HealthNews (HN)- O PAN foi o último partido a apresentar o seu programa eleitoral para as próximas legislativas, deixando as propostas da Saúde para a página 88. O que é que o PAN vai fazer para convencer o eleitorado de que esta área é realmente uma prioridade por parte do partido?
Rafael Pinto (RP)- A Saúde tem sido, desde sempre, uma área prioritária para o partido. Temos muita preocupação com o nosso sistema de saúde e, por isso, defendemos uma visão dupla: melhorar o acesso e fortalecer o sistema de prevenção da doença. Em política só se debate a primeira parte e relembro que o nosso partido tem apresentado muitas propostas nesse sentido. Por exemplo, na última legislatura propusemos o aumento do salário dos enfermeiros, o estatuto de profissão de risco e desgaste rápido destes profissionais e fizemos uma proposta para se regulamentar a carreira dos auxiliares de saúde. Todas estas propostas foram chumbadas. De qualquer modo, o PAN vai continuar a insistir na implementação destas medidas, incluindo também a questão do médico de família para todos e a contratação de nutricionistas e psicólogos para os centros de saúde.
Do ponto de vista das profissões, no nosso programa eleitoral propomos um aumento salarial de 30% para os médicos e no caso dos enfermeiros defendemos que o seu salário comece no escalão 21 e não no 15. Isto irá traduzir-se num aumento inicial na casa dos 300 euros.
HN – Esse aumento de 30% foi uma reivindicação feita por parte dos sindicatos na anterior legislatura, tendo estes apenas conseguido um acordo de 15% para 2024. Como é que o PAN pretende garantir esse aumento?
RP- Até agora não tem existido vontade política por parte do nosso Governo para fazer avançar esses aumentos e incentivar os médicos a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde. Precisamos de mais investimento público na Saúde. Embora tenha existido um reforço nos sucessivos orçamentos, o valor executado tem sido sempre interior àquilo que foi orçamentado. Portugal tem um investimento muito inferior quando comparado com os países da União Europeia. Não podemos querer melhorar as condições do nosso SNS, não podemos garantir mais acesso, mais cuidados e tratar mais doentes sem investir mais. Para o PAN, áreas como a Saúde e a Educação devem ser prioritárias no investimento público. Sabemos que do ponto de vista fiscal, as prioridades do Governo não estão alinhadas… Em cada Orçamento de Estado têm sido oferecidos trezentos milhões de euros às petrolíferas que estão a destruir o nosso planeta. Esse dinheiro poderia servir para aumentar o salário dos médicos. Do ponto de vista da carreira dos enfermeiros, defendemos que a progressão deve acontecer de quatro em quatro anos.
HN- A Saúde tem vindo a ser o “calcanhar de Aquiles” de praticamente todos os governos. No período eleitoral são muitas as propostas para esta área. Que medidas distinguem o PAN dos restantes partidos?
RP- Algo que nos distingue claramente é que muitas das nossas propostas não estão incluídas apenas no nosso programa eleitoral, como já foram apresentadas na Assembleia da República… Portanto, a implementação das nossas propostas vai depender da força que o PAN venha a ter no Parlamento. Sabemos que muitas destas medidas fazem parte do programa do PS, mas foi o próprio partido que as chumbou na anterior legislatura, logo ninguém está à espera que as venha a aprovar.
Por outro lado, uma das principais distinções é que enquanto o PAN defende que temos de regulamentar a exclusividade do SNS, com benefícios acrescidos do ponto de vista salarial para cativar jovens, o PS quer que os jovens que não fiquem a trabalhar devolvam as propinas se saírem de Portugal. Isto para nós é inadmissível… Fomos o partido que acabou com os estágios não remunerados no acesso à profissão. Não podemos compactuar com uma medida tão injusta e coerciva como esta que o Partido Socialista nos apresenta.
