho, me foram retirando o brilho e o orgulho de ser médica, é próprio de alguém que está deprimido. Porque já houve alturas em que eu adorava ir trabalhar, e era a médica mais feliz do mundo, só porque era médica.
    Mas penso sobretudo em todos os colegas que nos últimos meses se suicidaram. E na dedicação que eles tinham também à causa, e no quanto o sistema nos falhou.
    E na vergonha que sinto quando alguém me pergunta o que faço.
    E no medo que tenho dos meus fantasmas serem mais fortes do que eu..

  2. Patrícia

    Colega, perfeitamente solidária com o que escreve, digo-lhe. Pare e pense em si! Tome as rédeas da sua vida! Merece mais e melhor!

  3. JOAO PAULO MOREIRA

    Pensei, que a mediocridade era só nos cuidados de saúde primários. Revejo-me completamente no depoimento da colega Alexandra.

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