Healthnews (HN) – Qual a relevância da implementação do projeto “Let ́s Talk About Children” em Portugal?
Joaquim Cerejeira (JC) – O nome deste Projeto “Lets Talk About Children” pretende sublinhar um aspeto essencial: proteger e promover a saúde mental das crianças tem um impacto decisivo na saúde de toda a população a longo prazo. Assim, o objetivo primordial deste projeto é promover hoje a saúde mental das crianças e jovens uma vez que isso irá beneficiar os futuros adultos e as gerações seguintes. O Projeto vai disseminar em vários países europeus, incluindo Portugal, uma metodologia originária na Finlândia que demonstrou eficácia robusta na prevenção de problemas de saúde mental e na redução dos custos associados à doença mental em crianças, adultos e famílias. No dia 13 de outubro de 2023 decorrerá o lançamento oficial do projeto em Portugal com o seminário “Vamos falar sobre crianças”, a realizar no Auditório do Hospital Pediátrico do Centro hospitalar e Universitário de Coimbra com a participação de diversos especialistas. O Simpósio é de participação gratuita, mas de inscrição obrigatória Aqui.
HN – É possível fazer uma radiografia dos principais problemas de saúde mental que afetam as crianças?
JC- Os problemas de saúde mental nas crianças e adolescentes têm sido uma preocupação crescente nos últimos anos. Cerca de 25% da população sofre de algum tipo de perturbação mental durante a vida e, em cerca de metade dos casos, o início dos sintomas começa da infância ou adolescência. Na Europa, o suicídio é a segunda causa de morte de crianças/adolescentes e as perturbações depressivas e de ansiedade são estão entre as 5 principais doenças que afetam as crianças e jovens. Os problemas de saúde mental são geradores de fenómenos de exclusão social, o que se reflete na dificuldade sentida pelas crianças/jovens em ter acesso a recursos sociais, económicos e culturais necessários a uma vida saudável. Assim, os problemas de saúde mental nesta faixa etária podem agravar o sentimento de solidão, de isolamento e de falta de integração na sociedade, agravando a própria doença mental.
Adicionalmente, estima-se que, nos países europeus, 1 em cada 3 crianças/jovens com menos de 18 anos tenha um dos progenitores com problemas de saúde mental, o que em Portugal representa pelo menos 600 mil crianças e adolescentes. A recente pandemia Covid-19 e os sucessivos períodos de confinamento vieram agravar a dimensão deste problema, o que é apontado como uma das razões do recente aumento significativo de pedidos de consulta de psiquiatria e pedopsiquiatria em Portugal.
HN – O que diferencia esta metodologia e quais as competências que pretende transmitir aos profissionais envolvidos?
JC- Os treinos de capacitação para a metodologia LTC são dirigidos a profissionais de saúde – psiquiatras, pedopsiquiatras, médicos de medicina geral e familiar, enfermeiros, psicólogos -, da área da educação, psicólogos e professores, e intervenção social, assistentes sociais, que contactem com crianças e famílias. Estes treinos vão potenciar a aquisição de metodologias para que os profissionais possam reconhecer precocemente famílias em situação de vulnerabilidade e, através de intervenções multidisciplinares, promover as competências parentais, o desenvolvimento psicossocial das crianças e a saúde mental de toda a família.
Os treinos de capacitação irão decorrer em duas edições (2023 e 2025) envolvendo um total de 120 profissionais. O programa de capacitação consiste em sessões presenciais, sessões online de acompanhamento e discussão, equivalendo a oito dias de trabalho distribuídos por um período de seis meses. Nas sessões serão abordados conteúdos teóricos sobre a metodologia LTC, que deverão ser implementados pelos profissionais, sendo os casos discutidos nas sessões de acompanhamento online. Os profissionais interessados podem inscrever-se nos treinos de capacitação Aqui.
HN – Quais os objetivos que se pretendem atingir com a implementação do projeto?
JC- Através da metodologia LTC, os diferentes profissionais que contactam com crianças, famílias e adultos em situações de vulnerabilidade irão trabalhar de forma mais integrada, flexível e eficiente. O objetivo é atuar, de forma global, em vários determinantes de saúde e de doença mental identificados nas famílias.
Para além de ser importante dar respostas eficazes e especializadas em saúde aos vários elementos da família (por exemplo, consultas de Pedopsiquiatria, Psicologia e Psiquiatria) é também fundamental atuar noutros fatores que influenciam a saúde mental (por exemplo: condições de habitabilidade precárias, carência económica e dificuldades de integração social). Espera-se que esta abordagem multifatorial conduza a uma modificação gradual e sistémica no modo de atuação dos profissionais e das próprias instituições para que, em articulação próxima, consigam dar respostas cada vez mais eficazes aos desafios presentes e futuros.
HN – A saúde mental das crianças é uma temática pouco valorizada no nosso país?
JC- Dar prioridade à promoção da saúde mental nas crianças e nos jovens é uma responsabilidade de todos nós. As crianças que têm boa saúde mental terão maior probabilidade de, ao longo da vida, construir a sua identidade, para tomar as suas decisões e para interagir com as outras pessoas de forma saudável e feliz. A pandemia Covid-19, que criou uma situação generalizada de sofrimento emocional, especialmente devido às restrições de contacto com outras pessoas, veio mostrar a todos que ninguém está a salvo de sofrer problemas de saúde mental.
Já antes da pandemia os problemas de saúde mental nas crianças e nos jovens eram bem conhecidos. Apesar dos esforços feitos nos últimos anos para melhorar o acesso aos serviços de saúde mental em Portugal, as respostas continuam a ser limitadas e insuficientes, tal como acontece na generalidade dos países europeus. E, apesar dos investimentos planeados para a área da saúde mental nos próximos anos, não é provável que os serviços de saúde consigam, por si só, dar resposta ao crescente número de referenciações se não houver uma estratégia consistente e eficaz que previna o desenvolvimento de problemas de saúde mental. Da mesma forma que a doença mental tem um impacto negativo nas gerações futuras, as experiências positivas durante os primeiros anos de vida também podem ter um impacto multigeracional. As crianças apresentam comportamentos mais positivos e melhor regulação emocional quando os seus pais relatam um passado de bem-estar emocional quando eram crianças ou adolescentes. Existe portanto uma janela de oportunidade para alterar o curso natural dos problemas de saúde mental nas famílias e isso terá um enorme impacto na sociedade.
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