Em último lugar, o PAN tem uma visão de One Health. O nosso partido defende que é preciso garantir a monitorização contínua de indicadores de saúde humana, animal e ambiental. Este conceito não é muitas vezes reconhecido, mas é absolutamente essencial.
HN – A visão sobre a gestão do SNS é um dos assuntos que divide os partidos de esquerda e direita. Qual a opinião do PAN no que toca às PPP?
RP- Temos também uma postura moderada no que toca a Parcerias Público-Privadas. Não temos algo contra estas parcerias, desde que façam sentido do ponto de vista dos dados. Posso mesmo afirmar, no caso de Braga, um caso paradigmático, que a gestão pública traz melhores resultados, atende mais utentes e oferece mais serviços. Ou seja, o acesso à saúde tem sido muito superior, para além das condições laborais do profissionais que também têm melhorado. Portanto, defendemos uma aposta forte na saúde pública, podendo coexistir com o privado.
HN– Voltando aos profissionais de saúde. No programa defendem “a valorização dos profissionais de saúde com base na qualidade dos tratamentos e nos desfechos clínicos e não no número de consultas”. Esta medida pode conduzir a problemas de valoração subjetiva. Como pensam ultrapassar este aparente constrangimento? Recordo que em 2022, tivemos forte polémica sobre os médicos de família poderem vir a ser penalizados pelo facto de as suas utentes decidirem interromper a gravidez ou contraírem doenças sexualmente transmissíveis.
RP- O sistema atual não serve, uma vez que também acaba por ser subjetivo. Não podemos avaliar o tratamento dos pacientes em números. Isto faz com que a própria qualidade possa baixar. Daí a necessidade de mudar esse sistema baseado em números e passar a apostar num sistema baseado em pessoas e nas suas condições específicas.
Em relação à polémica de que fala, pronunciámo-nos na altura. A promoção da igualdade de género e defesa dos direitos da mulher é uma das bandeiras do PAN. Não podemos permitir que os médicos de família sejam penalizados desse modo.
Ainda nesta área, defendemos o fim das quotas nas avaliações. É algo que nos tem sido sinalizado, não só porque cria mau ambiente, como também desmotiva os profissionais.
HN- Nos Cuidados de Saúde Primários, o partido propõe “igualar os incentivos nas USF modelo B entre a equipa multiprofissional que as compõem, reproduzindo a sua fórmula de cálculo igualmente para todos as classes profissionais”. O que é que o PAN quer dizer com isto?
RP- Queremos alargar os incentivos para todos os profissionais e não apenas para os médicos.
HN- O PAN quer dotar os CSP de todos os meios de diagnóstico básicos, serviços de saúde psicológica, nutrição, saúde oral e visual, bem como condições para o tratamento de determinadas patologias, sem necessidade de recurso aos serviços de urgência. Olhando para a despesa na Saúde, há cabimento orçamental para a concretização de todos estes objetivos?
RP- Portugal está abaixo da média da União Europeia no que diz respeito ao investimento em Saúde e, olhando para a falta de execução orçamental nos últimos anos, acreditamos que sim. Do nosso ponto de vista, de forma faseada, será possível garantir este acesso até porque estamos a falar de uma medida de coesão territorial. Temos muitas pessoas que vivem no interior que não têm acesso a muitos cuidados de saúde. Os centros de saúde devem ser mais capacitados para conseguir dar uma resposta de proximidade, aliviando a pressão sob os hospitais.
HN- O número de propostas relacionadas com a saúde mental é muito significativo quando comparado com os restantes partidos políticos. Consideram que é um fosso no SNS?
RP- Trata-se de um fosso no nosso Serviço Nacional de Saúde, de um fosso nas nossas escolas e de um fosso nas nossas universidades. A visão do PAN para a saúde mental é abrangente e por isso é que queremos mais psicólogos nos hospitais e nas instituições académicas. Portugal é o país da OCDE onde se consomem mais antidepressivos per capita. De facto, este tem sido um problema silencioso que temos ignorado e que precisa de ser combatido. Sabemos também que há muitos casos de burnout nos profissionais de saúde, levando a que muitos desistam da profissão.
