Um digital twin (gémeo digital) do paciente, construído a partir da história clínica e wearables, poderia permitir, com inteligência artificial, criar simulações da saúde do indivíduo no futuro, por exemplo. Por outro lado, em casos de emergência, poderia intervir de imediato pedindo socorro e transmitindo os dados do doente à instituição de saúde, enquanto os equipamentos, no hospital, ajustar-se-iam ao doente mesmo antes da sua chegada. Portanto, um digital twin facilitaria o tratamento dos pacientes e, mais disruptivo ainda, poderia até prevenir a doença.
A Siemens Healthineers equaciona esse cenário e Peter Schardt, Chief Technology Officer, diz mesmo que “todos nós teremos no futuro os nossos digital twins, basicamente representando a nossa situação de saúde num formato digital”, para que o médico possa ser ainda mais rigoroso na escolha da estratégia terapêutica.
Na saúde, “os dispositivos vão tonar-se tão inteligentes que o profissional de saúde poderá focar-se no paciente e não na máquina”. No fundo, “automação (…) é um bocadinho o sinónimo de produtividade”, e, atualmente, “precisamos de maior produtividade”, frisa Peter Schardt. Os profissionais de saúde serão guiados não apenas em termos de conhecimento geral, mas de um conhecimento “individual preciso”. É nesse sentido que a tecnologia está a evoluir, segundo Schardt. O cancro mostra bem essa necessidade: os casos vão continuar a aumentar e requer soluções mais precisas e individualizadas.
Peter Schardt deixa um alerta repetido por outros colaboradores da Siemens Healthineers: a tecnologia só pode ir mais longe se a alimentarmos com dados. Mas para isso também precisamos da regulamentação certa, ressalvam os especialistas. “A minha esperança é que nos envolvamos localmente com os profissionais de saúde e outros players no ecossistema para mostrar os benefícios exatos do que está nos dados localmente”, partilha Schardt.
O HealthNews esteve no coração da Siemens Healthineers – que se apresentou até 2016 como Siemens Healthcare, antes de se “distanciar” da (ainda) casa Siemens para poder ir mais longe –, Erlangen, uma cidade alemã, vizinha de Nuremberga. Ficámos a conhecer um pouco da história centenária (mais de 125 anos de desenvolvimento na tecnologia médica) e, sobretudo, do presente da companhia. A Siemens Healthineers trabalha com 90% dos hospitais líderes a nível mundial, estando presente em mais de 70 países, e investe um bilhão e meio de euros em investigação e desenvolvimento (FY 2021). “Patient twinning”, diagnósticos e terapias, no cancro e nas doenças neuro e cardiovasculares, são as principais prioridades da companhia, que quer chegar a todos: “We pioneer breakthroughs in healthcare. For everyone. Everywhere. Sustainably.”, lê-se no website da empresa.
AVC: “Tempo é cérebro”
No acidente vascular cerebral (AVC), time is brain. Não há tempo a perder, por isso a Siemens tenta reduzir ao máximo a duração do percurso desde a entrada no hospital até ao tratamento. O seu plano está a ser implementado em Bolonha, no Maggiore Hospital, que já é um centro de AVC muito conhecido no norte de Itália. O hospital sabe que levar o paciente para tratamento o mais rapidamente possível é crucial, por isso já tem um fluxo de trabalho “muito bom” – demora cerca de 90 minutos para ter o paciente em tratamento.
O caso foi exposto por Frederico Pasquarelli. Portanto, em Bolonha, ficou definido que o paciente já não entra pela urgência, vai diretamente para o departamento de AVC, onde é visto pelo neurologista. Com base na avaliação do clínico, o doente poderá ser levado de imediato para tratamento, sem ter de passar pela tomografia computadorizada (TC) primeiro, um atalho que resulta em menos 30 a 45 minutos, apenas saltando esse passo. Resultado: menos incapacidade para o doente. Contudo, é necessário ter o equipamento adequado.
Para combater o AVC, o Vall d’Hebron Univ. Hospital, em Barcelona, também está a trabalhar com a Siemens Healthineers, apesar de ser já um centro de referência internacional para tratamento do AVC e ter conseguido reduzir o tempo para menos de 20 minutos. “E ainda querem fazer mais”, frisa Frederico Pasquarelli. Mais concretamente, quiseram colocar o paciente no centro do workflow, ou seja, levar o equipamento e os profissionais até ao paciente, não o contrário. O doente permanece no departamento de AVC.
Quarenta e um por cento dos doentes que foram levados diretamente para o sistema Angio tiveram 0 ou muito baixa incapacidade, comparado com 28% dos doentes que fizeram o percurso habitual do hospital.
