Paulo Azevedo: Enf.º Especialista em Enfermagem de Reabilitação; Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação (APER)

Reabilitação do doente crítico: o desafio da continuidade de cuidados

04/27/2023

As expectativas de sobrevivência ao internamento em cuidados intensivos, devido a doença ou traumatismo grave, têm aumentado significativamente desde meados do século passado, fruto da evolução do conhecimento e da tecnologia. A sedimentação desse conhecimento tem também permitido compreender melhor as sequelas resultantes desse internamento e o seu impacto n

a vida dos sobreviventes e suas famílias, o que geralmente se denomina como Síndrome Pós Internamento em Cuidados Intensivos e que a pandemia de covid-19 e o aumento exponencial de pessoas internadas, veio tornar mais evidente.
Na tentativa de mitigação do impacto negativo do internamento, assiste-se ao aumento de preocupações na implementação de políticas de cuidados mais centradas nos doentes, humanização do ambiente dos cuidados intensivos, prevenção e abordagem do delirium e Reabilitação / mobilização precoce. Pretende-se assim, a implementação de cuidados que permitam que os doentes sejam menos sujeitos a sedação e se encontrem, portanto, mais cooperativos e participativos, na tomada de decisões quanto à sua recuperação e em que a família é também envolvida no sentido de facilitar esse processo.
O início do processo de reabilitação precoce durante o internamento em cuidados intensivos, é hoje entendido como um “standard” de cuidado

s. Efetivamente, sabe-se hoje que os doentes perdem cerca de 2% de massa muscular por dia, durante a primeira semana de internamento e que o atraso no início da reabilitação aumenta a probabilidade de morbilidade física e não física. Procura-se inicialmente atenuar os efeitos negativos do internamento e em seguida, a recuperação e readaptação ao nível da funcionalidade e autocuidado. Porém, a reabilitação do doente crítico é uma intervenção complexa e que devido à gravidade clínica, exige uma constante ponderação entre riscos e benefícios. Os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, integrados nas equipas dos serviços de medicina intensiva, além das competências gerais para cuidar da pessoa em situação crítica, possuem competências específicas, que permitem a avaliação funcional e o diagnóstico de alterações que motivam limitações da atividade e incapacidades, bem como a conceção, implementação e avaliação de programas de treino motor, cardíaco e respiratório, fundamentais para a recuperação do doente, pelo que desempenham um papel determinante e essencial durante esse processo.
Sendo a reabilitação do doente crítico um processo com início nos cuidados intensivos, para que se obtenham resultados, necessita de continuidade ao longo da transição de cuidados do doente e família. Isto é, que exista comunicação e coordenação entre os diferentes níveis de cuidados; cuidados intensivos, enfermaria, cuidados na comunidade e domicílio. Tendo em vista essa coordenação e a participação do doente e família no processo, torna-se hoje essencial uma avaliação dos resultad

os com base num outro tipo de indicadores, que vão muito para além do tempo de internamento e de ventilação invasiva, taxas de mortalidade nos cuidados intensivos e aos 180 dias. Necessitamos de compreender melhor como é realizada a reabilitação, conjuntamente com elementos contextuais, tempo de início, dose em função da gravidade, como é efetuada a progressão do exercício, a sua intensidade e duração, de avaliar a efetividade de diferentes programas e criar modelos de transição de cuidados com foco na reabilitação.
Nesta perspetiva, mais centrada no empoderamento do doente crítico e família, é necessário um maior investimento na fase pós cuidados intensivos. Não faz sentido que após um investimento muito significativo numa fase inicial do internamento, não se consiga compreender melhor a experiência da recuperação e o que acontece ao longo desse trajeto, permitindo assim uma caraterização das complicações que persistem e quais as necessidades e condições de acessibilidade a recursos de reabilitação. Torna-se necessário a existência de estudos que forneçam dados que permitam compreender melhor o impacto dos serviços restados e possibilite a construção de soluções inovadoras para as necessidades encontradas.

 

 

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