Questões endereçadas por médicos de família ao Prof. Jorge Polónia 

11/14/2023
O Professor Catedrático de Medicina Interna da Faculdade do Porto responde a algumas perguntas encaminhadas por médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar. As estatinas, os diuréticos tiazídicos, a cronoterapia e a interação entre medicamentos e alimentos foram os temas em destaque

Tenho um doente com hipertensão arterial e dislipidemia medicado com um antagonista do cálcio. É indiferente a estatina que vou escolher para o doente?

É uma pergunta muito importante porque um grande número de doentes hipertensos tem simultaneamente dislipidemia. Trata-se de doentes que devem ser tratados com medicamentos de longa duração de ação na hipertensão arterial, mas aos quais também devemos controlar o colesterol. Na realidade, nem todas as estatinas combinam bem com os antagonista do cálcio. Por exemplo, a sinvastatina não é um medicamento para ser associado ao antagonista do cálcio por uma razão muito simples: as sinvastatina é metabolizada pelo citocromo P450 3A4. E qual é o problema? É que se estes dois fármacos (antagonista do cálcio e sinvastatina) são dados em simultâneo vai haver uma redução da metabolização da sinvastatina que automaticamente pode aumentar as concentrações plasmáticas e os riscos de toxicidade por exemplo de miopatia.

No fundo, o que é que se deve fazer? Quando se usa um antagonista do cálcio temos que ir para estatinas que não são metabolizadas por citocromo P450, sobretudo  intestinal (rosuvastatina, pitavastatina, pravastatina e atorvastatina).

Qual é a diferença entre duréticos tiazídicos, tiazida-like e furosemida? O que é que há em termos de mecanismo, em termos de potência e efeitos sobre outras áreas que não sejam apenas o metabolismo e o equilíbrio hidroelectrolítico?

Temos dois tipos de duréticos que são os tiazídicos ou os tiazida-like e os da ansa como a furosemida. Este último atua numa área que é ansa de Henle e, consequentemente, é muito mais potente que os duréticos tiazídicos; provoca também maior espoliação de potássio, sódio e aumento do ácido úrico e da glicémia. No entanto, o problema da furosemida é que é um fármaco de curta duração de ação, ou seja, que tem que ser utilizado mais do que uma vez por dia. Os duréticos tiazídicos e tiazida-like não têm o problema que o furosemida tem a nível do cálcio. O furosemida é um medicamento hipercalciúrico, isto é, aumenta a excreção de cálcio na urina, ao contrário dos tiazídicos e tiazida-like que são anti-calciúricas. E porque é que isto tem importância? Tem por causa da osteoporose. É muito mais fácil ter esta doença com furosemida. Já os duréticos tiazídicos e tiazida-like conseguem ter o efeito contrário.

Quanto aos tiazídicos e tiazida-like há uma diferença também… Hidroclorotiazida é diferente da clorotalidona e da indapamida em vários aspetos. Por exemplo, a duração de ação da clorotalidona e da indapamida é muito maior do que a hidroclorotiazida – esta é um medicamento de curta duração de ação e, por isso, cada vez mais, está a cair em desuso.

Para além da duração de ação os duréticos tiazida-like têm um efeito de proteção cardiovascular muito superior à hidroclorotiazida. Claro que esta diferença dos tiazídicos e tiazida-like tem a ver com a função renal. Na hipertensão arterial, utilizamos a furosemida quando ultrapassamos um determinado grau de deterioração da função renal. No entanto, nós hoje sabemos que, por exemplo, a clorotalidona e, eventualmente, a indapamida podem ainda manter eficácia no estadio 4, i.e. com taxas de filtração glomerular de 20-25 ml/min.

No fundo, há diferenças a nível da duração de ação, há diferenças em relação ao cálcio e a nível da função renal. Portanto, temos de escolher a furosemida nos doentes com grau avançado de deterioração da função renal. Mas não se pode esquecer que este fármaco deve ser dado, pelo menos, duas vezes ao dia.

A que horas do dia devemos dar os medicamentos anti-hipertensores e os anti-dislipidemicos?

Durante muito tempo foi um assunto muito controverso, mas felizmente este problema já acabou. Na hipertensão arterial temos que indicar aos doentes medicamentos de longa duração de ação, ou seja, fármacos que numa toma única diária conseguem cobrir e tratar a doença de forma constante, suave e garantida. Estudos recentes mostram que com estes é completamente indiferente administrar estes medicamentos de manhã, à tarde ou à noite. Mesmo que tenhamos indivíduos com subida maior de pressão arterial à noite do que de dia, a eficácia dos medicamentos é igual. E porquê? Quando administramos medicamentos de longa duração de ação o efeito anti-hipertensor é mantido de forma estável ao longo de 24 horas.

Ou seja, estes medicamentos podem ser dados a qualquer hora. No entanto, os estudos mais recentes mostram que, em termos de adesão à terapêutica, a adesão é 2 vezes maior quando a administração é matinal vs. à noite. Cerca de duas vezes mais os doentes aderem ao tratamento quando a medicação é tomada de manhã do que quando é tomada à noite.

Mas relativamente as estatinas… Aprendemos que a lovastatina e a sinvastatina eram para sererem dadas à noite. E porquê? Porque estes dois farmácos têm curta duração de ação e, como o colesterol normalmente é gerado mais à noite, havia uma lógica para a administração noturna. No entanto, isto deixou de acontecer, uma vez que as estatinas mais recentes, como é o caso da rosuvastatina, a pitavastatina, a pravastatina e a atorvastatina, são medicamentos de longa duração de ação. Aliás, na maior parte dos estudos em que foram envolvidos, estes medicamentos foram administrados, sobretudo, de manhã. De qualquer forma, como já referi anteriormente estes fármacos podem ser administrados em qualquer altura. A eficácia anti-dislipidemica e a proteção cardiovascular é indiferente. Portanto, quando temos doentes que estão a fazer estatinas e anti-hipertensores de longa ação podemos resolver o problema logo de manhã e dar estes fármacos ao mesmo tempo a essa hora.

Qual a interação entre alimentos, suplementos e medicamentos?

É uma área que implica uma discussão mais prolongada. Por isso, escolhi dois casos muito frequentes na nossa prática clínica. Uma delas diz respeito à interação do hipericão que é um produto que às vezes é usado como antidepressivo. Esta sustância é um extraordinário indutor dos ferimentos microssomais hepáticos, aumentando a destruição de determinado tipo de medicamentos. Uma das interações mais frequentes é com os contracetivos orais. Ou seja, há o risco de perderem efeito, podendo levar a uma gravidez indesejada. No entanto, há também muitos outros medicamentos, de outras áreas, que podem provocar uma maior destruição, como é o caso dos antirretrovirais, alguns anti-dislipidemicos e alguns anti-hipertensores. Portanto, é preciso ter muito cuidados com o hipericão quando se está a fazer este tipo de medicação.

Outro exemplo que foi pedido para eu referir foi a interação de alguns inibidores da bomba de protões com clopidogrel. Como sabem o clopidogrel  é um antiagregante plaquetário, o qual é muitas vezes utilizado em substituição da aspirina e por causa da toxicidade gástrica. Inúmeros doentes fazem simultaneamente inibidores da bomba de protões com o clopidogrel  … É preciso ter muita atenção ao uso simultâneo deste com o omeprazol e esomeprazol, pois estes fármacos impedem a transformação do clopidogrel   no seu princípio ativo e, consequentemente, reduzem o seu efeito antiagregante plaquetário. Portanto, os doentes devem usar de preferência o pantoprazol e não o omeprazol. O pantoprazol não tem esse risco.

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