“Eu acho que está havendo uma grande mudança, e é isso que eu chamo de uma revolução meio silenciosa. Acho que ainda não é uma coisa mainstream, mas essa mudança de mindset, de como tratar o AVC, de conseguir ganhar essa luta contra o tempo, está acontecendo. Nós estamos vendo aí esses dois exemplos que eu citei na apresentação. Esses são aqueles pioneiros, aqueles inovadores, aqueles que querem ser sempre os primeiros; mas isso faz com que todos comecem a olhar para aqueles hospitais e vejam aquela mudança”, refere, em conversa com o HealthNews, o brasileiro Frederico Pasquarelli.
“Quando você publica estudos como esse que eu mostrei, que você reduz o tempo de levar o paciente desde a entrada do hospital até o tratamento de 70 minutos para 17 minutos, isso realmente não só é uma redução de tempo enorme, como praticamente elimina ou reduz bastante a chance de esse paciente sair com algum tipo de incapacidade depois do tratamento de AVC. Ou seja, é uma coisa que todo o mundo está começando a se conscientizar agora, de que você precisa ter um workflow preparado para AVC; você precisa ter o equipamento correto para tratar os pacientes. (…) Acho que a questão agora é mais investimento, é realmente conseguir que os hospitais tenham o investimento correto para implementar isso. Porque é uma mudança na maneira de você fazer todo esse tratamento, porque você precisa ter uma sala que seja dedicada para neurovascular e você precisa ter esse fluxo indo diretamente para essa sala, porque aí você elimina toda essa cadeia de passar com o paciente pela urgência, elimina o step de enviar o paciente para TAC. Você vai diretamente com aqueles pacientes para a área neurovascular e você tem aquilo que nós chamamos de one-stop-shop. Ele chega ali e sai dali já tratado, não passa por outras áreas do hospital”, esclarece o especialista.
Com Angio-CT, os hospitais têm o angiógrafo e a tomografia próximos, podendo ser usados em conjunto. “Tem aí a combinação dos dois mundos no mesmo lugar, ou seja, você consegue fazer tomografias antes, durante e depois, da maneira que você precisa, para conseguir abranger mais tipos diferentes de AVC”, explica Pasquarelli.
Continuando nas advanced therapies, mas passando para a cardiologia, “o objetivo é também conseguir que esses pacientes tenham acesso ao tratamento e que eles sejam tratados o mais rápido possível, de maneira mais precisa, com uma medicina um pouco mais personalizada. Porque sem isso vira uma linha de produção também, e o paciente não é um produto. Você realmente precisa entregar uma coisa mais personalizada, uma medicina mais precisa, para esse paciente. Nós entregamos isso para os nossos clientes. E na questão da cirurgia, o nosso robô, o ARTIS pheno, (…) é o que tem de melhor tecnologia em sala híbrida e é um equipamento que é super versátil. Você consegue fazer qualquer tipo de cirurgia minimamente invasiva com ele. Ou seja, é simplesmente entregar um Ferrari nas mãos dos clientes e, com isso, eles conseguirem dar um tratamento espetacular para os seus pacientes”, segundo o responsável.
“Se tivesse que escolher o meu favorito, diria que é a tecnologia photon-counting em TAC”
Para Carlos Alheiro, Head of Diagnostic Imaging para o sul da Europa, uma das áreas mais surpreendentes é a tecnologia photon-counting em TAC: “Eu julgo que a FDA, quando lançámos, há dois anos, disse que era o desenvolvimento mais significante em radiologia dos últimos dez anos, e a FDA é altamente conservadora neste tipo de statements. Eles ficaram mesmo convencidos porque é alterar a forma como sempre se fez TAC. É entregar uma qualidade de diagnóstico sem comparação até à data e é, sobretudo, abrir portas para entender a proporção de determinadas doenças, a monitorização de determinadas terapêuticas que à data não são possíveis. Entre muitas coisas boas em que temos trabalhado e que temos lançado para o mercado, se eu tivesse de escolher o meu favorito, eu diria que é a tecnologia photon-counting em TAC.”
Acrescenta Carlos Alheiro sobre o NAEOTOM Alpha: “Com photon-counting, basicamente, saltamos uma etapa. A radiação é convertida diretamente em informação, por isso é muito mais precisa. Em termos de definição de imagem, é duas vezes superior ao melhor scan normal disponível”.
Carlos Alheiro apresentou também o MAGNETOM Free.Max, “um muito pouco convencional sistema de MRI”, importante porque havia grupos de pacientes excluídos da ressonância magnética, como doentes obesos, pediátricos, com claustrofobia, entre outros. “O Free.Max é realmente o primeiro sistema que quebra essas barreiras”, afirma o especialista. Por outro lado, proporciona uma melhor experiência ao paciente; é o primeiro sistema que pode ser instalado numa “sala normal” de um “hospital normal”, ou seja, a instalação foi simplificada pela Siemens Healthineers; reduz o consumo de hélio e é fácil de usar.