HN- Existem algumas medidas previstas pelo PAN para combater o burnout dos profissionais?
RP- Defendemos o estatuto de profissão de risco e desgaste rápido com vantagens associadas – com reforma mais cedo e maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Esta é uma questão essencial. Temos muitos profissionais a trabalhar por turnos, o que dificulta muitas vezes a conciliação da vida familiar. As condições de trabalho têm de ser melhoradas e isto inclui os horários e o ambiente profissional.
HN- As farmácias comunitárias são várias vezes mencionadas, tendo o PAN proposto “o atendimento de situações clínicas ligeiras, como sinusites, dores de garganta ou otites médias, com prescrição do tratamento adequado ou encaminhamento, quando justificado, para os cuidados de saúde primários”. Quais as mais-valias de descentralizar e promover a articulação dos diferentes setores?
RP- Uma das mais-valias diz respeito ao aumento do acesso. A colaboração com as farmácias permite reduzir o número de doentes nas urgências. Temos muitas situações que podem ser resolvidas com alguns cuidados básicos.
HN- Mas isto não pode incomodar outras classes profissionais? Quando foi alargada a vacinação de gripe às farmácias, os enfermeiros contestaram e mostraram-se altamente críticos…
RP- Recentemente reunimos com o sindicato dos enfermeiros do Minho e aquilo que nos foi dito foi que o investimento passado para as farmácias poderia ter sido suficiente para melhorar e recuperar horas perdidas na carreira de alguns profissionais.
No que toca à questão do atendimento de situações clínicas ligeiras nas farmácias, não houve qualquer queixa por parte dos profissionais de saúde. Estamos a falar de casos como sinusites e que podem ser tratadas a partir da prescrição de um medicamento de modo simples. Se o diagnóstico do doente demonstrar que não é possível ser tratado na farmácia, estas devem avançar com o encaminhamento para o centro de saúde.
Portanto, não se trata de tirar competências aos médicos ou enfermeiros, trata-se de facilitar o acesso aos cuidados de saúde.
HN – A saúde da mulher é um outro aspeto que marca o vosso programa. Quais as medidas que se destacam?
RP- No nosso programa, e na Assembleia da República, apresentámos várias medidas para erradicar a pobreza. Muitas jovens têm de recorrer a panos e lenços para substituir pensos higiénicos. Neste sentido, o PAN defende a distribuição gratuita nas escolas e a isenção de IVA para estes produtos.
Por outro lado, defendemos que seja garantida a efetiva aplicação da lei da gestação de substituição.
No fundo, o nosso programa é muito desenvolvido nesta área da saúde da mulher. Sabemos que existem vários problemas a nível da violência obstétrica e existe alguma ignorância sobre a endometriose e, por isso, vamos a continuar a insistir na licença menstrual que é da mais elementar justiça social.
HN- No vosso programa, falam na “regulamentação urgente da lei que regula a morte medicamente assistida”. Como preveem o desfecho deste capítulo que já há muito se prolonga?
RP- Esta é uma das questões que está em jogo nestas legislativas. Trata-se de um assunto que distancia os progressistas dos conversadores. Queremos avançar com a morte medicamente assistida. É uma causa humanitária progressista, mas temos assistido a sucessivos entraves, quer seja da parte do Presidente da República, quer seja ao nível dos partidos na Assembleia da República.
HN – Uma nota final
RP- Uma vez que não se fala muito nas entrevistas da saúde preventiva, é preciso estabelecer que pelo menos 1% do orçamento para a Saúde é dedicado à prevenção. Falo nomeadamente dos rastreios… A melhor forma de tratar doenças é preveni-las.
Entrevista de Vaishaly Camões
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