Momentos antes, também em inglês foi apresentado o PET-CT, mas recorrendo a um exemplo português, a instalação do equipamento da Siemens Healthineers no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), em 2020. Até 2021, o CHUC examinava 16 doentes por dia, mas hoje consegue fazer 30 scans por dia. Porque o PET-CT é muito mais rápido, também conseguem fazer melhor uso do FDG e, de acordo com os cálculos do centro hospitalar, estão a poupar mais de 300 mil euros por ano em FDG. É um bom exemplo de como a tecnologia pode apoiar a medicina de precisão e a sustentabilidade. Contudo, para aumentar a produtividade nos próximos anos, a inteligência artificial terá de apoiar os prestadores de cuidados de saúde. “Eles chegaram a um nível em que não conseguem fazer mais a menos que dupliquem os turnos ou contratem mais pessoas”, alerta Carlos Alheiro.
Na próxima geração de PET-CT, “em dois minutos ou quatro minutos a qualidade da imagem já é suficientemente boa para fazer um diagnóstico muito confiável”. “Mais uma vez, PETs com ferramentas de IA para poder apoiar os radiologistas e os médicos de medicina nuclear para poderem ler essas imagens e chegar a um diagnóstico confiável.”
Questionado pelo HealthNews sobre o investimento em inovação no seu país, Carlos Alheiro respondeu: “Portugal não é muito diferente dos países vizinhos, em que os hospitais trabalham com orçamentos limitados e, portanto, não têm o acesso que queriam ter à tecnologia. Felizmente, Portugal e sobretudo os grandes hospitais do país, os públicos e os privados, têm encontrado formas de ter acesso a estas tecnologias mais inovadoras mais ou menos ao mesmo tempo que os outros. Eu lembro-me de vários produtos que nós lançámos, de alta tecnologia, em que a primeira, a segunda ou a terceira instalação a nível mundial aconteceu em Portugal. Às vezes pela mão dos privados, que têm outra agilidade, investimento, mas também, nalguns casos, pela mão dos públicos. (…) E a verdade é que, com engenho, com suor, as administrações hospitalares têm encontrado formas de contornar as dificuldades de financiamento, porque eu penso que também percebem que no médio-longo prazo todos estes investimentos têm um retorno muito claro.”
Bernd Ohnesorge, Presidente Europa, Médio Oriente e África, enumera alguns desafios que a inovação pode ajudar a solucionar: envelhecimento populacional, crescimento das doenças crónicas, falta de equidade no acesso aos cuidados de saúde e escassez de profissionais de saúde. “Inovação impulsionada por data e ferramentas baseadas em IA.”
A tecnologia desenvolvida pela Siemens Healthineers já tem bastante inteligência artificial, mas ainda há um caminho a percorrer em termos do suporte que os dados gerados pelas máquinas podem dar ao médico. Construir digital twins, para simular e prever a melhor decisão a tomar, será um caminho mais demorado.
Bernd Ohnesorge relembra que é preciso ter dados dos cuidados de saúde, embora “de uma forma muito responsável e bem regulamentada”; que é preciso relembrar os decisores políticos da importância de ter políticas que permitam a inovação ter acesso aos dados da prestação de cuidados de saúde na Europa; que é importante pensar até que ponto ferramentas desenvolvidas a partir de dados dos EUA e da Ásia são totalmente aplicáveis à realidade europeia.
“O futuro dos cuidados de saúde (…) está nas redes”: hospitais que “trabalham em conjunto, partilham dados, partilham recursos”, defende Saket Shukla, Zone Business Lead for Digital Business, sul da Europa.
Saket Shukla mostrou o valor das parcerias em todos os países da região que coordena. Em Portugal, falou da colaboração com a Liga Portuguesa Contra o Cancro para expansão do programa de rastreio móvel para deteção precoce do cancro da mama.
Dados e IA precisam de colaboração e trabalho de equipa. Digital health, parcerias público-privadas, dados e inteligência artificial são oportunidades que os países do sul da Europa não devem ignorar, sublinha Saket Shukla.
“Tem ainda muita coisa para vir no futuro, como talvez robótica, inteligência artificial, e está caminhando muito para esse lado, mas hoje nós já estamos bem na frente em termos de tecnologia, em termos de procedimentos, em termos de imagem e em termos de baixa dose de radiação”, conclui Frederico Pasquarelli.
HN/RA
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